quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O mundo a um clique

Li alguns dos artigos desse site antes de tentar bolar o meu próprio. Notei que grande parte deles traçava um paralelo entre os textos de Paulo Serra, Olga Pombo e Antonio Honfeldt, e terminava em análises sobre como a rede mundial de computadores se mostra como um ambicioso projeto de arquivar e fornecer todas as informações ao acesso de um clique -- o que pode não dar certo, visto que a quantidade de informações no ambiente online é tão grande e infinita que acaba por perder seu valor.

Paulo Serra, em Informação e sentido, aborda essa questão de forma clara: “Grande parte dos teorizadores da "sociedade da informação" - que partilha, com os iluministas, da crença otimista de que o conhecimento tem um caráter auto-formador e emancipatório -, tende a pensar que mais informação leva, necessariamente, a um acréscimo de conhecimento. No entanto, e a acreditarmos em autores como Postman e Baudrillard - que podemos considerar, neste aspecto, como paradigmáticos -, o acréscimo de informação não só não acarreta um acréscimo de conhecimento como conduz, mesmo, ao seu decréscimo; assim, e para citarmos a conhecida fórmula de Baudrillard, "estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido", em que a "inflação da informação" corresponde uma "deflação do sentido"”.

Jorge Luis Borges, no conto Funes, o memorioso, já prevê o que esse excesso pode trazer. O homem que possui a maior memória do mundo vive isolado; ele grava e recorda, mas nem sempre consegue pensar, por não ser capaz de selecionar o que deve ser lembrado e o que deve ser jogado fora.

Dez anos atrás, o termo internet era quase desconhecido para a grande maioria das pessoas. Hoje, ela se tornou uma ferramenta poderosa e mundialmente conhecida e utilizada, com uma coleção absurda de serviços e pesquisas, capaz de conectar pessoas de um lado a outro do globo em poucos segundos. Existe hoje um excesso de informação sobre praticamente qualquer assunto, onde quer que se possa acessar a internet. É como se cada um de nós tivesse acesso a um Funes, o Memorioso, que pudesse ser consultado quando bem quisermos. A rede mundial deixou de ser apenas uma longa coleção de páginas; hoje ela envolve quantidades incalculáveis de informação com dados, imagens, vídeos, músicas, textos, artigos, resumos, coletâneas, livros, blogs, enciclopédias virtuais --- para citar alguns dos recursos de que ela dispõe.

Das centenas de milhares de maneiras de compartilhar informação na internet, pego como exemplo uma parte significativa dela: os blogs (ou em estrito senso, um weblog, ou fotolog, ou blog, ou registro, ou diário on line). Os blogs têm uma história tão antiga quanto a internet. Em 1999, contavam-se algumas dezenas deles; hoje, são milhões.

A explicação desse aumento tão significativo foi dada pelo criador da primeira ferramenta que possibilitou seu sucesso: Andrew Smales, que lançou o pitas.com alguns meses antes do surgimento do blogger, em 1999. Disse Smales que “as pessoas gostam de se intrometer na vida alheia. Ler outros blogs é uma forma de voyerismo. Ter seu blog vistado, uma forma de exibicionismo”. Mas independente de entendermos a fórmula de seu sucesso, faz-se mister reconhece-lo como uma forma alternativa de jornalismo. Isso devido a uma razão histórica muito importante: nunca antes foi possível a uma só pessoa escrever, editar, diagramar e publicar seu próprio produto editorial – e ser lido por um público de milhares de pessoas – gastando entre nada e 100 dólares por ano. Nunca antes surgiram tantas pessoas dispostas a fazer jornalismo sem passar por uma redação. Claro que muito do que vemos como notícia - nessa mídia especificamente – não passa de tentativas infecundas de despejar verdades, crendices e valores sem fazer jornalismo de verdade. Ou seja, sem apurar, sem checar, sem avaliar. Mas existe, para nossa sorte, muita gente fazendo jornalismo. E bom jornalismo.

Quanto mais segmentado e mais específico, possivelmente melhor será a cobertura de determinado fato, e mais pontos esse blog vai ganhar em relação à concorrência de jornais e revistas, por exemplo. A verdade é que se os veículos de comunicação e os jornalistas mudarem a maneira de produzir as histórias e trouxerem o leitor não para a confortável situação de receptor de seus conteúdos, mas de co-partícipe de seus esforços jornalísticos, poderão informar melhor.

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O jornalista Matt Welch, em artigo para a Columbia Journalism Review, afirma que cada novo fenômeno no mundo das publicações é precedido por um grande avanço na tecnologia de impressão. A Renascença, desse ponto de vista, garantiu os tipos móveis de Guttenberg (com isso, a Bíblia foi impressa em larga escala). Formas mais baratas de papel de imprensa são precursoras do jornalismo popular de Pulitzer e Hearst. Pode-se dizer que o hipertexto seria o sonho dos criadores da enciclopédia francesa de 1750?

A idéia dos pensadores iluministas Diderot e D’Alembert era não só reunir todo o conhecimento da humanidade em uma mídia impressa, mas também catalogá-lo segundo critérios científicos. A enciclopédia dos iluministas encontrou diversos obstáculos, entre eles a dificuldade para atualizá-la, uma vez que era um processo bastante dispendioso realizar novas pesquisas e novas edições periodicamente. Além disso, havia um lapso significativo de tempo entre a pesquisa da informação e sua consulta, ou seja, parte das informações inevitavelmente se desatualizaria. Com a revolução tecnológica vivida na segunda metade do século XX, o antigo projeto dos enciclopedistas do Iluminismo ganhou novo fôlego.

A grande vantagem da internet é a falta de fronteiras, é o espaço infinito disponível nessa mídia. O hipertexto, ou seja, o reenvio virtual entre todos os conceitos e endereços dos servidores de internet do mundo, é ilimitado. Cada palavra e cada conteúdo pode estar interligado a milhares de outros, e só o que precisamos fazer é dar mais um click na tela.

No texto “Enciclopédia e Hipertexto, O Projeto”, Olga Pombo defende que o hipertexto “é o limite ideal da enciclopédia, isto é, a de que a relação entre as diferentes formas de organização da totalidade do patrimônio cognitivo de uma época (enciclopédia) e as técnicas de reenvio virtual entre todos os conceitos ou todos os endereços conservados nos servidores de todo o mundo (hipertexto) é mais fundamental do que aparece de forma imediata”. O hipertexto desafia o ideal textual e renova as medidas antiquadas, mas gera desorientação, sobrecarga, banalização e indiferenciação dos conteúdos vinculados, o que expõe problemas de legitimação e credibilidade. Afinal, como podemos confiar no que lemos na internet, se qualquer pessoa no mundo pode ser responsável por aquele conteúdo?



por Thais Cortez

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