terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Regulamentar para Racionalizar ou Transformando o excesso em abundância


Por Clara Caldeira

Diferente da conclusão a que chegam Postman e Baudrillard - acerca da insuperabilidade das contradições que envolvem o projeto de construção de uma memória artificial a partir da informação - defendo a busca por uma solução para essa equação nos moldes em que ela se configura hoje: a web.
É importante ressaltar em primeiro lugar que por mais que Paulo Serra utilize em seu texto Informação e Sentido a enciclopédia como metáfora para a hiper-memória das redes, ambas se distingue em inúmeros aspectos. O mais importante deles é que a enciclopédia enquanto modelo de catalogação de informação foi superada, ficou no passado, enquanto a internet ganha importância a cada dia e promete ocupar uma parcela cada vez maior na construção do futuro.
Ao invés de enveredar por um dos dois caminhos teóricos mais comuns quando o assunto é a sociedade da informação, proponho uma atitude mais realista. Deixando de lado a demonização e a exaltação exacerbada da atual abundância de informação, sugiro a análise do que temos de fato. Creio que não cabe mais a nós dizer se a web deve ou não existir e prevalecer enquanto principal veículo de acesso e organização de dados porque, na prática, ela já existe e já atua como tal. Devemos então tentar compreender em que circunstâncias essa atividade pode ser ou não produtiva e enriquecedora e como assegurar que o consumidor/leitor saiba fazer essa diferenciação.
Em tese, é muito interessante um contexto no qual todas as pessoas tem igual possibilidade de acesso à informação, de manifestação pública e de alcance de interlocutores. A princípio a idéia parece muito democrática. Mas é preciso considerar que vivemos uma realidade onde as pessoas tem capitais intelectuais e financeiros distintos, o que, no limite, possibilita a existência de dominadores e dominados no âmbito da informação.
Um exemplo citado por Sylvia Moretzsohn no livro Pensando Contra os Fatos para ilustrar como o ciberespaço acaba reproduzindo as relações de poder existentes na sociedade é o da eleição de Bush em 2004. Na época, os blogs republicanos se articularam rapidamente e conseguiram impedir a disseminação de um boato sobre o candidato. Desmentiram a acusação à tempo, e ainda divulgaram a hipótese de uma conspiração democrata.
O criador da Wikipédia por exemplo, transpôs a lógica neo liberal para as comunicações. Segundo sua linha de argumentação, assim como o mercado, a comunicação e o fluxo de informações se auto-regulam. Ele defende, no caso da Wikipédia, que o melhor modo de garantir informação verídica e de qualidade é o olhar atento dos leitores, que caso não se satisfaçam com um determinado conteúdo, agirão para modificá-lo. Um dos problemas desse pensamento é que ele importa a lógica do mundo real para o virtual de forma incompleta.
Segundo Bowman e Willis no livro We the Media “Os Weblogs deram a qualquer um com o devido talento e energia a condição de ser ouvido amplamente na Web.”. A questão é que não são apenas conteúdos fruto de talento e energia que estão disponíveis na Web podendo ser amplamente acessados. A “democracia virtual” é portanto uma faca de dois gumes, que nos conecta com todo tipo de informação: relevante ou inútil, confiável ou duvidosa, bem fundamentada ou precipitada.
Como alerta Sylvia Moretzsohn, ainda na referida publicação, um dos maiores problemas do meio virtual são as condições para se tornar referência dentro dele. Essa condição não vem, como deveria ser obvio, da credibilidade que os autores conquistaram como políticos, comentaristas, colunistas, etc. O terreno da web é propício à desqualificação das instituições e à diluição dos referenciais teóricos que diferenciam por exemplo a notícia e a opinião relevantes e bem fundamentadas, do besteirol.
Voltando à questão da abundância de informação (que fazendo uma outra opção semântica poderíamos chamar excesso), não vejo como uma atitude sábia tentar conter esse movimento que a internet possibilitou. Essa conjuntura constitui uma nova realidade já bem estruturada, uma tendência que dificilmente será contida e levará, cada vez mais, em direção à multiplicidade. O jornalismo de qualidade, por exemplo, pode surgir em qualquer “lugar”, mas nem todos os “lugares” produzem um bom jornalismo. É com esse paradigma que temos que lidar e é para ele que temos que pensar soluções.
No texto Enciclopédia e Hipertexto. O Projeto, Olga Pombo defende que no hipertexto (reenvio virtual entre todos os conceitos/endereços dos servidores de todo o mundo) não há qualquer limite de extensão. Para a autora isso tem como efeito a desorientação, a sobrecarga, a banalização e a indifererenciação dos conteúdos vinculados, o que arrasta consigo problemas de credibilidade, legitimação e erro.
De acordo com o texto Informação e Sentido de Paulo Serra a possibilidade de uma seleção de conteúdo “pressupõe que o cibernauta já possua, previamente à sua entrada no ciberespaço, informação (conhecimento) sobre a informação que lhe interessa procurar”. Essa constitui a questão central para uma possível solução da equação a que me referi no primeiro parágrafo. Para entender melhor como ela poderia ser resolvida no âmbito digital vamos tomar, não à toa, como exemplo a atividade jornalística no ciberespaço.
Por isso, a atividade dos blogs, assim como a atividade de qualquer endereço que venha a se instalar na web, pode e deve ser ter sua legitimidade reconhecida, contanto que devidamente categorizada de acordo com critérios a serem criados. E agora, chegamos a um ponto crucial. Um assunto polêmico, mas inevitável no presente contexto: regulamentação.
Seria necessária a estruturação de um órgão regulador competente, que contasse com uma comissão de internacional de especialistas para a análise dos conteúdos disponíveis no ciberespaço. Não por acaso esta comissão se assemelharia muito às equipes de especialistas a nível planetário responsáveis pela atualização constante da enciclopédia Universalis, mencionadas por Olga Pombo em seu texto.
Essa classificação seria executada por seres humanos (e não por sistemas de dados) por meio de uma espécie de selo que atestasse sua credibilidade, assegurando ou não a confiabilidade de determinado conteúdo. Assim, as pessoas teriam a liberdade para acessar o que quisessem, mas com a opção de seguir a orientação de especialistas (a comissão) quando quisessem procurara por algo realmente confiável. O objetivo dessa categorização seria racionalizar o universo do hipertexto descrito pela referida autora como acéfalo, transformando o excesso de dados em abundância de informação.

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