terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O brilho eterno de uma mente sem lembranças

“hoje em dia, por toda a parte,

são as memórias artificiais que apagam a memória dos homens,

que apagam os homens da sua própria memória".

Jean Baudrillard

Por Helena Wolfenson

2010 se aproxima. Vivemos em um tempo em que a internet já se instaurou como artigo mais do que necessário. Fonte de informação, lazer, comunicação e facilitadora dos dias de hoje. A dimensão do tempo se transformou, e apesar deste ser um fenômeno relativamente recente, não conseguimos mais imaginar nossas vidas sem o advento dela e a sua conseqüente democratização. Com isso, instrumentos de informação e formação, como a outrora essencial enciclopédia tornaram-se obsoletos e a memória humana cada vez está mais associada aos seus suplementos de memórias virtuais.

A internet se configura como um espaço público para cada cidadão, no qual todos podem ser receptores e produtores de mensagens e informação. Ou seja, a internet é ao mesmo tempo onipresente e pessoal. É um espaço que diferente de outros meios de comunicação como a televisão e o rádio, nele se permite que a cidadania encontre novas formas para interagir, revitalizando a coletividade, proposta por Hannah Arendt. “A troca de juízos é condicionada à esfera pública, público é onde há coletividade, pluralidade e presença de diferentes opiniões”. Então, nesse sentido a internet é o mais público dos meios de comunicação jamais vistos.

Bom, se ela ser pública, democrática e essencial para os dias de hoje já está dito, há um ponto para se discutir: a validade e o poder de informar de fato de seu conteúdo e o quanto disso armazenamos em nossas mentes e o quanto depositamos em arquivos suplementares aos quais nunca mais acessamos.

Segundo o pensador francês Jean Baudrillard: “estamos em um universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido” em que a “inflação da informação” corresponde a “deflação do sentido”. O poder de armazenarmos informações e cultivarmos coisas em nossa memória acoplada no mundo virtual é infinitamente mais eficaz e maleável do que era durante o período Iluminista, quando foi inventada a Enciclopédia clássica. Criada por dois franceses, Diderot e D'Alembert, com a idéia central de “reunir os conhecimentos dispersos pela superfície da terra, expor o seu sistema geral aos homens com quem vivemos, e transmiti-lo aos homens que virão depois de nós”, criou-se um projeto no Ocidente, de destruir uma memória antiga para, em seu lugar, mediante a "informação" apropriada, construísse uma nova memória, sendo impossível, à memória humana, considerada quer individualmente quer coletivamente, reunir, expor e transmitir o todo o sistema dos conhecimentos.

No entanto, com o advento da internet e a proliferação de informação de todos os homens de todos os cantos, nasce a impossibilidade do projeto de construir memórias a partir do acúmulo de informações. Ainda parafraseando Baudrillard, a idéia de construir uma “memória artificial”, atribuída e corporizada nos media, sugere a garantia maior de que “o esquecimento será perfeito”. Ou seja, uma vez que se arquiva e até se compartilha todas as informações e imagens produzidas, a memória no ciberespaço se dissipa e se torna mais seguro seguir adiante sem aquilo em mente. Pois tem-se a segurança que a qualquer momento pode-se retomar aquele back-up de sua memória pessoal em um clique. Assim, temos a sensação de estarmos livre para esquecermos tudo o que dissemos antes, o que pensamos, escrevemos, produzimos, mas essencialmente tudo aquilo que lemos, vimos e absorvemos de informação e também de carregarmos conosco todas essas informações, sem termos que lembrarmos delas sempre.

No mundo virtual a memória arquiva apenas o que é instigado pelo racional, o que parte do verbal e se arquiva em palavras nos back-ups digitais, não conseguimos em nosso suplemento de memória arquivar lembranças de sensações e sentidos. Segundo Paulo Serra vivemos “o mito da in-formação do (como) sentido”.

A ideia iluminista da “informação” de todos os homens do mundo e de interferir com isso no futuro, sofria uma impossibilidade quanto a renovação dinâmica das produções de informação dos seres humanos. O atraso do que constava nas enciclopédias em relação a velocidade do mundo, com o advento da internet encontra a sua solução e mais, a possibilidade desta informação ser compartilhada e interferida por quem quer que seja e de onde estiver, em uma permanentemente atualização, ao eliminar, praticamente, o tempo de intervalo entre a produção e a recolha da informação. A enciclopédia online torna disponível não só a informação relativa às "ciências, artes e ofícios" como todos os tipos e formas de informação. Assim sendo, surge a questão se não realizará este importante meio de comunicação, de forma perfeita, essa ideia de reunir, expor e transmitir, a todos os homens, de todos os tempos, lugares e condições, toda informação? Sim e não. Pois, se este aspecto a internet solucionou como em um passe de mágica, eis que ressurge a questão do armazenamento, da absorção da informação e do que realmente cabe na memória humana, como já referido por Platão, “a informação (importante) só tem utilidade para quem está informado (e conhece); a quem não está informado (nem conhece), de nada serve procurar essa informação.”

A super-exposição e a liberdade de produção de informação universal e acima de tudo a capacidade de armazenar toda essa infinita quantidade de material informativo ou não, nos dá garantia de que nada será esquecido (pela máquina). O que faz criarmos um espaço livre em nossa memória e a enorme garantia de que nada - ou, pelo menos, nada de importante - será lembrado por nós. A internet apresenta, cada vez mais, o problema da hiper-memória, não atribuída naturalmente aos humanos e que necessita de uma enorme capacidade de selecionar e arquivar de forma hierárquica as informações que se tem acesso por ai.

Temos tanto na enciclopédia clássica, como na sua moderna reformulação a idéia de suplemento a memória humana, que na era do virtual foi difundida a todos os nossos mecanismos de armazenamento de informação e não somente ao Wikipédia. A agenda de telefones, o caderno de lembretes, o diário de viagem, estes sempre foram suplementos de memórias em que nós ativamente preenchíamos para depois termos a liberdade de esquecer daquelas informações que um dia poderiam ser úteis ou apenas recordadas e relidas com outros ares. No mundo virtual, substituímos a agenda, o caderno e o diário por informações digitais, que apesar de não serem escritas a mão, também necessitam da cabeça humana para serem preenchidas. Mas não são materiais palpáveis e isso faz com que sejam esquecidas mais facilmente, assim como a informação adquirida e produzida pela enciclopédia online colaborativa, que se por um lado, proporciona acesso há uma incontável quantidade de informação, e a questão aqui não é nem a de quem publica e escreve, pois neste caso, a sua variedade e até poder de confiança pode vir a ser maior do que o de apenas duas fontes criadoras da enciclopédia encadernada, por exemplo. Mas sim, o que do que lemos, escrevemos e entramos em contato conseguimos de fato armazenar e não apenas passar adiante em um movimento constante de produzir, arquivar, criar pastas e nunca mais recordar.

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