quinta-feira, 30 de abril de 2009

Homem em crise

O homem encontra-se numa profunda crise. A cada uma hora, pelo menos, 600 crianças morrem de fome em todo o mundo. Com o tráfico de drogas, morrem mais pessoas no Rio de Janeiro e em São Paulo, do que com a Guerra do Iraque. No Brasil apenas 200 famílias possuem quase cerca de 85% do PIB nacional. E ainda assim, com um salário de R$ 500 um indivíduo pode ser considerado rico nesse país.

Há ainda grupos que brigam, legitimamente, pela formação de um território nacional (vide palestinos e curdos), sendo que em todo o mundo busca-se, pelo menos economicamente, o apagamento dessas linhas imaginárias que determinam o Estado nação.

Ou esses dados estão muito errados, ou de fato, o homem encontra-se numa profunda crise.

Antes da Revolução Comercial, no século XV, o conceito de nação era inexistente. Surge aí não só o conceito de nação - como um estado forte que viabiliza o projeto das grandes navegações - mas a idéia de política econômica. Queria se ganhar dinheiro. Para isso, alguns mecanismos deviam funcionar: intervencionismo estatal, protecionismo, balança comercial favorável. Durante muito tempo, essas foram as bases do capitalismo. Mas, como sempre há na história, certos modelos tornam-se obsoletos para os interesses do homem cada vez mais moderno.

O capitalismo foi avançando, criando novos paradigmas. Surge assim o termo mais comentado dos últimos tempos: "globalização". E com ele caem alguns moldes.

A frase do texto "Perdedores Globais" faz-se, no momento atual, então, necessária: "Embora nossas ideias sociais e nossos sentimentos políticos ainda façam referência ao espaço histórico das nações, essa é uma realidade que pertence ao passado - pelos menos em termos econômicos".

"Hoje, produz-se onde os salários são baixos, pesquisa-se onde as leis são generosas e os lucros, estes apenas onde os impostos são baixos. O estado é cada vez menos o capitalista ideal", bem diferente daquele que surge com a Revolução Comercial.

Diversas privatizações, o estado de bem estar social social entra em colapso, assim como a previdência. Grande parte da sociedade é abandonada a sua própria sorte. O que é intrigante, todavia, é que essa estrutura precisa de mercado consumidor. Grupo que é reduzido gradativamente. Não, não. Cria-se outro mecanismo: o crédito. Parcelas da sociedade que nunca participaram desse grupo agora entram: boletos sugem a se perder de vista.

Mas e aqueles que ainda assim ficam de fora? Não interessa, essa é a África!

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Os maiores perdedores globais

A globalização é um fenômeno complexo. Muitos preferem olhar seus aspectos positivos: o crescente intercâmbio cultural entre as nações; as extensas redes de comunicações globais, que cada vez mais integram pessoas distantes e uma economia mundial mais dinâmica, que teoricamente facilitaria as relações comerciais entre os países.
Porém, não vivemos apenas das maravilhas da Internet. A mundialização da economia conseguiu aprofundar o abismo entre as classes sociais, que já era enorme no início dos anos 90. Mais do que isso: destruiu o chamado Estado do bem-estar social europeu, que beneficiava a maioria da população.
O fenômeno neoliberal rompeu as fronteiras dos países e permitiu que o capital internacional se movesse com ampla liberdade. E o Brasil teve inúmeras privatizações de setores estratégicos durante a década passada. É como se, triunfante da guerra fria, o capitalismo tivesse inaugurado sua fase mais moderna e perversa.
Quem são os maiores perdedores globais? Todos os brasileiros que sofreram (e ainda sofrem) com o péssimo serviço da espanhola Telefônica. Todo o dono de uma pequena locadora de bairro que foi à falência quando a americana Blockbuster instalou mais uma unidade. E todos aqueles que trabalhavam para o governo e perderam seus empregos após sua companhia ser vendida para estrangeiros.
Com a crise atual, fala-se na morte do neoliberalismo e numa possível desglobalização. É difícil prever que mundo irá emergir quando (e se) a bonança chegar. A volta dos Estados fortes, que injetam bilhões para salvar os bancos, como nos EUA? Ou uma retomada com novas problemas de hipotecas e especuladores brincando no cassino do mercado financeiro global? Seja qual for o cenário, uma coisa pode-se garantir: o status dos atuais perdedores globais pouco mudará.

Crise sem fim

O mundo vive a sua primeira crise econômica de escala verdadeiramente global. A não ser nações africanas que permanecem à margem da civilização moderna, não existe um único país que não tenha sido atingido com menor ou maior intensidade. As linhas de produção são interligadas como nunca. E isso vale também para o sistema financeiro. As ações de empresas brasileiras são compradas por investidores americanos, que vendem títulos do Tesouro dos Estados Unidos para o governo chinês. “Todos os componentes do processo produtivo e do sistema financeiro perambulam pelo globo”, como afirma o Robert Kurz. Quando uma peça importante desse sistema desaba (no caso atual, o sistema financeiro norte-americano), todos caem uns após os outros, como um dominó.
A velocidade da internet acelerou ainda mais a onda de contágio. Após 1929, levaram-se meses para que o crash de Wall Street alcançasse o resto do mundo. E boa parte do planeta, sob a esfera soviética, nem fazia parte do jogo de forças do capitalismo. Agora, os ex-socialistas do leste europeu, até então embriagados pelo prazer do consumo de massa, aparecem entre as grandes vítimas da mais profunda crise financeira mundial desde a Grande Depressão de 30.
O que pode acontecer depois dessa crise? A queda do muro de Berlim derrubou a ilusão com o socialismo real; agora, a nova crise derruba a ilusão do liberalismo total. Como indica Kurz, não explicitamente, fica a grande questão: que novo modelo social e econômico, que seja justo e não opressor, poderá acabar com a miséria material e humana na qual vive metade da população mundial? Essa crise permanece sem um fim à vista.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Somos todos culpados (até que se prove o contrário)

Através da leitura do texto "Perdedores Globais" de Robert Kurz entende-se melhor o desenvolvimento do sistema econômico que temos hoje em dia, de alicerces pouco seguros e teorias que não se aplicam mais. Porém, o autor discursa como se as pessoas comuns estivessem completamente alheias ao que aconteceu nos últimos cinquenta anos, sem levar em conta as mudanças de comportamento e percepção de sociedade que a globalização acarretou. Seria ingênuo afirmar que o capitalismo de hoje sobrevive somente por vontade de uma elite, apesar da ignorância agir a favor destes.

Cada vez mais os interesses particulares são priorizados em função do bem coletivo, fato não limitado às classes políticas ou ricas. Talvez tenha sido uma internalização gradual do capitalismo por parte da população, que tomou como seu o comportamento do mercado de necessidade de lucro (bem estar, conforto, atingir objetivos, em suma qualquer coisa) a qualquer custo.

Esta cultura da individualidade que vivemos atualmente (e a qual Zigmund Baumman entre outros tem como um de seus objetos de estudo) teve mais uma conseqüência para o coletivo neste último ano. A crise econômica, esta cujas causas são levianamente atribuídas somente ao sistema financeiro frágil e especulativo que instituíram como correto, também é social.

É cada um por si na economia assim como nos movimentos políticos, que não mais buscam soluções para a sociedade, mas somente para os grupos que protegem. Não escapa o jornalismo dito especializado, que fecha os olhos para o que não vende ou o que dizem que os leitores não tem interesse. Também não poderiam escapar os meus colegas da faculdade, os moradores do edifício em que vivo e até qualquer motorista que dirige sozinho um utilitário no centro de São Paulo. Somos todos culpados até que se prove o contrário.

A partir deste cenário não é difícil imaginar uma situação de alto risco em que alguns lucrariam muito se desse certo, mas todo mundo perderia se desse errado considerada um investimento viável. Bem, como podemos perceber já a algum tempo, desta vez todo mundo perdeu. Aliás, mesmo quando só alguns ganham neste tipo de investimento, também não é incomum ter a impressão de que todo mundo perdeu, só que nem sempre nos damos conta disso.



Perdas particulares, sintomas globais

Um motoboy morreu na Marginal Tietê no dia primeiro de abril. O acidente aconteceu por volta das 8 horas. Às 14 horas e 30 minutos, o corpo do homem ainda estava na pista, a família aguardando a presença da perícia para ele ser retirado.

Não sabemos o que ele estava transportando. Importante para os jornais era a morte do motoboy; para a empresa, era o produto não entregue. E esteja certo que o atraso do IML para recolher o corpo do homem certamente não causou tanta repercussão quanto o atraso do produto não entregue.

Os motoboys andam sempre com muita pressa. A vida de muitos dependem do sucesso do trabalho deles; mas valeria mesmo a pena arriscar as vidas deles pelas dos outros?

O fato é que, neste momento, outro deve estar ocupando o lugar do motoboy. Isso é inevitável em um mundo onde a rotatividade de empregos é alta. Ficar pouco tempo em um trabalho não deve mais afetar de forma negativa o currículo de alguém que queira lutar por uma vaga neste mercado que tem vontade própria.

A fidelidade a alguma empresa - que antigamente poderia ser superior até à fidelidade conjugal - hoje está fora de moda. Veja que provavelmente já há outra pessoa trabalhando no lugar daquele homem. Porque capital circula sem faróis vermelhos ou amarelos, sem esquina que os mate.

É isso que o motoboy tem que aceitar. Pois se não aceitar, outro o faz por ele. E se ele não aceitar, um terceiro abraça a oportunidade de boa vontade.É este o mundo dos empregos que deveriam ser das pessoas. Mas são as pessoas que são dos empregos.

Danielle Ferreira

Capitalistas do mundo, socializais a crise!

Por 11 anos, a discussão sobre a economia mundial que Roberto Kurz fez em seu texto Perdedores Globais se manteve fortemente atualizada. Até agosto de 2008, podíamos ver refletidos na configuração real do planeta todos os pontos que autor analisa em seu trabalho. Um fato novo, porém, abalou idéias que já pareciam petrificadas e forçou os economistas- ganhadores globais - a rediscutir certas relações de força, como aquelas que tinham alterado o papel dos Estados Nacionais. Refiro-me à crise econômica mundial.

Não se questiona aqui as constatações sobre o funcionamento da economia expostas por Kurz. É indiscutível que a internacionalização do capital, que começou a se delinear nos idos de 1960, ganhou muita força com o passar dos anos. O capital nunca esteve tão desligado das economias nacionais e interconectado pelos grandes grupos financeiros como está agora. Não há prova maior disso do que a grande velocidade com a que a crise se espalhou pelo planeta. Já não é possível localizar espacialmente as perdas, como foi feito em relação à “crise dos genoveses’’ ou à “crise dos holandeses”; ela é a “crise mundial” e ponto. As produções continuam completamente descentralizadas e descomprometidas com interesses locais. Esses são aspectos que sequer foram postos em questão com o surgimento da crise; pelo contrário, os grandes atores da economia estão perdendo o sono para tentar preservá-los.

E nesse momento é que o Estado foi chamado novamente para a cena. O que se vê diariamente nos noticiários são grandes corporações financeiras sendo socorridas pelos cofres públicos. Bilhões e bilhões de dólares já escoaram das mãos de presidentes e primeiros-ministros para socorrer os problemas que as especulações desenfreadas geraram. Muitos países desenvolvidos já falam em controle financeiro para evitar novas situações desastrosas. Como num passe de mágica, as certezas sobre participação mínima do Estado e auto-regulamentação da economia foram postas de lado.

O texto de Roberto Kurz retrata a relação do Estado com a economia no momento exatamente anterior ao que estamos vivendo, quando se desenhava a diminuição da competência daquela instituição. Note-se que não afirmo aqui que as economias nacionais vão voltar a ganhar força e os países passarão a ditar as regras financeiras. Longe disso. Essas iniciativas muito provavelmente são passageiras, mas demonstram que os governos nacionais não estavam tão debilitados quanto se pensava e agora conseguem voltar a ter relevância no jogo econômico.
É abominável, no entanto, que os fatores que despertaram os países desenvolvidos para a importância da ação estatal foram de caráter material e não humano. A concentração de riquezas, que a lógica da globalização acentuou desmedidamente, gerou uma gigantesca massa de pessoas miseráveis, completamente excluídas do mercado global. Os seletos beneficiados por esse sistema começaram a re-analisar suas teorias não porque o mundo fora de suas “ilhas” se afundou na pobreza e no desespero, mas porque a tampinha de cerveja sobre a qual dançavam se rompeu.

O mundo está diante de um daqueles momentos históricos oportunos para se romper com estratégias fracassadas. A atrofia de uma instituição capaz de zelar pelo bem comum acaba de se mostrar ineficaz e a conseqüência mais clara disso é “a guerra civil mundial”, discutida por Kurz. O terrorismo como prática política é um recurso desesperado de resistência às imposições globais, sejam elas de caráter econômico ou cultural. Ainda assim, não precisa ser profeta para prever que essa oportunidade vai ser, mais uma vez, jogada na vala comum da ganância.

Todos são perdedores

Robert Kurz faz um panorama geral da economia mundial nos últimos cinco séculos e mostra suas modificações estruturais no ensaio “Perdedores globais”. Fica muito claro que o desenvolvimento do mercado e as noções acerca dele estão na origem do caos em que estamos inseridos.

A idéia do autor não é detalhar minuciosamente as variações nas formas de produção, as alternâncias entre as maiores potências mundiais ou as conseqüências sociais do capitalismo. Mas sim destacar que não há apenas um vilão no contexto mundial e a implicação é que todos acabam sofrendo com tal situação.

Um solução? As ONGs e associações aparecem como alternativas interessantes; elas provam que existem deficiências governamentais, porém não são capazes de questionar o sistema econômico.

Aí entram os estudiosos e economistas, que não podem se conformar e aceitar que o sistema se auto-regule, que a cidadania seja desrespeitada, que a concorrência seja cada vez mais desleal, que existam barreiras protecionistas, etc. O pensamento crítico deve acompanhar as mudanças estruturais e deve ser renovado. Kurz vai além e diz que a crítica social deve ser globalizada.

Globalização é também a palavra de ordem da atualidade. O texto foi escrito há mais de 10 anos, mas continua atual em seus conceitos. Logicamente que não está “adequado” à crise econômica que o mundo enfrente desde o final de 2008, mas muitos fatores desta crise das economias americana e européia – de modo geral – são antevistos no ensaio.

A microeletrônica possibilitou um mercado único global, refletindo e sendo refletido nas empresas multinacionais, que não têm qualquer apego a país ou cidade: o lucro é a única coisa que importa. Neste contexto há a nova divisão social do trabalho, a mais-valia e as privatizações.

Robert Kurz faz muitos apontamentos, algumas afirmações e outras especulações. Mas ele é bastante contundente ao dizer que uma economia voltada à minoria não é capaz de progredir, já que o raio de ação do sistema ficou restrito. Um reflexo desse universo circunscrito são as “guerras civis mundiais”, que estão acontecendo ao redor do mundo.

O que não pode perdurar é a frase pronta: o capitalismo tem crises cíclicas e elas continuarão ocorrendo enquanto o sistema estiver em evidência. Há muita verdade nessa afirmação, já que o sistema econômico mundial passa por crises. Alguns países freqüentam o limiar da crise com mais assiduidade – como é o caso do Brasil e dos países de terceiro mundo – porém dessa vez temos um cenário diferente: as grandes nações estão em choque.

O socialismo, o comunismo ou o anarquismo não devem ganhar força. As ações sociais devem se fortalecer e enxergo os desdobramentos da crise de uma maneira diferente do autor, porém existe a noção de que a consciência da população deve ser maior e, conseqüentemente, sua participação.

Se o governo não propiciar tal diálogo os enfrentamentos devem ser mais agudos, mas havendo cooperação entre as partes, a tendência é acreditar num futuro mais moderado economicamente. O bem-estar da população está atrelado às mudanças que estão por vir. A torcida converge para que o sistema atual seja amplamente questionado e novos paradigmas possam entrar em vigor.

Invisível para quem?

“Deixa Rolar”, é o que diz a economia clássica e o ideal neoliberal. Para essa gente – entre os quais hoje encontramos geralmente políticos, banqueiros, especuladores, empresários e boa parcela da classe média que mora em condomínios fechados e serve sopa para os mendigos aos fins de semana – a economia se auto-regula e tende sempre a nivelar a balança dos preços, da produção, dos salários, da vida. Foi nesse sentido que evoluiu a economia mundial até o ponto em que o Estado passou a ser um entrave real à produção e ao comercio, como já se previa, e os países se articulassem num maravilhoso shopping mundial que poderíamos chamar de “globalização”.
Engraçado notar-se que para chegarmos até aqui o caminho fora árduo, de crise em crise, desemprego em desemprego, inflação em inflação. E nesses casos o Estado sempre reaparecia como alternativa à tormenta, o que sucedeu-se, por exemplo, com a crise de 1929, quando a famosa política do “New Deal” nos Estados Unidos fortalecia o Estado e canalizava os investimentos, no Brasil nosso implacável presidente Getúlio Vargas comprava e queimava sacas de café excedentes para manter satisfatórios os preços do produto no mercado mundial. A mão invisível que nos carregava em uma bandeja de repente sumia dos discursos liberais, quando na verdade essa mão estava era no bolso dos empresários calculando o quanto ainda tinha sobrado de recurso.
Foi através desses contraditórios curativos que atingimos essa situação econômica tão colorida dos dias de hoje, situação que, pasmem, acaba de entrar em crise, e por incrível que pareça está clamando novamente pela intervenção estatal, com pacotões aos bancos e tudo o que eles tiverem direito. O processo que nos trouxe até esse panorama esta sabiamente desconstruído no texto “Perdedores Globais”, de Robert Kurz, onde o autor nos apresenta a evolução do capital produtivo desembocando numa economia mundialmente integrada, e atenta para um crise teórica e a necessidade de revisão de certos conceitos.
O que Kurz nos conta é como transferiu-se o modelo de produção de uma fábrica do século XVIII - quando o Estado ainda tinha papel crucial na economia nacional - para um nível mundial onde também existem graus hierárquicos do tipo patrões/empregados, dominadores/dominados. Basta notarmos a divisão que se estabeleceu hoje entre as economias do países industrializados e dos emergentes, os primeiros detendo a produção e o capital, e os segundos tendo que transformarem-se em fontes de mão-de-obra barata e baixos impostos. Isso se deu pela desarticulação das forças estatais proporcionada pela globalização – encabeçada obviamente pela filosofia neoliberal e sua mão invisível –, através da qual países do terceiro mundo não podiam competir com o capital internacional altamente industrializado, que forçava incisivamente sua entrada nesses territórios. E ai de quem se recusar a seguir o modelo, ou através da política ou pela recusa pura e simples, afinal já se consolida uma situação de dependência econômica como diz Kurz: “Quando a política deseja impor limites à ação desenfreada do mercado, as empresas globalizadas logo ameaçam com um “Êxodo do Egito””.
O resultado desse processo foi a exacerbação das divergências sociais em níveis mundiais: não só podemos ver hoje os contrastes sociais nas ruas, como, por exemplo, a restrita parcela abastada da população brasileira dentro de seus carros importados ao lado de meninos de rua vendendo chicletes; mas também notamos que no âmbito internacional encontram-se os ricos países desenvolvidos e industrializados contrastando com os pobres países fornecedores de salários baixos e isenções fiscais.
Assim se dá a contradição teórica que se pode extrair do texto: nesse panorama de um mercado global onde as disparidades se agravam em vários níveis e países inteiros se vêm forçados a abrirem as pernas para o mercado, quem paga pelas crises? A mídia diz que a crise atual, a exemplo, fora desencadeada por consumo desenfreado, mas quem nos manda consumir afinal? E a solução, está sempre em reestruturar o modelo usando os mesmos processos, como o ressurgimento redentor do estado injetando dinheiro naquilo que sabemos que vai gerar outra nova crise no futuro? A mão invisível só é invisível para quem paga o preço desse modelo retrógrado.

Otávio Silvares

segunda-feira, 27 de abril de 2009

A ciência em crise

Adorno e Horkheimer questionam a total eficácia da racionalidade em “A dialética do esclarecimento”. Há uma elaboração crítica sobre o positivismo e determinismo advindos do pensamento iluminista que ao longo dos anos desconsiderou uma importante constatação, de que a história também se faz de episódios e ideais contraditórios.
O que possivelmente parece generalizado ou radical neste texto está ligado ao que mais se destaca em “Perdedores Globais” de Robert Kurz. Sua atualidade, clareza e referência histórica são indiscutíveis, no entanto, ao identificar a crise na ciência econômica, Kurz retoma a noção de progresso como aquele que emancipa e regula o homem, constrói e enfraquece um sistema, traz a cegueira no auge do esclarecimento e nos remete à análise de uma sociedade global contraditória, ao mesmo tempo pautada pela razão e pela falta da expansão de uma nova crítica social. Do racionalismo e seu império, também surgiram novas formas de aniquilação.
Kurz cita Kant, as promessas da era moderna, dos movimentos socialistas, de organizações e pensamentos filosóficos. Traz a reflexão maior de seu texto, que não se restringe à economia, mas aos efeitos do caos, abarca conflitos gerados por uma sociedade e mercado que deixou de priorizar o nacional, que interliga e intercionaliza tudo, gera tecnologias, busca mão-de-obra barata, altas taxas de lucro, poucos impostos, “leis generosas” e ações limitadas do Estado, ainda que dependa de seus recursos para circular e se manter.
Entre Kurz e os primeiros autores citados está a ligação de ciências que não acompanharam suas próprias transformações. Hoje a ciência econômica se encontra em crise e parece não ser discutida por sínteses ou inovações de pensamento. Como Kurz afirma, a “economia mundial” ainda não é parte do currículo universitário e é justamente este conceito que nos envolve, que concentra capital, que faz de todos perdedores e não somente os periféricos.
É interessante observar o nivelamento das perdas como o autor sugere, entre paises ricos e pobres, cidades e proporções de favelas contrastando com “ilhas de desenvolvimento”. Há uma dificuldade em administrar soluções para a crise mundial diante de pensamentos ainda baseados na economia clássica e liberal.
Os conceitos da ciência econômica não correspondem mais à realidade, conturbada, global e atingida por prejuízos que fluem junto aos capitais, créditos, ações, tecnologias e produções, por todos os lugares.
Certamente que do racionalismo surgiu a possibilidade de crítica, mas a partir desta já consolidada, o processo de novas ideias ou até mesmo a reutilização de outras em busca de originalidade parece não existir. Para a solução de problemas tão expressivos como a crise econômica mundial, seria interessante contextualizar, à maneira de Kurz, os meios históricos e as transformações em que um país passou a se estender pelo mundo como empresa.
O autor está correto em dizer que uma economia global é incapaz de sobreviver sempre baseada em uma minoria restrita e, naturalmente, por sua própria origem e manutenção, alcança o esgotamento, a quebra, a crise. No entanto, o momento fragilizado, de perdas para alguns, também é de ganho para outros que concentram ainda mais e reiteram a lógica do mercado: o acúmulo de capital.
A boa análise de “Perdedores Globais”, anterior ao estopim do atual desemprego excessivo, estimula a reflexão de que a crise não está só na economia, mas na maneira de pensar, agir em uma sociedade tão técnica e movida por avanços de grandes corporações. É uma forma de compreender o que vem de anos e o que se espera superar antes de conseqüências cada vez mais desastrosas, da política ao movimento social.

domingo, 26 de abril de 2009

Alguém já me comprou!

A crise vem junto com o surgimento de qualquer coisa: uma teoria, um sistema político/econômico, uma pessoa. Agora, vai de um pensador, uma população ou um indivíduo querer ultrapassá-la e pensar sobre possíveis modos de solucioná-la ou “simplesmente” lidar com ela. Nada melhor do que uma crise para utilizarmos a imaginação, mas tudo o que é constante irrita e causa a estagnação.
Com o passar dos anos, as mudanças significativas (aquelas que transformam completamente a economia e o modo de viver de alguns países) se deram em espaços de tempo cada vez menores. Dessa forma, da década de 1980 para os dias de hoje, muita coisa já não é mais a mesma nas áreas de comunicação, transporte, tecnologia, mercado econômico etc.
Tudo pode ser comercializado, tudo mesmo. (Inclusive você pode vender e comprar amigos no Facebook e no Twitter, sites de relacionamento. Sim, fui comprada!)
A automatização do comércio foi resultado da globalização, na qual todos sabemos que quem acaba perdendo mais uma vez são os países mais dependentes e subdesenvolvidos com suas matérias-primas e mão-de-obra baratas. Enquanto isso, os países desenvolvidos juntam componentes de vários lugares do mundo numa “fábrica de montagem”, que também pode ser localizada em qualquer canto, e de lá, com a ajuda de grandes máquinas super potentes, milhares de produtos ficam prontos, no menor tempo possível, com a utilização de pouquíssimas pessoas. Ou seja, mais desemprego.
A combinação de fatores “favoráveis” faz com que não haja mais capital nacional dentro de uma empresa. Cada processo fica em um lugar (ou em lugar nenhum), pois muda freqüentemente. Quem oferecer a menor cobrança de impostos ganha, mas pode perder a qualquer momento num piscar de olhos.
Como controlar a economia de um país dessa forma? Não sei! E os efeitos ambientais e comercias também? Não faço a mínima idéia! O negócio ficou tão desenfreado que nem imagino uma solução. Se ela existe, deve ser tomada em conjunto, o mundo inteiro ao mesmo tempo. Se um país só ou um grupo deles tentar agir, saíra perdendo novamente.
O Estado vem deixando de realizar sua função no meio desse rolo todo. Indústrias estatais pouco lucrativas são privatizadas e assim “ganha-se” mais desemprego, menos capital fica no país, menos impostos são pagos.
As “zonas de influência” deram lugar às “de rentabilidade”, as quais se modificam numa velocidade incrível. Mais uma vez, quem perde? A maioria nem um pouco rica que tem seus direitos violentados todos os dias e que fica mais distante de uma palavra já desconhecida ou pouco citada: cidadania. A solução é reforçar o serviço militar para controlar a barbárie em formação. Que futuro belo podemos esperar!?
Um dia aprendi que observando as micro-políticas poderia ter uma noção de como o mundo está e, ao analisar algo simples, a faculdade, por exemplo, ou então o condomínio em que moro, percebi que as coisas andam mal. Não há mais coletivo, mas sim interesses particulares. Assim, a minoria com poder e dinheiro domina a maioria pobre e, para manter sua segurança, gasta fortunas e não investe em serviços básicos como saúde e educação, os quais seriam bem mais eficazes no "combate" à violência. Parece clichê, mas é o que acontece e não adianta negar.
Pode ser muita ingenuidade, mas um dia algo vai melhorar. Não é possível! Alguém vai perceber que se continuar do jeito que está não haverá mais compradores, nem mão-de-obra, nada. Para ter lucro deve existir o mínimo de condições necessárias e pobreza em quase todo o mundo não seria algo muito inteligente.
Uma vez perdedores, sempre perdedores. Ou essa é mais uma generalização perigosa?
Paula Cabral Gomes

quinta-feira, 23 de abril de 2009

O desespero da mídia - Como ela retratou a (sua) crise

Por Bruna Rodrigues

Como retratar uma crise se você também é parte dela? Talvez essa tenha sido a principal pergunta que os grupos de comunicação estão se fazendo desde setembro de 2008. Aliás, podemos considerar o início da derrocada financeira global a partir da crise no mercado hipotecário dos Estados Unidos, em agosto de 2007. No episódio, economistas juram que foram pegos de surpresa. Eles dizem que confiaram demais em pessoas que tinham histórico de inadimplência. Pretextos a parte, todos sabiam que o pico de consumo se tornou irreal, uma vez que a lógica era pagar o mínimo possível e acumular crédito. O resultado se deu em uma espécie de “efeito dominó” que não poupou um país sequer em no mundo.

No primeiro momento, a imprensa criou um discurso genérico para naturalizar a turbulência global e fez questão de não distribuir responsabilidades. O desafio era explicar o que acontecia sem que a aliança entre a mídia e o poder econômico fosse ameaçada. Tentou-se legitimar o atual modelo econômico, mas, ao mesmo tempo, os fatos (entenda-se as consecutivas falências) mostraram que qualquer maquiagem seria obsoleta. Até então, o pessimismo não dava o tom às reportagens, que ainda evitavam o uso da palavra “crise” para não impressionar o leitor.

Num segundo momento, quando do anúncio da falência do Lehman Brothers, um dos maiores bancos dos EUA, a era catastrófica começou a estampar as manchetes dos jornais. Muito se dizia, mas pouco era explicado. Os jornais repetiram a mesma informação: as conseqüências da crise seriam mais perigosas do que o imaginado. Em nenhum momento a mídia fez questão de trabalhar o fato de que o modelo neoliberal estava ultrapassado.

Não demorou muito para que os próprios grupos de comunicação entrassem na cadeia das vítimas da crise. No Brasil, redações foram enxugadas e salários reduzidos. Nos EUA, jornais como The New York Times, Washington Post e o grupo Tribune (que edita o Los Angeles Times
e o Chicago Tribune) também enfrentaram os piores momentos de suas histórias. Na tentativa de reduzir os custos, o Seattle Post-Intelligencer teve que migrar do meio impresso para a internet.

A terceira fase da crise, o anúncio das demissões em massa, foi igualmente retratada pela mídia. O número de novos desempregados era divulgado em tempo real, mas poucos foram os meios de comunicação que contaram o drama da vida de milhares de funcionários que perderam seus empregos. Então, ficou claro que a mídia julgou a medida como um “ajuste necessário” para recompor o capitalismo. A principal discussão foi deixada de lado: o fim do neoliberalismo já estava anunciado, mas insistiam em repará-lo. Até mesmo convocar o Estado para regular a economia foi descartado. Muitas matérias reforçavam a ideia de que o protecionismo não era a melhor saída, na simples reprodução da opinião dos principais líderes mundiais.

A lógica tradicional da mídia foi colocada em questão. Ao mesmo tempo em que se viu numa turbulência particular, ela tinha a responsabilidade de explicar uma das mais graves crises econômicas da história. É evidente que toda informação era pensada antes de ser divulgada, o que afeta diretamente um dos principais alicerces do jornalismo: a transparência. O filósofo italiano Gramsci dizia que toda crise consistia no fato de que “o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer”. Espera-se então que o questionamento dos valores vigentes seja suficiente para que se pense numa economia social. E que os jornais noticiem isso.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Somos Todos Perdedores

Negociações que não respeitam mais as barreiras geográficas e temporais. Exportações de capitais e criação de filias em países subdesenvolvidos para diminuir custos de produção. Esta é a ordem vigente: globalização dos mercados, do dinheiro, do trabalho.

No texto Perdedores Globais, o autor Roberto Kurz nos faz um alerta: a ciência econômica encontra-se numa profunda crise. Crise que existe porque a economia nacional foi substituída pela globalização, mas tanto a política quanto a ciência econômica permaneceram atreladas a seus velhos conceitos e teorias.

O cenário mudou de forma drástica quando a exportação de mercadorias foi incrementada pela exportação do capital. Investe-se em todo o globo, mas o capital deixa de integrar o estoque nacional. Ele se internacionalizou e não visa mais o desenvolvimento do país como um todo, apenas o lucro dos proprietários das multinacionais.

Estamos num beco sem saída. O Estado que, em tese, deve prezar pela vida digna de sua população, não pode interferir no mercado nem assegurar os direitos dos trabalhadores, porque, se o fizer, perderá capital das empresas. Restrito às fronteiras territoriais e políticas, o Estado ainda precisa atrair capital com a redução de impostos, mão de obra barata e outras regalias e com isso, como diz Kurz, é cada vez menos o “capitalista ideal”. É neste sentido que as empresas procuram “produzir onde os salários são baixos, pesquisar onde as leis são generosas e auferir lucros onde os impostos são menores”.

Contudo, a concorrência global exige que as empresas estejam sempre em busca de custos mais baixos e maiores vendas. Inicia-se um ciclo sem fim: o mercado tem que expandir-se por todo o mundo, mas quanto maior os investimentos em tecnologia avançada e racionalização das linhas de produção, maior é o desemprego, menor o valor da força de trabalho e, consequentemente, o poder de compra. Dessa forma, os países “perdedores globais”, como, por exemplo, o Brasil e a China, são utilizados como fornecedores de recursos naturais e mão de obra baratos, para que os custos de produção sejam menores e o lucro maior.

Todavia, Roberto Kurz aponta para uma incongruência no sistema financeiro global. Ao mesmo tempo em que o Estado não tem o controle do capital globalizado e se torna refém do mercado, esse capital depende mais do que nunca da estrutura promovida pelo Estado (portos, aeroportos, estradas, escolas, universidade, etc.). Assim, o capital globalizado cava a sua própria sepultura, pois tira o poder de ação do Estado, mas precisa dele para sua máquina rodar. Uma estrutura que não pode resistir por muito tempo.

Como era de se esperar, vivemos uma crise financeira, mais uma do capitalismo, em que somos todos perdedores. O Estado, tentando evitar perdas maiores, busca ajudar e salvar as multinacionais oferecendo pacotes econômicos de estímulo, para que as empresas permaneçam em seu território e porque, se elas fecharem, a economia da nação ruiria. Mas e os pobres que perderam seu trabalho, seu sustento, sua casa, sua dignidade? O que é feito para eles? Quem são os verdadeiros perdedores globais? Aqueles que são ajudados pelo Estado ou os que são, mais uma vez, jogados a sua própria sorte?

A promessa do século se tornou um fracasso. A economia global é limitada a uma minoria cada vez mais restrita, enquanto do outro lado encontra-se a maioria, os perdedores globais, pessoas que perderam seus empregos, que são explorados por humilhantes salários. Como Kurz diz, “num futuro próximo, em cada continente, em cada país, em cada cidade, existirá uma quantidade proporcional de pobreza e favelas contrastando com pequenas e obscenas ilhas de riqueza e produtividade”. Nesse sentido, os Estados, devido à falta de recursos financeiros, abandonam à sua própria sorte uma parcela cada vez maior da população, roubando-lhe o direito à cidadania (como os direitos básicos: saúde, educação, alimentação), e mobilizam conjuntamente uma “polícia mundial” contra os perdedores globais, a fim de garantir condições sociais condizentes com as ilhas de riqueza.

O futuro próximo que Kurz se refere chegou há tempos. As favelas não param de crescer, o número de pobres e miseráveis no mundo só aumenta e a riqueza está cada vez mais centralizada nas mãos de poucos. A globalização trouxe benefícios, como a compra e venda de produtos em escala mundial e as comunicações, mas acentuou a linha divisória entre riqueza e pobreza e, em vez de distribuir a riqueza entre todos, a cada dia faz aumentar o número de perdedores globais. E a crítica? Está atrelada a velhos conceitos e teorias.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Últimos Combates?

Já na primeira linha de seu texto, Robert Kurz sentencia que a ciência econômica se encontra numa profunda crise, pois, desenvolvida no âmbito dos Estados nacionais e feita para ser administrada no espaço funcional das “nações”, esta se encontra tão livre das amarras dos Estados soberanos como nunca antes na história, e de um modo que nem o maior entusiasta do livre comércio poderia imaginar.
Como afirma Kurz, com o avanço tecnológico obtido nas comunicações e transportes, se tornou extremamente fácil movimentar dinheiro de um lado ao outro do planeta com apenas um clique no computador, e finalmente se criou um mercado único e global, com todo e qualquer tipo de produto (órgãos humanos, dívidas de países em desenvolvimento, autopeças, mão-de-obra barata...) podendo ser negociada neste, sem a ínfima intervenção de um Estado nacional. Estes, os Estados nacionais, acabam ficando a mercê desses operadores globais que, por efeito de um simples sentimento de insegurança, como eles afirmam, podem promover uma fuga em massa dos seus capitais investidos em um país, o que o leva normalmente, por conta disso, a beira do colapso.
E esta liberdade sem limites dos meios econômicos, ocorre tanto no sistema financeiro, com bancos concedendo crédito a torto e a direito sem que tenham capital para tanto, quanto no sistema produtivo, com as maiores corporações do mundo atingindo um status quase de soberanias nacionais, com certeza, mais poderosas que estas.
O documentário “The corporation” ilustra bem esta situação ao mostrar como as grandes multinacionais, sem o mínimo de preocupação com a exploração humana e o desrespeito aos direitos humanos, buscam, no esforço contínuo de se reduzir gastos e aumentar os lucros, transferir sua produção para onde a mão-de-obra é mais barata, leia-se: para onde os trabalhadores vivam em uma condição quase análoga a escravidão, e que as leis trabalhistas não sejam tão severas, leia-se: inexistentes. E o desrespeito, sempre ancorado na busca incessante por lucro, atinge inclusive o meio ambiente, cuja preservação é vista como algo desnecessário ante os dividendos que se pode obter com a sua exploração.
E os Estados se vêem de mãos atadas para barrar estas ações, pois as corporações sempre deixam claro que, se não obtiverem a liberdade que desejam no local onde pretendem se instalar, não terão o mínimo pudor de procurar outro país onde suas exigências sejam aceitas, levando consigo os milhares de empregos de que necessitam.
No sistema financeiro os abusos são ainda maiores, pois os bancos não respeitam nem as diretrizes elaboradas pelos ideólogos do liberalismo clássico e livre comércio. Agindo de forma contrária ao pregado pelo Novo Acordo de Basileia sobre Capitais, conhecido como Basiléia II, que defende que as instituições financeiras podem alavancar em até, no máximo, 12 vezes o seu capital, em operações de diversos tipos, bancos como o finado Leman Brothers, antes da atual crise e apoiados pelo capital superior que, ao contrário do que se imagina, defende altas concessões de crédito, estava alavancado de, 38 a 48 vezes o seu capital.
E ante a esta, no mínimo, má ingerência dos sistemas financeiros, o que os Estados nacionais têm feito? Com a desculpa de controlar a crise, injetam dinheiro do contribuinte, o seu, nesses bancos, e os estatizam, numa tomada de atitude que sempre fez parte do, parece infinito, ciclo de crises do capitalismo global.
Todo este panorama tratado por Kurz leva, inevitavelmente, a seguinte pergunta, cuja resposta ele apenas sugestiona: qual seria a solução para tudo isso? Como os Estados devem agir perante um capital global que goza de liberdade plena e não é limitado pelas amarras de nenhuma soberania? A resposta para isto, creio eu, está no diálogo entre as nações, que devem elaborar diretrizes conjuntas para barrar estes abusos. Por mais simplista e ingênuo que isto possa parecer, acredito ser impossível para um Estado, individualmente, lidar de forma satisfatória com um capital que, como afirmamou-se várias vezes nesse texto, é global.
Ester Minga.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Por uma crítica contemporânea

por Diogo Antonio Rodriguez

De que a "ciência econômica encontra-se numa profunda crise" é difícil discordar. Os modelos liberais e neoliberais não foram capazes de municiar seus experts com um instrumental suficiente para amenizar as crises. Tanto os modelos quanto os efeitos práticos dessas teorias vindas do século XIX não foram capazes de prever a magnitude das mudanças ocorridas.

A configuração dos estados-nação é ponto inicial e importante. Como aplicar à realidade conceitos que não previam uma mudança na idéia de soberania? A idéia da constituição de blocos supra-nacionais com parlamentos próprios iria parecer uma piada para os teóricos da democracia, afinal a soberania é territorial e diz respeito a um grupo de iguais que erige o Estado sobre um consenso. Logicamente se segue que a economia não poderia regular tampouco ser regulada fora dos limites dessa soberania rousseauniana. Afinal, para o teórico francês, o simples ato de eleger representantes consiste já em transferência de soberania do povo para o Estado.

As idéias sobre a economia e a política vão passar, se já não estiverem nesse processo, por uma necessária revisão. Acreditava-se na livre regulamentação de mercados, isso não deu certo. Acreditou-se no modelo americano de democracia representativa, que não serviu como modelo universal. Esse é um momento de grave revisão teórica. Robert Kurz em seu "Perdedores Globais" dá um diagnóstico que tantos outros também vêm apontando - Zygmunt Baumann, Giles Deleuze, Alain Tourant e Nádia Urbinati são outros exemplos. Esgotaram-se as explicações, a hora é de avaliação e reconstrução.

Porém, se é importante manter os pés no chão e encarar a dureza de que são feitos os fatos, é essencial a tentativa de afirmar. "Nos dias de hoje, parece que a filosofia capitulou definitivamente ate à barbárie do mercado total", Robert Kurz afirma em tom de profecia. Só se pode dizer que a filosofia capitulou se assim o fizerem os filósofos. Parece que isso está longe de acontecer ainda, apesar do pessimismo geral.

Capitularemos todos se insistirmos em continuar a tentar olhar para o mundo contemporâneo sob as luzes (por que não Luzes?) de tempos passados. Neoliberais e uma insinuante onda de neomarxistas devem se conter e perceber toda a limitação que tem o instrumental teórico que herdamos. Nem Smith, nem Marx. A Teoria Crítica já iluminou de maneira satisfatória o caminho a ser seguido: "Marx mostrou que todo resultado teórico está ancorado em contextos históricos determinados" (Marcos Nobre, "Modelos de Teoria Crítica", in Curso Livre de Teoria Crítica. Papirus, 2008).

Ainda que não seja possível apontar um caminho correto a ser seguido para pensar a crise e o capitalismo, pode ser útil pensar nos modelos dessa teoria, a fim de não incorrermos no erro de Kurz, que é o de se limitar a dizer como as coisas funcionam sem "analisar o funcionamento concreto das coisas à luz de uma emancipação ao mesmo tempo concretamente possível e bloqueada pelas relações sociais vigentes" (Ibid.). Que sejamos capazes de honrar nossa herança e ao mesmo tempo superar suas limitações e que saibamos olhar e viver o nosso tempo.

A construção de uma crise globalizada

Por entre as frestas da aparente solidez do sistema neoliberal globalizado, é possível enxergar, na forma de crises, da pauperização humana e da depravação social, a fragilidade desse sistema. A ciência econômica em vigor está presa a conceitos velhos, baseados em um mercado no qual o comércio mundial estava renegado a segundo plano e não em pleno foco como na realidade atual. Desde a década de 80, esse mercado no qual ainda estão baseadas as teorias econômicas já sofreu inúmeras mutações. Desde então, quando falamos em teorias econômicas já não existem nações como as que se formaram em espaços geográficos e barreiras bem determinadas. Surgiu um novo mercado, único e global, no qual um produto já não provem de um país, mas de uma marca multinacional.

A crise está anunciada e não haverá vencedores.

Decorrem conseqüências estruturais desse processo de expansão do modo de produção capitalista: a disseminação da pobreza, o desemprego e o desrespeito aos direitos humanos são só alguns exemplos. Segundo Robert Kurz, no texto Perdedores Globais, essas conseqüências são, “sem dúvida, absurdas e perigosas. A economia privada avança todos os limites, mas o Estado permanece – de acordo com sua natureza – restrito às fronteiras territoriais. O Estado é cada vez menos o capitalista ideal (Marx), com voz de comando ativa sobre o estoque do capital nacional”.

Nesse esquema de economia global, os países posicionados como os maiores “perdedores globais” são as chamadas “economias em desenvolvimento” (termo que pode ser considerado um eufemismo na maioria dos casos que designa), que acabam por ser utilizados como fornecedores de mão de obra e recursos baratos. Afinal, o capital estrangeiro não tem como objetivo o desenvolvimento do país como um todo. Nessas nações, que, em geral, têm em comum governos instáveis, o Estado tende a perder ainda mais força política com os efeitos da globalização.

Especialmente nos últimos tempos, a produção comercial vem assolando em proporções aceleradas as economias regionais. E enquanto se discutem meios de driblar a crise, e pipocam na mídia reportagens com o título “Salve Seu Dinheiro”, a discussão sobre os fundamentos do desmoronamento desse sistema econômico fica renegada a último plano.

Fragilidade global

Há algumas décadas vem se falando da globalização, dos benefícios da derrubada dos limites das fronteiras nacionais e do brilhante avanço da economia pelo mundo. Fala-se da evolução das multinacionais investirem nos países de terceiro mundo e do desenvolvimento que isso pode causar. O que era chamado de comércio externo até meados do século XX, passou a ser a economia dominante do mundo contemporâneo, impulsionada pelo desenvolvimento da tecnologia, a formação de um mercado único global passou a dominar as relações econômicas mundiais.

O texto de Roberto Kutz, Perdedores Globais, porém, alerta para a incoerência da situação política e dessa realidade globalizada. Lembra que a ciência econômica está ultrapassada e ainda explora a economia nacional que, em tempos de capital global, deu lugar à economia empresarial. O texto nos faz pensar se a idéia de nação ainda se faz valer, visto que o capital passou a agir sozinho, deixando para trás a competência do Estado.

De acordo com as intenções das empresas particulares “produzir onde os salários são baixos, pesquisar onde as leis são generosas e auferir lucros onde os impostos são menores”, a produção e distribuição se fragmentou e espalhou-se pelo mundo. A empresa pode ser de uma determinada nacionalidade, porém montar seu produto em outro país, expedí-lo por outro território e vendê-lo por alguns mais. O único beneficiário dessa fragmentação é a própria empresa responsável, o desemprego cresce e a força de trabalho é desvalorizada em todo o mundo.

O benefício do lucro maior adquirido pela empresa, porém, não passa a integrar o estoque do capital nacional e sim se internacionaliza, é propriedade particular que atua no mercado mundial. Assim, o desenvolvimento econômico nacional fica para trás, a realidade da nação passa a ser a privatização de seus investimentos estatais para sanar dívidas, o que acarreta em maior perda da competência do Estado. Os produtos não mais se originam de determinados países, levam o nome apenas da empresa que, junto ao seu capital avançam sem limites, deixando o Estado restrito às fronteiras territoriais.

Dessa forma, monta-se uma economia global particular para poucos, na qual a maioria passa a ser de perdedores globais, de pessoas que perderam seus empregos ou passaram a ganhar salários mais baixos e trabalhar mais. Se constrói, assim, um nivelamento ente as riquezas dos países, porém para baixo e formam-se pequenas ilhas de riqueza ao redor do mundo. O texto ainda alerta para o fato dessa realidade econômica estar fadada ao fracasso.

Roberto Kutz afirma que essa economia global limitada a uma minoria cada vez mais restrita é incapaz de sobreviver e aponta para outra grande incoerência desse sistema: ao mesmo tempo em que o capital escapa das mãos do Estado e diminui as receitas públicas, enriquecendo as multinacionais, esse capital globalizado depende cada vez mais da estrutura provida pelo Estado. A produção multinacional depende dos portos, aeroportos, estradas, sistemas de comunicação etc, que são organizados pelo poder estatal e tendem serem deixados de lado pela precariedade da situação do poder nacional.

Assim sendo, o avanço desenfreado do capital global sabota seu próprio funcionamento e a falta de crítica à globalização cria um mundo dividido entre a minoria beneficiada e os excluídos que demandam pela volta da soberania nacional, seja ela por motivos religiosos ou separatistas. Forma-se um mundo frágil, formado por exclusões que pode entrar em colapso a qualquer momento.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Sejam bem-vindos à nova era de aquarius

Por Marina Dias
A idéia de nação soberana vem se esfacelando a cada dia. Mesmo que existam grupos extremistas e alguns líderes de Estado que ainda defendam o nacionalismo incondicional, sabemos que a partir do início do século XX a constituição de nação soberana, dotada de sistemas jurídicos nacionais e infra-estrutura própria, começou a desaparecer.
É interessante notar que falar de globalização se tornou praticamente um lugar comum. A impressão que se tem é a de que todos já sabem que as economias mundiais estão interligadas e que você pode se comunicar com o resto do mundo por meio das novas tecnologias de comunicação. A palavra de ordem hoje em dia é esta: globalização – globalização dos mercados, do dinheiro, da cultura e do trabalho.
Entre as grandes mudanças da nova era econômica, uma das mais importantes foi o fato da exportação de mercadoria ter sido incrementada pela exportação de capital. Isso quer dizer que, com o surgimento das empresas multinacionais, os investimentos de uma mesma companhia passaram a ser feitos maciçamente em vários países do mundo. Dessa forma, a empresa automobilística Ford, por exemplo, não apenas exportou automóveis dos Estados Unidos para a Alemanha, mas também construiu nesse país uma fábrica para suprir a demanda do mercado alemão.
Toda essa modificação só foi possível com a dinâmica do mercado que, com uma rapidez impressionante, incorporou as novas tecnologias, como os satélites, a microeletrônica, e as novidades tanto nas comunicações como nos transportes.
O que é mais intrigante é que a formação desse mercado único e global aconteceu quase que de forma descolada do resto da sociedade. Por mais que ele incorpore as transformações sociais, as pessoas ainda não conseguem acompanhar esse tipo de mercado. Neste caso, tanto a política quando a ciência econômica permaneceu apegada aos velhos conceitos e teorias, e o estudo da economia mundial ainda não faz parte da maioria dos cursos universitários de maneira mais aprofundada.
Essas confusões e atrasos, porém, são, de certa forma, compreensíveis, já que a idéia de capital é cada vez mais volátil – literalmente– e as pessoas acabam perdendo a noção de identidade da produção. Um carro pode ser americano, mas suas peças podem ser produzidas na China, montadas no Japão e o produto pode ser expedido no Brasil.
E por que isso acontece? De acordo com uma revista alemã, o mercado global deve “produzir onde os salários são baixos, pesquisar onde as leis são mais generosas e auferir lucros onde os impostos são menores”. Assim, quanto maiores os investimentos em tecnologia avançada, maior é o desemprego e menor é o valor da força de trabalho e do poder de compra nacional.
Bem-vindos ao capitalismo selvagem, um cenário no qual muitos ainda são perdedores. Perdedores globais. Países assolados pela pobreza, sem nenhum tipo de desenvolvimento de tecnologia própria, cuja população não pode mais ser utilizada como mão-de-obra. Assim como o conceito de Estado nacional, as antigas “zonas de influência” já não existem mais.
Esses países podem não estar ou não se sentir inseridos no atual mercado mundial, mas são suas reações desesperadas que desencadeiam a crise do novo sistema. Eles perderam seus empregos, economizam para comprar o necessário para fazer uma refeição por dia. Perderam sua dignidade e já não dormem mais direito. Esses sim são os perdedores globais.
Do outro lado, daquele dos que se dizem perdedores, os custos da segurança crescem em proporções astronômicas. Os antigos países imperialistas não podem mais declarar guerra uns aos outros, mas são obrigados a mobilizar conjuntamente um “polícia mundial” contra os efetivos perdedores globais. Quanta hipocrisia.
A globalização de dinheiro, comunicação, cultura e mercadoria é vantajosa para muitos, e garantir a interligação de países tão distantes e distintos pode ser satisfatória para outros. Mas é improvável que, num mundo onde tudo se reflete alguns quilômetros adiante, as perdas também não sejam globais. Bem-vindos à crise econômica mundial. Agora é hora de agir.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Um mal de todos

Globalização. Telecomunicações em ritmo alucinante. Fim das barreiras políticas, territoriais e temporais. O que prometia ser a grande revolução do terceiro milênio mostrou-se uma rede frágil capaz de ruir em um instante e levar o mundo de volta ao primitivismo do passado.

Exagero? Em pouco mais de seis meses, economias dos quatro cantos do planeta atingiram o fundo do poço. Uma reação em cadeia que teve início na sempre acima de qualquer suspeita classe média. Das hipotecas norte-americanas, a crise varreu os mercados sólidos da Europa e, claro, agora afeta também o Brasil.

Apesar dos esforços do governo para convencer a população do contrário, as demissões em massa já são uma realidade concreta, e até mercados que pareciam imunes à depressão passam por sérias dificuldades. É o caso das cooperativas de reciclagem. Iniciativa aplaudida como forma de inclusão daqueles que estavam completamente marginalizados do corpo social e fadados à miséria completa, as cooperativas não encontram mais compradores para suas mercadorias e lutam para não fechar suas portas. Sim, somos potência. Temos os mesmos problemas dos grandes. Somos perdedores globais. Aceitamos as condições impostas pela nova ordem mundial, e chegou a hora de pagar por esta escolha.

Segundo Roberto Kurz, esta nova ordem inclui um sistema de crédito completamente emancipado do controle exercido pelos bancos nacionais e uma versão revista da linha de montagem. A produção fragmentada deixa de se limitar ao espaço da fábrica. A fábrica de hoje é o mundo. Cada país representa uma unidade da produção, uma peça na engrenagem da máquina chamada globalização.

O cenário atual é curioso. O Estado esvaziou-se de sentido. Uma vez que as negociações e os fluxos financeiros são feitos entre corporações, ignorando completamente a legislação ou as próprias limitações territoriais e políticas dos países em que estas empresas estão sediadas, o Estado não tem mais razão de existir. Ele é, a partir de agora, uma grande alegoria, que dá a falsa sensação de segurança e controle aos cidadãos comuns. Os mesmos cidadãos que enxergam a crise como algo distante, limitado ao restrito círculo corporativo, e que não conseguem relacionar os efeitos da desaceleração da economia com sua vida cotidiana, nas compras do supermercado, na dificuldade de conseguir um emprego.

Parece inadmissível conceber que o Estado intervenha nas empresas para uma tentativa última e desesperada de salvar um mercado em potencial. O governo, seja de qual país for, não tem o direito de palpitar em questões privadas, resolvidas entre as quatro paredes da sala de reuniões da empresa. O fantasma do socialismo está mais vivo do que nunca. E sua reaparição aconteceu no lugar mais impensável, o berço do capitalismo, os Estados Unidos.

Em um mundo em que o capital é especulativo, não mais um patrimônio nacional, inaugura-se a era da política econômica, das negociatas irresponsáveis guiadas pela já cansada mão invisível do mercado. Ela nos trouxe até aqui. Até onde mais iremos chegar?

Não há vencedor

Por Fernanda Catania

A primeira vista, o conceito de globalização parece ser maravilhoso. Imagine poder comprar produtos que os japoneses produzem e consomem, ainda mais por um preço camarada? Ou ainda, poder ouvir as músicas e ler as notícias produzidas na Europa? Os benefícios individuais que a globalização proporciona de fato são reais. Mas, até que ponto esse mercado global realmente beneficia as pessoas? Ou ainda, os países, principalmente emergentes?

No texto Os perdedores globais, o autor Robert Kurz exemplifica o processo de globalização do capital por meio da difusão de fábricas de montagem japonesas na Europa e América Latina, cuja função é a montagem de componentes semiprontos com o mínimo de recursos locais.

Nessa lógica, um produtor pode comprar matéria-prima em qualquer lugar do mundo, onde os preços sejam mais lucrativos, implantar uma unidade produtiva, onde a mão-de-obra é mais qualificada e barata e as vantagens fiscais e infra-estruturas oferecidas pelos governos sejam compensatórias, para, depois, efetuar a comercialização da mercadoria para diversas partes do mundo. Parece incrível!

Kurz afirma que não existe mais a fidelidade das empresas com o desenvolvimento da economia nacional. E que a consolidação de uma economia globalizada resulta na perda do controle do capital pelo Estado, ou seja, o capital das empresas passa a não integrar mais o estoque de capital nacional, já que aquele se internacionaliza progressivamente.

Assim, o movimento migratório das grandes multinacionais para países de terceiro mundo é cada vez maior. As vantagens oferecidas em países subdesenvolvidos, em que as leis trabalhistas e ambientais são fracas e a remuneração da mão de obra é miserável, fazem com que haja uma globalização do capital.

Desse modo, os estados, devido à falta de recursos financeiros, abandonam a população na pobreza e miséria, retirando-lhe o direito à cidadania. Essa situação, segundo o autor, torna-se insustentável: “a globalização de uma economia da minoria tem como conseqüência direta a guerra civil mundial, em todos os países e em todas as cidades”.

O texto de Kurz se torna extremamente atual, já que o autor antecipou uma profunda crise econômica: “num futuro próximo, em cada continente, em cada país, em casa cidade, existirá uma quantidade proporcional de pobreza e favelas contrastando com pequenas e obscenas ilhas de riqueza e produtividade”.

Mas, diante disso, as autoridades buscam apenas manter a (des)ordem, através do controle militar sobre a “miséria e a barbárie” acarretada pelos perdedores globais. Inicia-se assim, segundo o autor, uma nova guerra. O futuro próximo de Kurz parece já ter chegado.

Sim, os excluídos dos benefícios da globalização são os perdedores globais. Mas, como classificar os EUA, então?! O que dizer do tão desejado american way of life, que agora se desmorona em meio a uma crise não vista há muito tempo? Os inabaláveis estão abalados. Sim, eles também são perdedores globais. E enquanto a lógica de mercado continuar sendo essa, todos serão perdedores. A esperança dos EUA talvez esteja no Obama, atual presidente. Mas essa é a outra questão levantada por Kurz.

A economia privada se expande, mas o Estado continua restrito às fronteiras territoriais. “O Estado é cada vez menos o capitalista ideal”, portanto, a maioria das indústrias estatais são desativadas ou privatizadas por não renderem lucro de acordo com o padrão global. Este talvez seja o ponto mais interessante da reflexão de Kurz.

O Estado, que antes tinha autoridade sobre o mercado econômico, agora segue as regras do próprio mercado. De acordo com essa análise, percebe-se que, enquanto os mercados pensarem com a antiga lógica e não se atualizarem, não sairemos do mesmo ciclo vicioso.

Todos por um

Comentário de André Cintra sobre o texto Perdedores Globais, de Roberto Kurz.

O texto Perdedores Globais, de Roberto Kurz, é, antes de mais nada, uma grande atualização conceitual. De forma didática, o autor desfaz conceitos consagrados e apresenta novos com tanta naturalidade, que ao final do texto o leitor pensa: "Como eu não tinha vergonha por pensar daquela forma ultrapassada e vulgar?!".

Roberto inicia o texto questionando a atual ciência econômica com uma constatação chocante: A atual ciência econômica não é atual. Ou melhor: Não corresponde à atualidade.

Repare na contradição. Em tempos de globalização, ela é uma disciplina vista a partir da Economia Nacional, tendo o mercado mundial apenas como um detalhe, uma fatia. Ora, hoje, o mercado é global. O mais sensato, pois, seria inverter, e estudar o mercado global, tendo a economia nacional, esta sim, como um detalhe.

O chocante não é a constatação, mas as conseqüências dela. Pois pense. Tendo em vista que o mercado é global, a concorrência passa a ser impalpável. Agora, não são os países, com seus mercados nacionais, que ditam as regras; são as empresas, pois elas têm o privilégio de escolher onde empregar seu precioso capital.

Ou seja. Se antes o Estado – feito para o benefício das pessoas – comandava as ações de mercado, agora são as empresas – feitas para o benefício dos donos. Se antes os Estados podiam impor regras e limites, agora não podem mais, porque se o fizerem, certamente perderão capital, porque há quem não o faça. A concorrência de hoje ocorre diante do seguinte dilema: ou ser explorado ou não ter capital nenhum.

O mercado global, através da livre circulação do capital, dá às empresas um poder irrestrito. O autor cita a revista alemã Wirtschafiswoche, que dá uma definição lapidar sobre o que as empresas vêm fazendo: “Produzir onde os salários são baixos, pesquisar onde as leis são generosas e auferir lucros onde os impostos são menores”.

É por isso que nos dias atuais não há mais tanto valor à marca de qualidade de um país. Que importância tem um produto que é feito na Alemanha, se a marca não é conhecida? Um Mercedes made in China, é, hoje, muito melhor conceituado que um Gurgel feito na Alemanha.

O perigoso é que a economia privada se tornou incomensuravelmente mais ágil e poderosa que os Estados. O Estado, assim, perde muito de seu papel. Refém, ao tentar fazer o que é correto e de direito, corre sempre o risco de ser abandonado pelas empresas. Se um Estado buscar desenvolvimento, educação, saúde, e para isso precisar impor limites às empresas, ele não terá mais empresas nem capital.

É este o mercado atual, da globalização, em que todos se integram pela minoria.

Pense nos Perdedores Globais

Nunca o texto de Robert Kurz foi tão atual. Mais do que pensar em subprimes e spreads, deveríamos olhar para os perdedores globais se quisermos ter chance nessa nova situação de crise.

Como diz Francisco de Oliveira em seu artigo na Folha de S. Paulo, essa é a primeira crise da globalização. Ela, portanto, não é como as outras: é maior e tem potencial para provocar muito mais estragos. Sua principal semelhança com as infinitas crises cíclicas pelas quais o sistema capitalista passou até agora é que os perdedores globais estão sempre do lado mais fraco: o lado do trabalhador.


O dito popular “privatizam-se os lucros, socializam-se os prejuízos” nunca foi tão verdadeiro. Todo o mundo sofre agora as conseqüências do conforto e do consumo do american-way-of-life, antes ancorado em muito mais crédito do que 12 economias globais poderiam sustentar. Deu no que deu, e agora o governo americano corre para privatizar gigantes do capitalismo (e do liberalismo?) e para jogar dinheiro para o alto para tentar salvar bancos e montadoras, as bases de sua economia, enquanto a tão elogiada “família americana” perde sua casa e se muda para dentro de seu grande carro.


E a revista Newsweek sai com um Barack Obama vermelho, com a foice e o martelo na capa. EUA comunistas?


Mas Robert Kurz se apressa a lembrar que grande parte das indústrias estatais são consideradas pouco lucrativas pelos padrões internacionais e que o Estado não é mais o “capitalista ideal”. Parece que os governos estão usando velhas medidas para sanar uma nova crise. Se no passado essas velhas medidas já não resolviam, de fato, o problema, não parece ser esse o momento em que começarão a funcionar.


O presente também dá indicações de que o “futuro próximo” do autor chegou; o “futuro próximo em que, em cada continente, em cada país, em cada cidade, existirá uma quantidade proporcional de pobreza e favelas contrastando com pequenas e obscenas ilhas de riqueza e produtividade.” Exemplo disso é o que Francisco de Oliveira lembra: “Flynt (GM), Dearborn (Ford) e toda Detroit são hoje cidades fantasmas, casas abandonadas, com desempregos duas vezes superiores à taxa nacional norte-americana, e uma cena medieval diária, inimaginável na América das oportunidades.”


Kurz indica que a única reação governamental a essa situação – quando perdedores globais têm reações desesperadas (como em protestos constantes durante reuniões como G-20 e Davos) – é o crescente e constante policiamento. Ele indica que, embora ainda ineficazes, ONGs e outras associações, possam ser um caminho colaborativo de apoio aos perdedores globais.


Mas nenhuma solução real aparecerá enquanto os perdedores globais não forem colocados ao lado de subprimes e spreads na elaboração de uma nova solução para uma nova crise.

Esqueça os números. Pense nas pessoas

Os perdedores globais são aqueles que se deixam levar pelos sentimentos de pânico causados pela crise financeira. Esqueça os números. Pense nas pessoas. Americanos vivendo em barracas. Economizando até no pão de cada dia. Vivendo como se fosse acontecer o apocalipse. Pense nos brasileiros, que se sentem um pouco afetados com a crise mas não entendem realmente o que está acontecendo. Pense na imprensa que divulga o medo, divulga o pessimismo, que diz o que ouve ou o que quer sem saber realmente a situação econômica do mundo. Pergunte-se: quem são os perdedores globais? Quem realmente tem algo a perder?

Trabalhadores, pessoas que batalham todos os dias, aqueles milionários que investem na bolsa, que tiram milhões da mão-de-obra explorada. Pense naqueles que se individam nas Casas Bahia. Que estão comprando carros porque a oferta está "boa". Esses são os perdedores globais.

Mas não importa quem são os perdedores e sim a porcentagem do que se perde. Um australiano que comprou uma mansão da proprietária herdeira do Banco Safra perdeu S$ 7 bilhões de seus US$ 14 bilhões. Quem perdeu realmente não perdeu dinheiro. Perdeu sustento, perdeu o trabalho, perdeu o o básico para se viverE quanto aos americanosperderam toda a estrutura de vida que acreditam ser o perfeito "American Way of Life". As ilusões perdidas da ordem mundial contemporânea nos torna perdedores, sem poder olhar para a frente, pensando em pacotes econômicos de estímulo e não de solução.Quando se é criança e se lava a louça para a mãe em troca de cinco reais, pensamos nos cinco reais e não nas louças limpas, no significado do nosso ato, da nossa ajuda. Isso é a crise econômica: a procura pela solução financeira. Um problema lunático e ilusório que estourou no mundo, quando os problemas sociais persistem. Sorte da África que não sofrerá com a crise? Quem não tem nada a perder não é um perdedor global. O perdedor aqui é quem não consegue pensar o que realmente está sendo perdido na humanidade.Não é dinheiro, ele não existe, é especulativo. É a vida, a solidariedade, o prazer de fazer pequenas coisas, de não se deixar levar pelo mundo louco do mercado de bolsas. Eu não fali com a crise, você não faliu, ALehman Brothers faliuNão somos nada, porque quem está perdendo são as grandes empresas. E o desespero deles são depositados em nós que nunca tivemos seus lucros. O que será de nós, que deixamos nos levar pela perda de milionários com paraísos fiscais? O que será de nós, que perdemos um mero emprego, quando muitos perdem milhões? Terá um pacote de estímulo para nós? Estímulo é dinheiro? Pois deveria ser outra coisa: deveria ser a opção, a possibilidade, a busca e a descoberta. Nada disso nos foi permitido, pois quem ganhou e quem perdeu foram os grandes. E se perdermos, ninguém perceberá.

Mariana Osone

terça-feira, 7 de abril de 2009

Existem vencedores globais?

O título do texto já começa a explicar quem somos: “perdedores globais”. O autor, Robert Kurz, explica que a crise existe porque a economia nacional foi substituída pela palavra da moda: globalização.

Fato: o mercado externo sempre existiu. Porém, a partir da década de 1980, um mercado único e global ganhou proporções bem maiores. A tecnologia permite que qualquer coisa possa ser negociada, a qualquer momento e em qualquer parte do planeta.

O exemplo óbvio que vem à mente é o mercado de ações. Capital virtual salta de país em país durante as 24 horas do dia. Ele não tem parada, as fronteiras foram derrubadas. Qualquer um que esteja conectado à rede mundial de computadores pode transferir dinheiro para qualquer lugar do planeta.

Mas a situação pode ser mais concreta que isso. É o que Kurz chama de “uma nova divisão de trabalho dentro das próprias empresas multinacionais”. Empresas de países de capital orgânico superior vão até os de capital orgânico inferior (e, em alguns casos, intermediário), que passam a servir de linha de montagem: a única função é agrupar os componentes já prontos.

Por esse motivo, o mercado também passou a ser global. Nos países altamente tecnológicos, o desemprego aumenta e, com isso, o poder de compra nacional diminui. Logo, para escoar a produção, é necessário que exista uma superpopulação relativa de consumo. Ou seja, países que tenham certo poder de compra.

Como escolher os países que receberão as multinacionais? Para Kurz, a resposta é simples: aqueles que os salários são baixos (menor poder de compra), as leis são generosas (possibilidade de testes de remédios) e os impostos são menores (pessoas físicas pagam mais que as jurídicas).

A dualidade capital interno x capital externo não existe mais. A briga contra o imperialismo e a favor da economia nacional cai. O que existem são sócios majoritários e minoritários. Nenhum capital é inteiramente de um único país. Se a empresa está no Brasil, ela é brasileira, ainda que sejamos dependentes do capital superior.

Sim, somos dependentes. Com essa facilidade de alocar empresas por aqui, o país embarcou no pensamento “se posso comprar tecnologia, por que desenvolvê-la?”.

O resultado disso tudo? Diminuição de empregos, já que com a racionalização, alguns setores se extinguem. A partir daí é que se justifica o título do texto. Perdemos.

Uma massa de excluídos faz com que o poder de compra também diminua, o que gera violência organizada. No Brasil, isso é evidente através do processo de mimetismo social, em que há uma espécie de camuflagem da pobreza através de gastos além do possível. As empresas, obviamente, adoram essa situação, porque podem investir ainda mais em criação de crédito.

Portanto, os gastos com a segurança crescem como nunca antes. O poder econômico na mão de poucos faz com que uma polícia mundial surja para tentar acalmar os ânimos dos movimentos militantes vindos dos tais “perdedores globais”.

Então, o que fazer? Evidentemente que voltar ao que era antes é impossível, apesar da política dos Estados nacionais ainda existirem. Em alguns lugares, movimentos como as ONGs são apontados como essenciais para ajudar o homem. Porém, elas não têm recursos suficientes e acabam tornando-se mais assistencialistas do que críticas. Elas só percebem o lado negativo e querem derrubar sistema, mas não são capazes de analisá-lo como um todo para encontrar uma solução para os problemas já postos.

Se existem perdedores, será que existem vencedores globais também? Na aparência, sim. Porém, quando só se fala de crise (e pior, recessão), todos saem perdendo, mas quase ninguém percebe isso. O motivo? O próprio Kurz responde: falta crítica social, em especial nas universidades. E isso é essencial para que a tal palavra da moda realmente signifique o que pretende.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O Que São Crises Econômicas?

O mundo capitalista enfrenta uma enorme crise, algo já ocorrido em outros momentos. Tais situações chegaram a ser previstas como o fim deste sistema, não somente por aqueles que queriam a substituição da atual forma de vida baseada no capital, mas também por seus ardorosos defensores. Estes últimos elaboraram formas complexas de defesa do sistema, mecanismos de recuperação e reconstrução do capitalismo.
Talvez John Maynard Keynes tenha sido o mais eficaz analista e propositor da reestruturação do sistema. Suas propostas foram voltadas para encontrar uma saída da crise de 1929, a mais grave já enfrentada pelo sistema capitalista, tanto por sua dimensão mundial, como por sua duração.
Keynes tinha clareza da tarefa e dos riscos existentes ao afirmar que a ação deveria ser imediata, pois “no longo prazo todos estaremos mortos”, frase que ficou famosa e que marca a passagem para uma nova forma de economia política e acadêmica. O Estado torna-se o estabilizador do sistema e o regulador das atividades econômicas, além de ser o instrumento corretivo de disparidades sociais. Esta última função visava expandir o consumo (o que garantiria o funcionamento normal do mercado) e afastar a possibilidade de revoluções sociais.
As crises ameaçam a todos. A tarefa de debelá-las surge como função de salvamento coletivo. Mas o que são as crises? Na verdade, devemos tornar preciso o termo: estamos falando de crises econômicas; porém, por vivermos em uma época de domínio da economia sobre todas as outras esferas da vida humana as crises econômicas tornam-se crises gerais, que afetam todas as dimensões da existência.
As crises econômicas são crises do mercado capitalista, de suas estruturas organizacionais, como as empresas e o Estado, seu organizador e planejador geral. Tais crises provocam efeitos destrutivos sobre a vida das pessoas, desorganizando sua participação regular no mercado capitalista, sendo que tal participação é a única forma aceita de vida coletiva. A vida coletiva é a vida no mercado como agente “econômico”, como membro da produção e do mercado consumidor.
O fato de a vida coletiva ser dirigida para o mercado e mantida no mercado torna as crises econômicas um indicador de que seus efeitos serão expandidos para todas as esferas da vida humana. Constatamos assim a dependência das nossas existências para com o mercado e suas estruturas. As crises econômicas parecem ser os únicos momentos perturbadores da existência. Porém, tais crises são os momentos perturbadores do funcionamento regular do mercado capitalista, são crises do mercado capitalista e de suas estruturas essenciais (empresas e Estados).
Esta é uma confusão comum, mesmo entre os que lutam contra o sistema capitalista; sua luta parece ser compreendida unicamente como oriunda das crises econômicas e de seus efeitos sobre os seres humanos. Devo ser mais claro: as crises econômicas são períodos de crise do sistema, algo como períodos produzidos por sua própria dinâmica; as crises são periódicas e fruto da sistemática interna do capitalismo. Tais crises provocam o aprofundamento da crise humana, aceleram a dependência dos seres humanos diante do mercado, desagregam os mecanismos de inserção na estrutura de mercado, descartam pessoas da produção e do consumo.
A luta contra o capitalismo também ficou dependente do funcionamento do mercado e da luta contra os efeitos provocados por suas crises recorrentes. Porém, mesmo nos períodos “luminosos” do mercado e de suas empresas, em suas eras de crescimento, há uma crise maior e mais profunda. Esta outra crise é decorrente da própria existência do capital como forma central da vida humana. O mercado dominador das relações entre as pessoas, como forma principal da vida coletiva humana é a própria crise essencial.
A partir deste prisma não importam os momentos do capital, seja no crescimento ou na crise, estamos inexoravelmente afundados na crise coletiva humana. Este fato se tornou mais perceptível com a crise ecológica, com os graves problemas ambientais que se acumulam. Neste momento tornou-se visível que o capital e seu sistema, o capitalismo, são incompatíveis com a vida planetária. Porém, ela é anterior e surge no momento em que o capital estabelece a sua dominação. Rousseau percebeu isto ao criticar a sociedade comercial em sua obra “Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens”.
A crise humana é decorrente de termos que depender diretamente das formas de mercado para vivermos ou sobrevivermos. A crise humana se tornou permanente com o domínio do capital, das empresas, do Estado sobre a existência. Os momentos de ascensão destas formas não diminuem a crise humana, antes a acentuam por perpetuarem a dominação. Os momentos de crise são momentos onde os problemas humanos ocultados transparecem, fazendo parecer que surgiram nas crises “econômicas”, mas não, são apenas indicativos da dependência em relação ao mercado e ao capital. Resolver as crises econômicas apenas manterá a crise humana fundamental.
Marx percebeu este mecanismo e lutava contra a crise humana fundamental desde suas primeiras obras, mantendo a mesma visão em suas obras centrais, como “O Capital”, os “Grundrisse”, “Para a Crítica da Economia Política”, “Mensagem da Direção Central” de 1850, ou “Crítica ao Programa de Gotha”. Marx não defende a luta contra as crises capitalistas e seus efeitos sobre as camadas trabalhadoras, mas a eliminação do sistema capitalista. Seu esforço de compreensão do sistema não era decorrente da tentativa de achar suas falhas “econômicas”, mas de demonstrar sua incompatibilidade fundamental com a existência humana. Por isso, a demonstração de que a finalidade do capital era o movimento tautológico, de círculo vicioso, do dinheiro sobre si mesmo, ou de produção para a reprodução do capital. Este é o ponto central: as crises são momentos em que a reprodução do capital e o movimento tautológico do dinheiro encontram limites, mas Marx combate o próprio mecanismo, não apenas seus momentos de crise.
Surge uma tarefa filosófica: tornar possível a superação da crise humana. Por isso Marx se refere a ela nas “Teses sobre Feuerbach” como “realização da Filosofia”, ou critica Hegel por não conceber a superação do sistema como a tarefa da Filosofia, mas unicamente buscar eliminar os conflitos do “sistema das necessidades” (capitalismo) com o Estado racional. Marx não nutria esperanças acerca do Estado.
Eliminar a crise humana e extinguir o capitalismo é a única solução para a crise humana. Tal eliminação deve ser pensada filosoficamente, mas este é um tema para outro dia.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

O Salvamento das Empresas

A crise econômica global continua a estender-se. Os efeitos são sentidos paulatinamente através de sucessivos dados sobre problemas enfrentados por empresas e corporações. O desemprego também é um elemento indicador da catástrofe econômica.
Após vinte oito anos de monopólio do pensamento e das ações por parte das corporações e de suas empresas o esgotamento é visível. Os apelos que estas instituições fazem assemelham-se a pedidos de socorro, desesperados pedidos de socorro. Tais gritos são dirigidos ao Estado e a suas expressões práticas, os governos.
Há dois elementos interessantes neste momento: o primeiro revela a mudança profunda na argumentação destas corporações, empresas, seus intelectuais e seus órgãos de mídia, pois o Estado deixa de ser execrado e surge como a única forma de salvamento e segurança. O segundo é que, apesar do discurso, o Estado esteve sempre em consórcio com as corporações nestas três décadas. Os papéis da dívida pública foram centrais na existência do atual mercado financeiro. Além disso, o Estado financiou a expansão dos gastos militares e financeiros, bem como desarticulou sistemas de saúde, de aposentadorias, redes de proteção social e educação, abrindo “espaço vital” (como diria Hitler – perdoem-me por citá-lo, mas não encontro diferenças substanciais na defesa do capitalismo nos dois momentos) para os negócios do capital. O Estado não era oposto ao capital, mas sua condição de expansão.
Na crise atual o Estado sai da condição de impulsionador da acumulação capitalista para a de único mecanismo capaz de garantir a sobrevivência do sistema. Mas o que deve ser salvo neste sistema? A resposta dada por seus defensores é a de que as empresas são os alvos essenciais do resgate. É preciso manter de pé os bancos, as seguradoras, as montadoras de automóveis, as construtoras, em suma, as empresas, pois estas são as formas centrais da organização capitalista. Salvá-las é a própria salvação do capital e do capitalismo. Entre os defensores do capitalismo a única discordância é a de que algumas empresas não deveriam ser salvas, algo como uma punição moralizadora, evitando o “risco moral” de uma sensação de impunidade por desrespeitar as sagradas leis do capitalismo. Porém, há o consenso de que o sistema deve ser salvo, ou seja, de que a forma empresarial do capital deve sobreviver.
Eu me pergunto: para que salvar a forma atual? Quem ler esta afirmação poderá pensar que desejo uma piora das condições da crise, ou uma degradação da vida das pessoas. Poderia parecer irresponsabilidade extrema não socorrer as empresas e deixar que mergulhassem no nada cósmico de uma crise incontrolável. As pessoas, digo melhor, a humanidade seria arrastada para este nada catastrófico de proporções inimagináveis.
Porém, compreendo que a forma empresarial é que tem sucessivamente nos arrastado para o caos recorrente; para guerras colossais, para genocídios rápidos e lentos (étnicos, culturais, religiosos), para crises econômicas, para a criminalidade internacionalizada e institucionalizada no sistema financeiro.
Sejamos claros, a forma empresarial está esgotada. Ajudá-la a sobreviver somente adiará e elevará os problemas. Socorrer financeiramente bancos e demais empresas para que o sistema tenha novamente credibilidade manterá a mesma forma de vida atual. O mercado será o dirigente da existência humana, as empresas as únicas formas de ação produtiva e a forma essencial de relacionamento da humanidade entre si. Estará sendo alimentada a forma esgotada de concentração da riqueza, onde os benefícios da vida coletiva humana são propriedade de empresas, corporações e seus dirigentes.
Prepara-se a manutenção da forma empresarial e do capitalismo. Novas rodadas de negócios do mercado financeiro serão garantidas pelo Estado. Não há saídas novas a serem propostas. Há uma cegueira generalizada (como diz Saramago) para pensar uma forma distinta da atual, o que não poderia ser diferente, diante do massacre perpetrado contra pensamentos distintos.
O mercado financeiro é o desembocadouro do mundo empresarial, a sua suprema realização e expressão. Está esgotado o mercado financeiro, estão esgotadas as empresas. Salvá-los produzirá novas e mais profundas crises; não falo de crises econômicas, que são somente medições do desempenho de empresas e do capital. Falo de crises humanas que ocorrem surda e dolorosamente mesmo nos momentos mais efervescentes dos negócios capitalistas, mesmo em suas “eras douradas”.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

A crise do capitalismo e a importância atual de Marx

A crise do capitalismo e a importância atual de Marx

Em entrevista a Marcello Musto, o historiador Eric Hobsbawm analisa a atualidade da obra de Marx e o renovado interesse que vem despertando nos últimos anos, mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. E fala sobre a necessidade de voltar a ler o pensador alemão: “Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista”.

Marcello Musto - Sin Permiso

Em entrevista a Marcello Musto, o historiador Eric Hobsbawm analisa a atualidade da obra de Marx e o renovado interesse que vem despertando nos últimos anos, mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. E fala sobre a necessidade de voltar a ler o pensador alemão: “Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista”. 
 
Eric Hobsbawm é considerado um dos maiores historiadores vivos. É presidente do Birbeck College (London University) e professor emérito da New School for Social Research (Nova Iorque). Entre suas muitas obras, encontra-se a trilogia acerca do “longo século XIX”: “A Era da Revolução: Europa 1789-1848” (1962); “A Era do Capital: 1848-1874” (1975); “A Era do Império: 1875-1914 (1987) e o livro “A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 (1994), todos traduzidos em vários idiomas.  

Entrevistamos o historiador por ocasião da publicação do livro “Karl Marx’s Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later” (Os Manuscritos de Karl Marx. Elementos fundamentais para a Crítica da Economia Política, 150 anos depois). 
 
Nesta conversa, abordamos o renovado interesse que os escritos de Marx vêm despertando nos últimos anos e mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. Nosso colaborador Marcello Musto entrevistou Hobsbawm para Sin Permiso 
 
Marcello MustoProfessor Hobsbawm, duas décadas depois de 1989, quando foi apressadamente relegado ao esquecimento, Karl Marx regressou ao centro das atenções. Livre do papel de intrumentum regni que lhe foi atribuído na União Soviética e das ataduras do “marxismo-leninismo”, não só tem recebido atenção intelectual pela nova publicação de sua obra, como também tem sido objeto de crescente interesse. Em 2003, a revista francesa Nouvel Observateur dedicou um número especial a Marx, com um título provocador: “O pensador do terceiro milênio?”. Um ano depois, na Alemanha, em uma pesquisa organizada pela companhia de televisão ZDF para estabelecer quem eram os alemães mais importantes de todos os tempos, mais de 500 mil espectadores votaram em Karl Marx, que obteve o terceiro lugar na classificação geral e o primeiro na categoria de “relevância atual”.  

Em 2005, o semanário alemão Der Spiegel publicou uma matéria especial que tinha como título “Ein Gespenst Kehrt zurük” (A volta de um espectro), enquanto os ouvintes do programa “In Our Time” da rádio 4, da BBC, votavam em Marx como o maior filósofo de todos os tempos. Em uma conversa com Jacques Attali, recentemente publicada, você disse que, paradoxalmente, “são os capitalistas, mais que outros, que estão redescobrindo Marx” e falou também de seu assombro ao ouvir da boca do homem de negócios e político liberal, George Soros, a seguinte frase: “Ando lendo Marx e há muitas coisas interessantes no que ele diz”. Ainda que seja débil e mesmo vago, quais são as razões para esse renascimento de Marx? É possível que sua obra seja considerada como de interesse só de especialistas e intelectuais, para ser apresentada em cursos universitários como um grande clássico do pensamento moderno que não deveria ser esquecido? Ou poderá surgir no futuro uma nova “demanda de Marx”, do ponto de vista político? 

 
Eric Hobsbawm: Há um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista, com exceção, provavelmente, dos novos membros da União Européia, do leste europeu. Este renascimento foi provavelmente acelerado pelo fato de que o 150° aniversário da publicação do Manifesto Comunista coincidiu com uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado. 
 
Marx previu a natureza da economia mundial no início do século XXI, com base na análise da “sociedade burguesa”, cento e cinqüenta anos antes. Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam. 
 
A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão massiva dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados “novos movimentos sociais”, como o feminismo, tampouco tiveram uma conexão lógica com o anti-capitalismpo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo como o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o “proletariado”, dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx. 

Devemos levar em conta também que, desde 1968, os mais proeminentes movimentos radicais preferiram a ação direta não necessariamente baseada em muitas leituras e análises teóricas. Claro, isso não significa que Marx tenha deixado de ser considerado como um grande clássico e pensador, ainda que, por razões políticas, especialmente em países como França e Itália, que já tiveram poderosos Partidos Comunistas, tenha havido uma apaixonada ofensiva intelectual contra Marx e as análises marxistas, que provavelmente atingiu seu ápice nos anos oitenta e noventa. Há sinais agora de que a água retomará seu nível. 

 
Marcello Musto: Ao longo de sua vida, Marx foi um agudo e incansável investigador, que percebeu e analisou melhor do que ninguém em seu tempo o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Ele entendeu que o nascimento de uma economia internacional globalizada era inerente ao modo capitalista de produção e previu que este processo geraria não somente o crescimento e prosperidade alardeados por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises econômicas e injustiça social generalizada. Na última década, vimos a crise financeira do leste asiático, que começou no verão de 1997; a crise econômica Argentina de 1999-2002 e, sobretudo, a crise dos empréstimos hipotecários que começou nos Estados Unidos em 2006 e agora tornou-se a maior crise financeira do pós-guerra. É correto dizer, então, que o retorno do interesse pela obra de Marx está baseado na crise da sociedade capitalista e na capacidade dele ajudar a explicar as profundas contradições do mundo atual? 
 
Eric Hobsbawm: Se a política da esquerda no futuro será inspirada uma vez mais nas análises de Marx, como ocorreu com os velhos movimentos socialistas e comunistas, isso dependerá do que vai acontecer no mundo capitalista. Isso se aplica não somente a Marx, mas à esquerda considerada como um projeto e uma ideologia política coerente. Posto que, como você diz corretamente, a recuperação do interesse por Marx está consideravelmente – eu diria, principalmente – baseado na atual crise da sociedade capitalista, a perspectiva é mais promissora do que foi nos anos noventa. A atual crise financeira mundial, que pode transformar-se em uma grande depressão econômica nos EUA, dramatiza o fracasso da teologia do livre mercado global descontrolado e obriga, inclusive o governo norte-americano, a escolher ações públicas esquecidas desde os anos trinta. 
 
As pressões políticas já estão debilitando o compromisso dos governos neoliberais em torno de uma globalização descontrolada, ilimitada e desregulada. Em alguns casos, como a China, as vastas desigualdades e injustiças causadas por uma transição geral a uma economia de livre mercado, já coloca problemas importantes para a estabilidade social e mesmo dúvidas nos altos escalões de governo. É claro que qualquer “retorno a Marx” será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas auto-geradas com dimensões políticas e sociais. Nenhum marxista poderia acreditar que, como argumentaram os ideólogos neoliberais em 1989, o capitalismo liberal havia triunfado para sempre, que a história tinha chegado ao fim ou que qualquer sistema de relações humanas possa ser definitivo para todo o sempre. 

Marcello Musto: Você não acha que, se as forças políticas e intelectuais da esquerda internacional, que se questionam sobre o que poderia ser o socialismo do século XXI, renunciarem às idéias de Marx, estarão perdendo um guia fundamental para o exame e a transformação da realidade atual? 

 
Eric Hobsbawm: Nenhum socialista pode renunciar às idéias de Marx, na medida que sua crença em que o capitalismo deve ser sucedido por outra forma de sociedade está baseada, não na esperança ou na vontade, mas sim em uma análise séria do desenvolvimento histórico, particularmente da era capitalista. Sua previsão de que o capitalismo seria substituído por um sistema administrado ou planejado socialmente parece razoável, ainda que certamente ele tenha subestimado os elementos de mercado que sobreviveriam em algum sistema pós-capitalista.  
 
Considerando que Marx, deliberadamente, absteve-se de especular acerca do futuro, não pode ser responsabilizado pelas formas específicas em que as economias “socialistas” foram organizadas sob o chamado “socialismo realmente existente”. Quanto aos objetivos do socialismo, Marx não foi o único pensador que queria uma sociedade sem exploração e alienação, em que os seres humanos pudessem realizar plenamente suas potencialidades, mas foi o que expressou essa idéia com maior força e suas palavras mantêm seu poder de inspiração. 
 
No entanto, Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, autoritariamente ou de outra maneira, nem como descrições de uma situação real do mundo capitalista de hoje, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista. Tampouco podemos ou devemos esquecer que ele não conseguiu realizar uma apresentação bem planejada, coerente e completa de suas idéias, apesar das tentativas de Engels e outros de construir, a partir dos manuscritos de Marx, um volume II e III de “O Capital”. Como mostram os “Grundrisse”, aliás. Inclusive, um Capital completo teria conformado apenas uma parte do próprio plano original de Marx, talvez excessivamente ambicioso.  
 
Por outro lado, Marx não regressará à esquerda até que a tendência atual entre os ativistas radicais de converter o anti-capitalismo em anti-globalização seja abandonada. A globalização existe e, salvo um colapso da sociedade humana, é irreversível. Marx reconheceu isso como um fato e, como um internacionalista, deu as boas vindas, teoricamente. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo. 


 Marcello Musto: Um dos escritos de Marx que suscitaram o maior interesse entre os novos leitores e comentadores são os “Grundrisse”. Escritos entre 1857 e 1858, os “Grundrisse” são o primeiro rascunho da crítica da economia política de Marx e, portanto, também o trabalho inicial preparatório do Capital, contendo numerosas reflexões sobre temas que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte de sua criação inacabada. Por que, em sua opinião, estes manuscritos da obra de Marx, continuam provocando mais debate que qualquer outro texto, apesar do fato dele tê-los escrito somente para resumir os fundamentos de sua crítica da economia política? Qual é a razão de seu persistente interesse? 

 
Eric Hobsbawm: Desde o meu ponto de vista, os "Grundrisse" provocaram um impacto internacional tão grande na cena marxista intelectual por duas razões relacionadas. Eles permaneceram virtualmente não publicados antes dos anos cinqüenta e, como você diz, contendo uma massa de reflexões sobre assuntos que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte. Não fizeram parte do largamente dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético. Mas não podiam simplesmente ser descartados. Puderam, portanto, ser usados por marxistas que queriam criticar ortodoxamente ou ampliar o alcance da análise marxista mediante o apelo a um texto que não podia ser acusado de herético ou anti-marxista. Assim, as edições dos anos setenta e oitenta, antes da queda do Muro de Berlim, seguiram provocando debate, fundamentalmente porque nestes escritos Marx coloca problemas importantes que não foram considerados no “Capital”, como por exemplo as questões assinaladas em meu prefácio ao volume de ensaios que você organizou (Karl Marx's Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later, editado por M. Musto, Londres-Nueva York, Routledge, 2008). 
 
Marcello Musto: No prefácio deste livro, escrito por vários especialistas internacionais para comemorar o 150° aniversário de sua composição, você escreveu: “Talvez este seja o momento correto para retornar ao estudo dos “Grundrisse”, menos constrangidos pelas considerações temporais das políticas de esquerda entre a denúncia de Stalin, feita por Nikita Khruschev, e a queda de Mikhail Gorbachev”. Além disso, para destacar o enorme valor deste texto, você diz que os “Grundrisse” “trazem análise e compreensão, por exemplo, da tecnologia, o que leva o tratamento de Marx do capitalismo para além do século XIX, para a era de uma sociedade onde a produção não requer já mão-de-obra massiva, para a era da automatização, do potencial de tempo livre e das transformações do fenômeno da alienação sob tais circunstâncias. Este é o único texto que vai, de alguma maneira, mais além dos próprios indícios do futuro comunista apontados por Marx na “Ideologia Alemã”. Em poucas palavras, esse texto tem sido descrito corretamente como o pensamento de Marx em toda sua riqueza. Assim, qual poderia ser o resultado da releitura dos “Grundrisse” hoje? 
 
Eric Hobsbawm: Não há, provavelmente, mais do que um punhado de editores e tradutores que tenham tido um pleno conhecimento desta grande e notoriamente difícil massa de textos. Mas uma releitura ou leitura deles hoje pode ajudar-nos a repensar Marx: a distinguir o geral na análise do capitalismo de Marx daquilo que foi específico da situação da sociedade burguesa na metade do século XIX. Não podemos prever que conclusões podem surgir desta análise. Provavelmente, somente podemos dizer que certamente não levarão a acordos unânimes. 

 

Marcello Musto: Para terminar, uma pergunta final. Por que é importante ler Marx hoje? 
 
Eric Hobsbawm: Para qualquer interessado nas idéias, seja um estudante universitário ou não, é patentemente claro que Marx é e permanecerá sendo uma das grandes mentes filosóficas, um dos grandes analistas econômicos do século XIX e, em sua máxima expressão, um mestre de uma prosa apaixonada. Também é importante ler Marx porque o mundo no qual vivemos hoje não pode ser entendido sem levar em conta a influência que os escritos deste homem tiveram sobre o século XX. E, finalmente, deveria ser lido porque, como ele mesmo escreveu, o mundo não pode ser transformado de maneira efetiva se não for entendido. Marx permanece sendo um soberbo pensador para a compreensão do mundo e dos problemas que devemos enfrentar.  
 
Tradução para Sin Permiso (inglês-espanhol): Gabriel Vargas Lozano 
Tradução para Carta Maior (espanhol-português): Marco Aurélio Weissheimer