quarta-feira, 3 de junho de 2009

Por que Keynes, e não Marx?

Por Luiz Henrique Mendes
“Como entender a derrocada dos países socialistas? Embora
chegasse de surpresa, ela deu lugar a mais certezas do que duvidas, e pareceu de
fácil compreensão. Segundo a voz geral trata-se: a) da vitória do capitalismo, e
b) da refutação do prognóstico histórico de Marx; ou ainda, da derrota do
estatismo pelas sociedades de mercado. Pois bem, para desmanchar a unanimidade
acaba de sair na Alemanha um livro inteligente e incisivo, de Robert Kurz, que
arrisca uma leitura inesperada dos fatos. A mencionada débâcle representaria,
nada menos e pelo contrário, o início da crise do próprio sistema capitalista,
bem como a confirmação do argumento básico de O capital.” (Roberto
Schwarz)

Em maio de 1992, ainda sob o impacto da queda do bloco socialista, o professor Roberto Schwartz escreveu o texto acima. Trata-se de uma resenha do livro O Colapso da Modernização, de 1991, do sociólogo Robert Kurz, publicada no jornal Folha S. Paulo. Em setembro de 2008, o quarto maio banco de investimento dos Estados Unidos, o Lehman Brothers, quebrou. Ou seja, 16 anos após o texto de Schwartz, as idéias de Kurz materializaram-se no centro do capitalismo, o que, de certo, confirma por mais uma vez os argumentos de O Capital, de Karl Marx.

É sobre Marx, aliás, que este artigo tratará, sobre sua fundamental contribuição à crítica da economia política, precisamente no livro terceiro d’O Capital, relacionando-o com a atual crise econômica mundial, e dialogando com propostas de enfrentamento da crise, tanto em sua fundamentação teórica como nas condições políticas para sua realização.

Sob o capitalismo, crise é uma regra histórica, e não um ponto fora da curva – para isto, basta estudar o número de crises do século XX. Sendo assim, faz-se necessário compreender a dinâmica das crises. Para Marx, há uma contradição fundamental no que diz respeito à composição do capital, que reduz a taxa de lucro, fato este que não pode se perpetuar, já que a força de propulsão do capitalismo é o lucro em expansão – lucro estagnado não interessa.

Mas, afinal, como se dá a composição do capital? Segundo a teoria marxiana, ele é composto pelo capital constante (máquinas) e capital variável (trabalho). Existe uma tendência natural de a composição do capital alterar-se, tornando o volume de capital constante maior que o capital variável. Em outras palavras, o capitalista, para não sucumbir à concorrência, se desfaz de uma determinada quantidade de trabalhadores, substituindo o serviço antes feito por eles para as máquinas, que o fazem de maneira mais eficiente. Assim, as máquinas tomam o lugar dos trabalhadores na produção, dando um ganho de eficiência ao capitalista. Onde surge o problema, então?

A grande questão é que o capital constante, ou seja, as máquinas, não criam valor, não geram riqueza. No máximo transferem. Desta forma, tem-se que o que gera valor é o capital variável (trabalho). Se a composição do capital se altera em favor do capital constante, cria-se menos riqueza e, assim, basicamente, produz-se um desarranjo no capitalismo. Sua lógica de contradição interna gera a própria crise.

Mas há um outro problema. Se é o trabalho quem gera riqueza, é do trabalho que se extrai o lucro. De que forma? Através da mais-valia, que é o trabalho não-pago. Ficamos com uma situação: os trabalhadores geram a riqueza (criam valor), mas não recebem o valor real de seu trabalho. Sendo assim, o lucro do capitalista é resultado da taxa de exploração do trabalhador. Se x trabalhar oito horas e produzir y mercadorias, seu salário será de x/2. Nesta equação, o trabalhador sai perdendo, já que ele recebeu menos do produzido. Portanto, o lucro é a expropriação, por parte do capitalista, do valor produzido pelo trabalhador. A partir desta argumentação, tem-se que, se a exploração do trabalho diminuir, beliscando talvez condições mais humanas, o lucro do capitalista diminuirá e, conseqüentemente, entraremos novamente na lógica de crise.

Grosso modo, esta é a dinâmica de crise. A composição do capital se altera, diminuindo a porção de capital variável o que, por sua vez, diminui a realização de valor. Na literatura marxista, o termo crise de realização de valor é clássico. Assim, e enquanto o sistema capitalista persistir, esta lei funcionará. A atual crise é mais complexa que a simples aplicação de Marx, mas as leis do capitalismo continuam fundamentalmente as mesmas. Portanto, estruturalmente, a crise é resultado da contradição inerente ao capitalismo, no tocante as mudanças de sua composição, embora outros fatores também possam contribuir para a crise.

Na atual crise, tempo em que as contradições se mostram de forma mais aparente, os conceitos marxistas se fazem mais claros. Com a globalização, a divisão de tarefas do capitalismo pôs se de acordo com a composição do capital orgânico de cada um.

Nesta crise, muito se falou da China, sendo ela peça chave das engrenagens contemporâneas do capitalismo. Com excesso de mão-de-obra, o país asiático realiza a mais-valia global. Não é coincidência que os índices de exploração do trabalhador sejam estupidamente elevados. Neste sentido, os chineses realizam o valor.

Contudo, o consumo não é realizado na China. Os Estados Unidos, pivô da crise, principalmente, fazem o consumo. Mas de que modo, se a maior parte do valor criado está sendo feita na China? Simples. Através da compra de títulos de governo americano, fazendo com que as reservas chinesas sejam extremamente volumosas. Em outras palavras, quando a China compra títulos do Tesouro americano, ela está transferindo sua mais-valia. Nesta dança, os Estados Unidos correspondem a 30% da demanda de consumo mundial.

Quando os trabalhadores chineses, extremamente explorados, conquistaram direitos trabalhistas, a transferência de mais-valia para os EUA diminuiu. Somadas à lógica da alteração na composição do capital, intensificação do capital fictício, crédito dez vezes maior que o PIB mundial, tem-se uma receita explosiva para esta crise.

Para o sociólogo Francisco de Oliveira:
“(...) é uma crise clássica na interpretação marxista: é de realização do valor,
mas aqui está sua novidade: a produção do valor se dá na China e sua realização
nos EUA. É no que pode dar a assimetria entre os 10% de crescimento da China e
os modestos 3 a 4% dos EUA. Nos últimos vinte anos, o capitalismo mundial
experimenta uma violentíssima expansão: 800 milhões de trabalhadores foram
transformados em operários entre a Índia e a China, e em todos os países do
vastíssimo arco asiático. Ficaram de fora nessa verdadeira revolução
capitalista, a África, como sempre, e praticamente toda a América Latina.”
(Agência Carta Maior)

Saídas?

Diante da crise, põe-se uma questão: haverá solução? Nos últimos dias, tem-se verificado certa euforia nos mercados de ações. Segundo o professor Nouriel Roubini, trata-se de uma euforia perigosa, já que os problemas da atual crise não foram sanados.

Se o problema da crise, por sua vez, segundo a tradição marxista, dá-se por conta das contradições inerentes ao sistema capitalista, havendo a necessidade de superá-lo, parafraseando Lênin, que fazer? 

O conjunto de forças políticas não indica revolução alguma. Ao contrário, o fascismo põe-se como uma das alternativas em jogo. Se assim acontece, é porque a esquerda revolucionária, à exemplo dos tétricos partidos de núcleo universitário (MNN, POR, etc.) não contemplam estratégias e táticas coerentes, trabalham de forma doutrinária e, ironicamente, beiram o fascismo, ao negar o diálogo democrático. Desta forma, a esquerda revolucionária se isolou.

Hoje, a única solução politicamente acessível, que não o fascismo, é o uso do instrumental keynesiano que, de revolucionário, nada tem. Trata-se apenas de uma forma de gestão do capitalismo. Eis que o geógrafo David Harvey nos dá uma pista:

“O pensamento de esquerda não convergiu para algum consenso de propostas para
enfrentar as dificuldades presentes, e pode levar algum tempo até que tal
consenso surja. (...) Sou a favor de se estabilizar o capitalismo através de
medidas keynesianas que se transformem em possibilidades marxistas,(...) porque
um colapso ulterior do capitalismo sem nenhuma alternativa pronta para tomar seu
lugar causará miséria e sofrimento incalculável para a massa da população,
incluindo as pessoas que estão no setor informal, enquanto que a classe
capitalista escapará relativamente incólume. A classe capitalista consolidará
seu poder numa crise e tentará se proteger pela promoção de formas fascistas. A
única maneira que consigo conceber de impedir isso é estabilizar o sistema a fim
de criar uma ordem política mais forte para a construção da alternativa”. (IHU
Online)

Estabilizar o sistema com políticas keynesianas para, depois, migrar para o instrumental marxista. Talvez seja uma saída, talvez...

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