terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O que o mundo prometeu?

Coordenada por D'Alembert e Diderot, "Encyclopédie" foi elaborada entre 1751 e 1780. Com base nos ideais iluministas, filósofos pretendiam, através do saber, criar o "cidadão esclarecido".



O acúmulo de saber e uma educação norteada pela razão deveriam, de acordo com o projeto da Enciclopédia, fomentar a capacidade de raciocinar de modo autônomo e a responsabilidade própria. Essa imagem de mundo excluía tanto a superstição e o êxtase religioso como a repressão por um governante absolutista. Assim, a Enciclopédia foi uma obra-chave do Iluminismo, cujo projeto era, supostamente, libertar o ser humano da "dependência autoimposta", como formularia o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804).



O cidadão tornado responsável através da educação e do saber teria direito a participar das decisões políticas de sua sociedade. Na visão de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), esse "cidadão esclarecido" é tão abrangentemente educado, que pode se submeter ao "contrato social" sem abrir mão de suas liberdades pessoais. Esse ideal de uma "vontade geral" (volonté générale) influenciou numerosos pensadores e filósofos do século XVIII. E perdurou por muito tempo. Hoje, passados pouco mais de 250 aos da criação do projeto enciclopedista, a internet é creditada como a evolução da reunião de todo o conhecimento humano. Mas o que é o conhecimento humano? E um homem esclarecido?



Exatamente partindo destas questões que se pode hoje, questionar o ideal enciclopedista como forma única de alcance do saber.



De acordo com “grande parte dos teorizadores da ‘sociedade da informação’ – que partilha, com os iluministas, da crença otimista de que o conhecimento tem um caráter auto-formador e emancipatório, tende a pensar que mais informação leva, necessariamente, a um acréscimo de conhecimento. No entanto, para outros autores como Postman e Baudrillard, o acréscimo de informação não só não acarreta um acréscimo de conhecimento como conduz, mesmo, ao seu decréscimo; assim, e para citarmos a conhecida fórmula de Baudrillard, ‘estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido’, em que à ‘inflação da informação’ corresponde uma ‘deflação do sentido’. Segundo esses pensadores, essa deflação de sentido deve-se, essencialmente, ao fato da "explosão da informação".

Na sociedade pós Apple, Microsoft, hiperlinks e Midiática, não é muito difícil atolar-se em centenas de palavras, tidas como informação. Ao sair de casa, todos se deparam com uma série de letreiros sobre diversos assuntos. Aquele que não abrir a internet - ou para os mais tradicionais, o jornal – e não conferir todas as manchetes do dia, pode até ficar alheio em rodinhas de conversas. A opinião também é fundamental. Sem opinião sobre um assunto o homem moderno não é ninguém. Não é reconhecido pelo outro. Por temer esse não reconhecimento, todos de munem de diversas ‘informações’, cada vez mais. Tantas, em tão pouco tempo, que o sentido torna-se esvaziado. Sempre vale lembrar casos famosos noticiados pelos jornais de todo o país: “Menina Isabella”, “Eloá”, “Escola Base”. Todos eles têm na desculpa da rápida informação a base para a desinformação.

Na última segunda-feira, o site do jornal O Globo publicou a seguinte matéria:

Polícia Civil faz operação em Costa Barros



RIO - Uma operação da Polícia Civil com várias delegacias especializadas está na manhã desta sexta-feira no Morro da Pedreira, em Costa Barros. Dois veículos blindados e um helicóptero estão no local.

Resta a pergunta: que tipo de informação é essa?



O projeto enciclopedista criou uma idéia única de conhecimento, que dentro de seus preceitos, parece muito igualitária até. Entretanto, após anos de desigualdades, não é esse caráter emancipador que podemos ver através dela. Mas sim o exato contrário. Um ser informado, de acordo com os padrões do projeto de D'Alembert e Diderot, obviamente, atualizado para os dias atuais, de maneira alguma pode ser considerado livre e politicamente ativo. Basta olhar, por exemplo, para a articipação política dos jovens, hoje, nas universidades.


Além disso, aqueles que não se alinham à essa linha de pensamento são excluídos. Não é necessário, nem exemplificar com pessoas desprovidas da alfabetização, basta pegar alguém que saiba ler, mas que não se adapte a internet, por exemplo.

O que resta desta reflexão, é na realidade, o questionamento de um futuro sobre a matriz do conhecimento e seu conceito. Será que continuaremos a viver numa sociedade em que a informação não passa de números, ou um novo projeto menos excludente será criado? Mais quantas décadas serão necessárias para que se perceba que o projeto da enciclopédia, tal qual foi interpretado, não corresponde as necessidades de uma sociedade igual e melhor, que é o que buscamos. Afinal, é isso que o mundo nos prometeu.

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