sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Que abundância, meu irmão!

por Paula Cabral Gomes

Vivemos num período de abundância. Tudo que chega aos nossos olhos vem em quantidades impossíveis de serem digeridas dentro de um intervalo de tempo razoável e torna-se irrealizável o arquivamento para se verificar mais tarde.

Como Paulo Serra citou em Informação e Sentido, a fórmula de Baudrillard explica bem o que sofremos no século XXI: “estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido”.

Isso ocorre com a informação e aquela possível sensação inicial trazida pela internet, de que se teria mais conhecimento devido a maior quantidade de informações disponíveis, vem caindo por terra, pois, por experiência própria, afirmo que ainda não sei como selecionar os sites que devem ser checados primeiro e muito menos decifro rapidamente os mais confiáveis.

No que acreditar num mundo virtual que permite a expressão livre de “todos” (claro que esse todos tem limites)? A quais critérios recorrer para se fazer uma escolha que faça sentido?

Muito do que se encontra foi requentado do requentado do requentado de um site x e, como dizia minha avó, “quem conta um conto aumenta um ponto”, e o que chega até nós pode estar completamente distorcido. Logo deixo claro que não entrarei no mérito de discutir quem tem a verdade, até porque cada um tem seu modo de decifrar os códigos do mundo.

Também há o risco de perda de identidade, porque passamos a não saber mais “quem está falando” e perde-se todo e qualquer estilo de escrita. (De acordo com um amigo meu e o que ele discutiu em uma aula pesquisas atuais revelam que os meios digitais criam um novo estilo de escrita, com suas próprias regras bem definidas; ou seja, é uma aparente baderna que, na verdade, é organizada.) Além disso, já se criou uma dependência sem volta com relação aos computadores e ferramentas oferecidas. Quem, hoje em dia, vai pesquisar na Larousse ou na Barsa antes de utilizar o Google, também conhecido com Deus e “aquele que tudo sabe”.

Já que o Google sabe de tudo, deixamos para lá o poder de nossa memória e confiamos a ele essa função: recordar para viver, o que não é muito confiável, diga-se de passagem, até porque quantidade e a variedade são inumanas.

A perda de memória, para alguns (principalmente políticos nada confiáveis), é sinal de liberdade, pois assim se torna viável experimentar de tudo, já que não se sabe os resultados devido a um esquecimento do passado. Dessa forma, qualquer tentativa de eliminação da memória ou a limitação desta pode ser vista como criminosa. Mas isso quando se tem noção desse fato, pois, nos dias de hoje, é totalmente possível reconhecer esse “fenômeno”, porém não aqueles que o notam.

Os objetivos de se limitar a história podem ser decifrados nessas palavras de Diderot: “Com efeito, a finalidade de uma Enciclopédia é reunir os conhecimentos dispersos pela superfície da terra, expor o seu sistema geral aos homens com quem vivemos, e transmiti-lo aos homens que virão depois de nós; a fim de que os trabalhos dos séculos passados não tenham sido trabalhos inúteis para os séculos que se sucederão; que os nossos decendentes, tornando-se mais instruídos, se tornem ao mesmo tempo mais virtuosos e mais felizes, e que nós não morramos sem termos desmerecido do gênero humano.”

Assim, da mesma forma que acho péssima a idéia de se limitar aquilo que deve ser passado a diante, também me incomodo com a oferta de muitas opções, pois ambos, um pela seleção e outro pela abundância, impõem limites. Não vejo nos limites um problema quando se sabe que eles existem.

Sei que a discussão parece estranha, não há uma verdade absoluta, mas qual seria a graça se tivéssemos todas as respostas, se tudo fosse simplesmente uma escolha entre verdadeiro ou falso?

De acordo com a previsão de Diderot, no futuro, os homens se dividirão em duas classes: de um lado, os que lendo pouco e fazendo as suas descobertas, irão acrescentando novos volumes já existentes; e, do outro lado, a classe dos homens que, não descobrindo (e não se preocupando em descobrir) nada, “se ocuparão a folhear dia e noite esses volumes, e a separar aí o que eles julgarão digno de ser recolhido e conservado”.

É difícil saber o que está certo ou errado, pois cada caso necessita de uma solução diferente que pode estar na limitação ou na abundância. Um ou outro pode facilitar uma pesquisa, uma busca, uma resposta, por isso fica difícil para mim, concordar ou discordar de uma opinião, já que acredito que a generalização, em qualquer aspecto empobrece aquilo que se defende.

Não posso dizer, por exemplo, que o jornal é melhor que uma enciclopédia e vice-versa, pois cada um tem a sua função certa em determinados casos.

No texto de Paulo Serra, ele chama atenção para os tipos de informação que podemos encontrar. Há aquela que se dirige à curiosidade, que existe apenas para saciar o olhar inquieto, que sempre busca por novidades, mas que não se preocupa em absorver aquilo que é visto. Posso citar o Twitter, ótima forma de passar o tempo escrevendo, lendo e repassando “informações” que podem ser fundamentais como simples distração. Outro tipo é a informação que serve para divertir e agradar, que utiliza o recurso do choque e que dura exatamente o tempo do programa e acaba. Que tal usar como exemplo o Brasil Urgente, programa de Datena, apresentador sensacionalista, que por mais crítico que seja, torna-se apelativo muitas vezes.

Resumindo (o que não é tão legal assim): Muito do que encontramos e do que é produzido é instantâneo, no mesmo momento em que vemos, já acabou. São coisas consumidas na hora e que não surtem efeito. Aquilo que incomoda, não interessa, e o reflexo é mudar de canal ou parar de ler. Essa não é a fórmula certa para se prender um telespectador, um internauta. Todos sabem disso e é exatamente por esse motivo que as fórmulas da televisão e da internet não mudarão tão cedo, por mais opções que possamos encontrar. Afinal, porque mudarmos aquilo que está dando certo?

OBS: Não concordo com muitas coisas que escrevi, tento criar alternativas, como “boa” zineira, porém reconheço as dificuldades e a existência de fórmulas praticamente imutáveis.

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