domingo, 20 de dezembro de 2009

“O Google é meu Pastor, nada me faltará”

Quem tem mais de vinte anos certamente lembra dos temíveis trabalhos manuscritos na folha de almaço. Normalmente complexos, exigiam que o estudante fizesse um bom trabalho de pesquisa. Aqueles que não contavam com a evolução proposta pela enciclopédia Barsa em sua estante, recorriam aos Centros Culturais, para não ficar para trás. Este esforço representava em muitos casos um sufoco, especialmente por dois motivos.

O primeiro diz respeito ao trabalho em si, já que, em muitos casos não era permitido levar o livro para casa e nem tirar cópia das páginas que interessavam. A alternativa era escrever o que fosse preciso no próprio local. O segundo ponto é que nas bibliotecas havia – como ainda há - pessoas que estão ali para dar suporte, ajudar a encontrar os livros. Só haviam esquecido de avisar isto a muitos destes bibliotecários. Era uma má vontade de dar raiva.Tudo isto tinha um lado positivo. De alguma forma se assimilava a informação contida nos trabalhos, porque para copiar (obviamente) era necessário ler. E há uma maior autonomia. O fato de alguns bibliotecários não cumprirem com suas tarefas fez com que muita gente aprendesse a andar e pegar nas prateleiras os livros que quer sozinho.

O tempo passou e hoje em dia com o advento e avanço da internet, está cada vez mais simples para os estudantes entregar seus trabalhos no prazo. É sobre a importância dada a internet que Olga Pombo fala no texto >Atualmente é muito difícil pensar em alguém que viva em grandes cidades e não tenha acesso à internet, mesmo que seja através de lan houses. A informação rápida e a necessidade irrefreável de “se inserir”, interagir com os amigos é hoje, muito mais que um capricho, tornou-se uma ferramenta de grande utilidade não só no ambiente de trabalho, mas também na vida pessoal.

O Google é o maior representante de como a internet pode ser usada para o bem ou para o mal. Basta clicar para obter respostas, seja sobre assuntos banais, como receitas culinárias ou a respeito de coisas ruins, como torcidas organizadas de times de futebol combinando brigas, por exemplo. O grande problema deste sistema de busca, homenageado no Orkut com comunidades como “O Google é meu pastor, nada me faltará” é permitir que muitas coisas sejam feitas sem identificar as pessoas. O anonimato só alimenta a covardia.

Que a internet é um enorme progresso não há dúvida, basta apenas um pouco mais de critérios. Só isso!

sábado, 19 de dezembro de 2009

A Nova Enciclopédia

No embate entre a enciclopédia e o hipertexto, mais do que informação, formas de transmiti-la e capacidade de recebê-las, está a sociedade e as mudanças das quais é ao mesmo tempo causa e consequência.

Para qual geração saber que Ag é o símbolo da prata na tabela periódica é realmente fundamental? Para esta e a que virá logo em seguida parece não fazer diferença. Se o hipertexto não existisse hoje, ainda assim esta geração não colocaria tal conhecimento na enciclopédia. Tabela periódica não; história da MTV, com certeza.

Outro dia, minha irmãzinha de 12 anos disse, ao comentar sobre quais músicas poderiam tocar no meu aniversário: “tem aquele outro ritmo também, como chama? Ah, MPB”. Chico Buarque, para ela, é só um nome que, de vez em quando, permeia as conversas de adultos. Eu fico triste e, da mesma forma que minha mãe suspirava ao ouvir de mim, quando eu tinha 12 anos, que “Belchior é uma chatice”, percebo a próxima geração mais vazia e... sem poesia.

Então, tento olhar essas crianças “não informadas” mais de perto. Minha irmã nunca leu Shakespeare, mas, de tanta Hanna Montana e Jonas Brothers já tem um inglês fluente, com direito a gírias! Sabe apenas que uma vez, há muito tempo, existiu um cara chamado Marco Polo, mas, por outro lado, encontra os pontos mais impossíveis no mundo virtual em minutos. Ela pergunta se “o Pelé foi tudo isso mesmo”, mas é capaz de criar um jogo de videogame sobre futebol em uma semana.

Não é o nosso ideal de uma pessoa “informada”, mas é o da próxima geração. Assim, para se discutir o quanto de sentido o hipertexto roubou da informação, é preciso entender que é exatamente essa “informação relevante” que gera esse tal de “conhecimento”. Em Enciclopédia e Hipertexto. O Projeto, Olga Pombo diz que “no hipertexto não há, pura e simplesmente, qualquer sistema de seletividade”. Discordo, há sim. O problema é que a seleção sendo feita, diariamente pelos internautas, não é aquela que nós temos como a mais sábia. Mesmo no argumento da autora, de que “trata-se de uma seletividade que só funciona na medida em que o leitor é detentor de competências críticas de discriminação do eu é mais importante, de dispositivos subjetivos de determinação das boas e das más informações”, revela-se a mesma questão de que é a falta de competências necessárias para se obter uma boa informação que torna o hipertexto “um meio de diversão, distração e esquecimento” (Paulo Serra, Informação e Sentido) e não um ambiente democrático e de infinitas possibilidades onde novas competências talvez comecem a substituir, em sua ideia do que é de fato importante, informações antes tidas como boas e que agora são... descartáveis.

Não é a forma como a informação é transmitida ou a sociedade que a recebe. O hipertexto substituiu a enciclopédia porque o Homem de antes também foi substituído. Podemos preferir o passado e até sentir certa pena por uma sociedade que se direciona para um caminho que não temos como o mais acertado. Mas não podemos julgar esses novos indivíduos (e a parte de nós que sucumbiu às novas tecnologias) a partir do que costumava ser importante. Com base em um conhecimento que também ficou... démodé.

No filme Rebobine, por favor, do francês Michel Gondry (um diretor “sem memória”, como sua geração, e que veio do videoclipe), todas as fitas de uma locadora são desmagnetizadas e, para salvar o negócio, dois amigos refilmam tramas como Conduzindo Miss Daisy e 2001, uma Odisseia no Espaço, da maneira como eles lembram ser os filmes, e com recursos mais do que precários. O resultado, além de divertido, explica um pouco a questão do “descaso” pelo passado e da facilidade em substituir memórias. Um clássico do cinema, por muitos considerado uma obra-prima, é apreendido por dois “ignorantes” que de nada entendem de cinematografia, e transformado em outro filme, mais “fácil de entender” e divertido do que o original – e que lota a locadora de clientes. Um insulto a Kubrick ou uma forma de mantê-lo vivo para uma geração que nem de longe o percebe como gênio?

Paulo Serra, em Informação e Sentido, diz que tal abundância de informações oferecida pelos novos meios de comunicação resulta em “um querer saber não para saber mas para o ter sabido”. Pois é justamente o que muitos defendem como a “boa informação”, negligenciada pela massa sem capacidade para apreendê-la, que essa geração tem como um “saber só para ter sabido”. E cito outro exemplo, meu primo de 17 anos. Ele decidiu assistir a obra-prima de Kubrick, “de tanto falarem”. Dormiu na metade. E não porque lhe faltou competência para enxergar a “genialidade” do filme, mas porque, para a sua vida, sua rotina, para quem pretende ser, aquela obra não lhe diz nada.

E isso, de modo algum, significa a queda do médium, para usar o termo de Paulo Serra. Literatos e imprensa podem ter perdido parte de sua importância e influência, mas, ao mesmo tempo, justamente por conta da abundância de informação, são necessários mediadores que digam o que vale ou não a pena ser absorvido. Evan Williams, cofundador e diretor geral do Twitter, ao lançar o site, disse: “jornalistas são os curadores de conteúdo, com o papel de separar o joio do trigo”. “A adoção relativamente arbitrária de um ponto de vista”, caraterística da enciclopédia, permanece no hipertexto. A diferença é que talvez um ponto de vista antes subjugado agora seja o dominante e que aqueles dispensados, ainda que menor, também têm espaço.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Quase tudo

No exercício diário de meu cargo de redator, constantemente preciso recorrer a materiais internos de onde trabalho. Não obstante, precisei fazer uma nota sobre o maestro Villa Lobos (não sei se o tempo já alterou a grafia do nome dele). Me surpreendo ao buscar por uma foto dele e encontrar dentro do banco de imagens da Folha de São Paulo uma imagem tirada por um fotógrafo da empresa datada da época em que o compositor ainda era vivo.

Este exemplo é um dos casos de migração de mídia que vem ocorrendo com o decorrer dos tempos. Do arquivo de papel para o digital, houve um ganho de agilidade e de espaço consideráveis. É algo similar à pessoa que grava cinco CDs antigos em um único DVD para não ter que lidar com várias mídias. Em menos de um ano, muitos farão o mesmo processo, só que com o Blu-ray.

A digitalização de materiais jornalísticos dá uma falsa impressão sobre uma espécie de "teoria do tudo" informacional. No nível de apenas arquivado, o material não passa de dados, não chegam a constituir uma informação em si, embora estejam repletos delas em seus conteúdos. Categorizar este volume todo, além de gerar um nível muito maior de informações, pode causar um drama com a indexação das informações: o que é realmente relevante?

Um exemplo: Em uma busca por "Lula", Poderíamos organizar por data, mas o retorno seria imenso. Sem contar a ambiguação. Imagine cada termo ter que ser desambiguado? E a cada nova confusão, termos que refazer em tudo que foi publicado uma nova categorização? O trabalho seria enorme. O logaritmo usado pelo Google até hoje também não se mostra eficas ao todo. Se em uma matéria escrevermos "Lula, Lula, Lula, Lula, Lula, Lula, Lula, Lula..." ela terá mais importância que uma onde esteja escrito "O presidente Lula morreu".

Talvez, cada área do conhecimento deva ter seu próprio mecanismo de indexação e características de "tagueamento" comuns a vários mecanismos. Mas a busca deve respeitar cada idiossincrasia. E estas peculiaridades, esta "epistemologia diária" muda constantemente. Ainda sobre o exemplo do Lula, o Banco de Dados da Folha de S. Paulo vê com maior relevância dados sobre a trajetória política do Lula após este ter se tornado presidente. Já os repórteres tem maior interesse nos últimos passos deste. Os redatores se preocupam muito mais com os termos relacionados ao líder e às imagens vinculadas à sua figura.

Como último exemplo, cito um caso referente ao problema em se gerenciar toda esta quantidade de informação. Recentemente, uma grande biblioteca central européia (uso estes termos por não lembrar o local nem o nome) adotou sistemas robotizados para catalogar seus livros. Anteriormente, cada bibliotecário tinha que ir pessoalmente e buscar um volume na biblioteca. Este processo demorava até duas semanas devido ao grande volume de materiais ali presentes e à impossibilidade em várias pessoas circularem pelo mesmo local ao mesmo tempo. Os livros são colocados dentro de caixas plásticas que mais lembram Tupperwares e são endereçados eletronicamente. Ao se digitar a busca, um sistema robotizado de carrinhos, como pontes rolantes, busca esta caixa e a traz até o bibliotecário. Porém, com todo o material ali presente, se o profissional colocar um livro em uma caixa errada, este pode demorar anos, e até mesmo décadas para ser novamente localizado, segundo estimativas de especialistas.

No jornalismo não estamos muito longe disto. Até lá, creio que possíveis soluções para isto encontram-se nas organizações diárias e na divulgação de micro-centros de informações. Todos em rede, e não um só. Talvez um projeto enciclopedista de toda produção existente peque por isso, muito mais do que por capacidade.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Um brinde à falta de transparência da FUVEST

Na última terça-feira (8/12), recebi com felicidade a notícia de que a nota de corte do curso de medicina havia caído para 74 pontos – em 2008, o corte foi 77. Felicidade porque minha irmã, que acertou 72 questões no vestibular realizado no último mês de novembro, conseguiria a vaga para disputar a segunda fase do concorrido curso de medicina da USP.

Antes que alguém estranhe minha matemática, devo esclarecer que além dos 72 pontos (ou questões) conseguidos, minha irmã teria acrescido 6% em sua nota por ter estudado o ensino médio inteiro numa escola pública, e mais alguns pontos devido a seu desempenho no Programa de Avaliação Seriada da Universidade de São Paulo (Pasusp), em 2008. Descontado o bônus do Pasusp, que eu confesso não saber calcular, minha irmã alcançaria 76,32 pontos, suficientes para a realização da segunda fase.

Acontece que a Fuvest divulgou nesta segunda-feira (14/12) a lista com os nomes dos aprovados para a segunda fase do vestibular, que vai acontecer na primeira semana de janeiro de 2010. Para minha surpresa e desolamento de minha mãe, o nome de minha irmã não estava lá.

Tenho algumas pistas para o ocorrido. 1) Minha irmã pode ter passado as questões erradas para o gabarito. 2) Ela pode ter se enganado na correção da prova. Estou consciente de que algo do tipo pode ter acontecido.                          

Contudo, salta aos olhos uma atitude no mínimo estranha da Fuvest, que é o fato de não liberarem os pontos atingidos na primeira fase. É uma falta de transparência e respeito ao vestibulando sem igual. Eu não teria dúvidas da lisura do vestibular caso pudesse encontrar no site da fundação um link com o desempenho individual de minha irmã, mostrando quantas questões ela acertou oficialmente e por quantos pontos ela ficou de ir para a segunda fase. 

Não bastasse o processo desumano do vestibular, em especial para um curso de medicina, e a brutal desigualdade entre aqueles que têm condições financeiras para pagar um colégio privado e aqueles que têm como consolo a precariedade de uma escola pública – um processo no qual gente com condição de pagar universidades toma o lugar de quem só poderia estudar numa instituição pública como a USP – vemos numa situação em que o maior vestibular do país flerta com o obscurantismo e a falta de transparência.

É simplesmente lamentável.

Deixo este texto como forma de protesto à estrutura do vestibular da USP e a todos os outros vestibulares, que insistem em reproduzir a lógica capitalista, o darwinismo social descarado, o esquizofrênico conceito de meritocracia presentes nos vestibulares Brasil afora. Protesto, em especial, contra a falta de transparência da Fuvest.

Declaro aqui minha desconfiança. A lisura do vestibular está sob suspeita. Desfazer esta desconfiança me parece simples. Basta a Fuvest liberar o desempenho de cada estudantes no vestibular. Terão coragem? Ou existe alguma maracutaia engendrada para favorecer alguém?

Como cidadão, exijo transparência!

No frigir dos ovos, meu voto é pelo fim dos vestibulares!

Interligações

Por Beatriz Carrasco


“A Enciclopédia é uma reunião da informação disponível em sua época, e também uma vívida ilustração tanto da política como da economia do conhecimento”, afirma Peter Burke. É por essa importância que ficou na história a imagem das imensas bibliotecas, abarrotadas de livros e pessoas em busca de informações. Mas hoje esse quadro mudou. Os papéis foram substituídos, em grande parte, por bancos de dados na Internet, e as pesquisas são feitas por meio de cliques, sem a necessidade de se locomover.

Opiniões à parte, o fato é que a realidade agora é outra. E é justamente sobre essa transição da informação para os ambientes de rede que falam os textos de Paulo Serra, Olga Pombo e Antonio Hohlfeldt. Em “O projeto da Enciclopédia e seus registros sobre o Jornalismo”, Antonio Hohlfeldt faz um levantamento histórico a Enciclopédia de Diderot, de 1750. Por seu caráter ousado e inovador, que buscava disseminar o conhecimento, foi considerada “a obra suprema do Iluminismo”, e foi, inclusive, caçada pela Igreja Católica e alvo de processos do Parlamento.

O autor também menciona a novidade da enciclopédia que, além de trabalhar com os verbetes, utilizava a “referência cruzada”, ou seja, “um verbete poderia remeter, em seu interior, a outro verbete”. Esse recurso garantia a consulta multiplicada da obra, e talvez tenha sido a primeira manifestação do que, séculos mais tarde, veio a ser o hipertexto tão citado por Olga Pombo em “Enciclopédia e hipertexto – o projeto”. Isso é apenas mais um dos indícios de que o ser humano sempre sentiu necessidade de interligar os fatos e alcançar conclusões fundamentadas.

“Daí aquele cuidado, já mencionado, para que as ilustrações não apenas representassem o objeto, quanto o apresentassem sob diferentes perspectivas, seu modo de construção e operação, e sobretudo, seu funcionamento e utilização”, afirma Hohlfeldt. Nesse caso, percebe-se que não havia uma intenção de impor um conhecimento absoluto, mas abrir as portas para a reflexão. O autor ainda expõe as diferenças que alguns termos sofreram em seus significados ao longo dos anos, o que evidencia como os tempos mudam e modificam a percepção dos fenômenos sociais: “mudavam os tempos, modificava-se a percepção dos fenômenos sociais, e as enciclopédias registravam, como um fiel barômetro de temperatura”.

Muitos teorizadores da “sociedade da informação” acreditam, assim com os Iluministas, que quanto mais informação houver disponível para o cidadão, mais conhecimento ele terá. Porém, no texto “Informação e sentido”, de Paulo Serra, é defendida a ideia de que muita informação gera um decréscimo de conhecimento. “Estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido”, diz citação de Baudrillard no texto.

O excesso de informação que começou com a imprensa, hoje atinge seu ápice com a informatização. São diversos sites, blogs e publicações formais ou informais que desencadeiam em uma “bolha” de conteúdos. Mas toda essa bagagem muitas vezes não encontra o seu próprio sentido. É uma frequência tão rápida e ininterrupta de novos conceitos, que há a perda da reflexão sobre cada fato, para que estes encontrem seus próprios significados. Como afirma Serra, é “um mundo em que verdade, valores e normas se multiplicam até ao infinito, tornando impossível qualquer escolha fundada”.

Baseado na teoria de Baudrillard e Postman, o autor afirma que quanto mais se tem informação sobre algo, mais a representação fica distante do que é real. Segundo ele, “o mito da informação” (como aquelas geradas pelos enciclopedistas), propõe uma concepção plena do conhecimento, ou seja, algo fechado e pré-conceituado. Com os computadores, ainda há uma busca de registrar todas as informações, como se a máquina fosse a própria memória (para garantir a abundância de sentido das coisas). Mas construir a memória dessa maneira pode envolver contradições e, segundo o autor, gerar uma concepção errada do conhecimento, do sujeito e da própria memória.

Segundo D’Alembert, os conhecimentos humanos podem ser divididos em “conhecimentos diretos” (ou sensações), que recebemos de forma passiva, sem que a nossa vontade tenha influência; e “conhecimentos reflexos”, que são resultado da combinação e relação do espírito sobre os conhecimentos diretos. Sendo assim, o que a tecnologia da informação busca é algo como uma “memória artificial”, que garanta a abundância (e plenitude) do sentido das coisas.

Mas a grande questão é que essa “memória artificial” gera um pré-conceito sobre tudo, de forma que a memória humana não seja utilizada na interpretação dos fatos. O autor critica isso, e é incisivo ao afirmar que, mesmo que a memória humana seja finita, ela é a chave para a diversidade de sentidos. E não uma memória artificial, um banco de dados que pressupõe todas as interpretações.

Já em “Enciclopédia e hipertexto – o projeto”, Olga Pombo aborda a importância da Internet. Para a autora, o hipertexto é a última potencialização da ideia de enciclopédia. É o “saber perfeito” sonhado por Santo Isidoro quando criou a primeira grande enciclopédia cristã. Após introduzir o assunto, a autora logo lança a questão: “é inevitável perguntar: será que a nossa experiência da unidade dos conhecimentos através da Internet tem mesmo a condição de uma enciclopédia em regime de ligação virtual infinita?”. Ela afirma que o hipertexto é “o limite ideal da enciclopédia”, e que são essenciais as informações da enciclopédia no ambiente virtual, com seu “vai e vem” de conteúdos.

Ao apontar que não há muito estudo sobre essa relação, Olga comenta que a enciclopédia é o que está mais próximo ao hipertexto, e indaga sobre como ambos se relacionam. Ela é idealizadora ao tratar sobre o tema, já que sua visão é a de que o hipertexto é a máxima do conhecimento. Por outro lado, Paulo Serra parece muito catastrófico ao defender que a concentração de informações pode gerar uma falta de sentido absoluta. Talvez um meio termo seja o ideal. Utilizar a enciclopédia virtual como mais uma fonte de pesquisa, já que a própria Internet, por si só, já abre diversas portas e fontes. Por isso, segundo Olga, o hipertexto, que interliga os fatos, é dinâmico e fundamental: “sabemos que a enciclopédia se constitui na e pela pretensão à exaustividade, à cobertura do saber adquirido pela humanidade até um determinado momento. Por seu lado, o hipertexto está marcado por uma inexorável abertura à promessa de um saber em permanente crescimento”.

Outro contraponto nessa discussão é o texto “Funes, o memorioso”, de Jorge Luis Borges. Com linguagem rebuscada que faz oposição à adotada na Internet, o autor cita instrumentos de comunicação como o livro e o telégrafo. É uma ideia diferente da agilidade à qual temos acesso nos tempos atuais, com os hipertextos e bancos de dados. Apesar de a linguagem ser mais densa, há um cunho muito reflexivo, com cuidado para lidar com a própria linguagem. Hoje, apesar do grande acesso à informação, muitas vezes acaba-se esbarrando com o problema da credibilidade das fontes.

Por meio das novas tecnologias, a informação alcança o mundo inteiro, a qualquer momento. Porém, como destaca Paulo Serra, é preciso ficar atento para que o fluxo excessivo de informações não faça com que haja uma perda geral no sentido das coisas. A conexão por meio do hipertexto é um meio de contribuir para a assimilação dos fatos, mas não se pode enxergar as informações disponíveis na rede como verdades indiscutíveis. Absolutismos são becos sem saída, que impedem a reflexão, o avanço no campo do pensamento e, acima de tudo, no próprio desenvolvimento racional do ser humano.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A internet não tem razão

Até que ponto o excesso de informação tem nos deixado completamente desinformados. Por maiores que sejam os meios e as possibilidades de descobrirmos mais sobre tudo, mais nos afundamos no vazio. A obsoleta enciclopédia não teria nada a acrescentar a nossas mentes abarrotadas de espaços virtuais que muito pode trazer de novidade e pouco tem nos nutrido de real conhecimento?

E pensando em Funes, o memorioso, de Jorge Luis Borges podemos perceber o quanto que nosso grande afã diário faz de nós exatamente aquele que Funes critica no texto: vivemos como quem sonha, olhamos sem ver, ouvimos sem escutar, esquecemos de tudo, ou quase tudo. Excesso de informação? Seria de se perguntar até que ponto Baudrillard também teria razão ao afirmar que a construção de uma memória artificial, corporizada nos media, nos daria a garantia maior de um esquecimento perfeito.

Acontece que esse excesso de acesso a informação não nos garante o conhecimento. A internet, por exemplo, pode ser considerada a nova televisão com um milhão de canais. É uma tentação que distrai muito mais do que orienta.
Não acredito ser a enciclopédia o único caminho para o real conhecimento, porém não há como desconsiderar o seu valor diante de um mundo de incertezas que nos traz a internet. É claro que qualquer conhecimento pode evoluir a partir de novas descobertas. Porém, os livros ainda nos garantem uma maior credibilidade. A palavra escrita, ainda que tenha também o seu prazo de validade, no sentido de amplitude do que está escrito, nos deixa mais certeza sobre sua veracidade. Ao passo que ao atualizar uma página da internet, as informações não apenas aumentam como se modificam.

Toda aquela riqueza de detalhes exposta na tela do computador é tão fascinante e, ao mesmo tempo, tão irreal. Irreal no sentido de parecer um concentrado de opiniões e achismos que nem sempre correspondem à verdade. O valor do livro, ou da enciclopédia, como diria o filósofo Denis Diderot, está em agrupar os conhecimentos dispersos e expor aos homens, “a fim de que os trabalhos dos séculos passados não tenham sido trabalhos inúteis” e que os descendentes ao se tornarem mais instruídos, se tornem também mais virtuosos. Enquanto o mundo virtual desorganiza, os livros ordenam.

A grande vantagem do hipertexto para com a enciclopédia seria a rapidez de atualização. Esse atualizar poderia, então, garantir aquilo que ainda não garante racionalmente como informação concisa e segura. Isso por contar por diversas contribuições espontâneas, por vezes anônimas, que de certa forma trazem mais dúvidas do que aprendizado. Então, teríamos a ilusão, estamos atualizados.

A enciclopédia idealizada por Diderot e dAlembert, em 1750, trazia a novidade de trabalhar com a referência cruzada, isto é, um verbete poderia remeter a outro, o que garantia a consulta multiplicada quase ao infinito da obra. O que, de certa forma, antecipava em séculos o que fazemos ao clicar uma palavra destacada de um texto na internet, pulando diretamente para sua referência. Toda essa suposta agilidade proporcionada pelo mundo virtual parece fazer de nossa memória um depósito de lixo. Nossas escolhas, ainda que com “preocupações culturais”, acabam se voltando para uma informação mais acessível oferecida pelo mass media.

Essa condição ilimitada do hipertexto tem como efeito a banalização, a sobrecarga, a desorientação e a indiferenciação dos conteúdos veiculados. Claro que existem mecanismos de filtragem, os sites de busca oferecem esboço de seleção. Acontece que essa seleção só funciona na medida que o leitor tenha capacidade crítica de discriminação do que é importante ou não.
E de que forma adquirir um senso crítico se hipnotizados pela curiosidade disfarçada de ‘busca pelo conhecimento’ saltamos de novidade em novidade em busca de entretenimento ao invés da instrução. Se não há mais como realizar nosso ofício sem essa navegação sem bússola, não há mais como apreender nada. E devo lembrar Jorge Luis Borges novamente: “um jornal lê-se para esquecer, uma música também se ouve para depois se esquecer, é uma coisa mecânica, portanto fútil. Um livro lê-se para se reter na memória.”

A internet pode substituir o jornal diário, ainda que sem a devida credibilidade. Porém, a web está longe de substituir os ensinamentos dos livros. Talvez a enciclopédia, digna de tantos preceitos, devesse incorporar uma linguagem mais acessível e menos complexa para que não aconteça, por excesso de erudição, o mesmo que acontece ao passarmos os olhos pelo hipertexto, a impossibilidade de memória.

A grande questão é que a informação (importante) só tem utilidade para quem está informado (e conhece); a quem não está informado (nem conhece), de nada serve procurar essa informação nos sites de busca. Temos assim, dois tipos de internautas: aquele que procura para confirmar, ou rememorar, e outro, senão a grande maioria, que usa a internet como um desaprendizado ou como um meio de diversão, distração e esquecimento – aproximando-se cada vez mais, neste aspecto, da televisão.

Não sejamos nós vítimas da opinião alheia ou pertencentes a uma opinião pública que não se sustenta. Não deixemos que o poder publicitário governe nossas idéias e ações. O mundo virtual não tem um conteúdo de todo racional e lógico. Ele só poderá ser usado a nosso favor se fizermos o uso das bússolas. E que não nos enganemos, as únicas bússolas existentes ainda estão nas estantes.

Juliana Menz 05006894

Internet, democracia e participação política

Após 4 anos discutindo paradigmas da comunicação, mais especificamente do jornalismo. Se a chegada do rádio e, posteriormente, da televisão mudaram radicalmente a forma de se relacionar com os meios de comunicação e até mesmo a forma de se relacionar entre as pessoas; o advento da internet modificou isso mais profundamente, intensificando até o conceito de democracia no que tange a comunicação.

A web proporciona a seus usuários a possibilidade de tornar-se um provedor de informação capaz ainda de distribuir esse conteúdo por toda a rede. O resultado desse fenômeno é a criação de uma rede de interação nunca vista. E como todo o espaço midiático, a internet também se constitui como um importante lugar de conversação, onde se desdobram importantes discussões políticas. Ora, seria então a internet um meio favorável para o surgimento de condições para o debate público democrático?

O surgimento desse espaço democrático tão sonhado não depende somente de um meio de comunicação apropriado, mas acima de tudo do interesse dos cidadãos em participar dos debates políticos. Caso não haja essa disponibilidade em se apropriar dessa rede para a deliberação política, a internet ganha contornos tão unidimensionais quanto a televisão, por exemplo. O problema não reside, portanto, na capacidade dos meios, e sim na motivação da sociedade, que não é estimulada a desenvolver a conversação política.

A questão do acesso às tecnologias da comunicação também deve ser levada em consideração. O alto custo dos equipamentos eletrônicos de acesso à internet e o elevado índice de analfabetismo da população limitam o acesso de muitos ao espaço cibernético. Dessa forma, a internet tende a reforçar as desigualdades sociais, criando uma espécie de exclusão digital. Essa exclusão digital fica socialmente mais evidente quando assistimos a adoção de políticas públicas no formato digital, sem que haja uma inclusão das camadas economicamente menos favorecidas.

A participação do público em debates políticos possui uma ligação direta com a questão da educação. Fica claro que o limitado conhecimento dos cidadãos acerca de seus direitos e deveres se reflete drasticamente na apatia política e no desinteresse pelo debate público. Os meios de comunicação, por sua vez, não colaboram para suprir essa brecha no ensino de base, uma vez que os conteúdos jornalísticos preocupam-se apenas com a cobertura política factual.

Percebe-se atualmente um certo grupo de pessoas que está mais interessado naquilo que afeta diretamente as suas vidas. São os movimentos sociais e as associações voluntárias. Essas redes são parte fundamental para a promoção da politização, pois são capazes de implementar o debate político no tecido social.

Apesar do momento propício para o surgimento de uma esfera pública de deliberação política cibernética, a internet por si só não é capaz de promover nenhuma transformação efetiva. Um ambiente informativo, formado por cidadão críticos, só será possível se houver interesse discursivo efetivo. E esse interesse ainda parece distante ou muito pulverizado.