segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Interligações

Por Beatriz Carrasco


“A Enciclopédia é uma reunião da informação disponível em sua época, e também uma vívida ilustração tanto da política como da economia do conhecimento”, afirma Peter Burke. É por essa importância que ficou na história a imagem das imensas bibliotecas, abarrotadas de livros e pessoas em busca de informações. Mas hoje esse quadro mudou. Os papéis foram substituídos, em grande parte, por bancos de dados na Internet, e as pesquisas são feitas por meio de cliques, sem a necessidade de se locomover.

Opiniões à parte, o fato é que a realidade agora é outra. E é justamente sobre essa transição da informação para os ambientes de rede que falam os textos de Paulo Serra, Olga Pombo e Antonio Hohlfeldt. Em “O projeto da Enciclopédia e seus registros sobre o Jornalismo”, Antonio Hohlfeldt faz um levantamento histórico a Enciclopédia de Diderot, de 1750. Por seu caráter ousado e inovador, que buscava disseminar o conhecimento, foi considerada “a obra suprema do Iluminismo”, e foi, inclusive, caçada pela Igreja Católica e alvo de processos do Parlamento.

O autor também menciona a novidade da enciclopédia que, além de trabalhar com os verbetes, utilizava a “referência cruzada”, ou seja, “um verbete poderia remeter, em seu interior, a outro verbete”. Esse recurso garantia a consulta multiplicada da obra, e talvez tenha sido a primeira manifestação do que, séculos mais tarde, veio a ser o hipertexto tão citado por Olga Pombo em “Enciclopédia e hipertexto – o projeto”. Isso é apenas mais um dos indícios de que o ser humano sempre sentiu necessidade de interligar os fatos e alcançar conclusões fundamentadas.

“Daí aquele cuidado, já mencionado, para que as ilustrações não apenas representassem o objeto, quanto o apresentassem sob diferentes perspectivas, seu modo de construção e operação, e sobretudo, seu funcionamento e utilização”, afirma Hohlfeldt. Nesse caso, percebe-se que não havia uma intenção de impor um conhecimento absoluto, mas abrir as portas para a reflexão. O autor ainda expõe as diferenças que alguns termos sofreram em seus significados ao longo dos anos, o que evidencia como os tempos mudam e modificam a percepção dos fenômenos sociais: “mudavam os tempos, modificava-se a percepção dos fenômenos sociais, e as enciclopédias registravam, como um fiel barômetro de temperatura”.

Muitos teorizadores da “sociedade da informação” acreditam, assim com os Iluministas, que quanto mais informação houver disponível para o cidadão, mais conhecimento ele terá. Porém, no texto “Informação e sentido”, de Paulo Serra, é defendida a ideia de que muita informação gera um decréscimo de conhecimento. “Estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido”, diz citação de Baudrillard no texto.

O excesso de informação que começou com a imprensa, hoje atinge seu ápice com a informatização. São diversos sites, blogs e publicações formais ou informais que desencadeiam em uma “bolha” de conteúdos. Mas toda essa bagagem muitas vezes não encontra o seu próprio sentido. É uma frequência tão rápida e ininterrupta de novos conceitos, que há a perda da reflexão sobre cada fato, para que estes encontrem seus próprios significados. Como afirma Serra, é “um mundo em que verdade, valores e normas se multiplicam até ao infinito, tornando impossível qualquer escolha fundada”.

Baseado na teoria de Baudrillard e Postman, o autor afirma que quanto mais se tem informação sobre algo, mais a representação fica distante do que é real. Segundo ele, “o mito da informação” (como aquelas geradas pelos enciclopedistas), propõe uma concepção plena do conhecimento, ou seja, algo fechado e pré-conceituado. Com os computadores, ainda há uma busca de registrar todas as informações, como se a máquina fosse a própria memória (para garantir a abundância de sentido das coisas). Mas construir a memória dessa maneira pode envolver contradições e, segundo o autor, gerar uma concepção errada do conhecimento, do sujeito e da própria memória.

Segundo D’Alembert, os conhecimentos humanos podem ser divididos em “conhecimentos diretos” (ou sensações), que recebemos de forma passiva, sem que a nossa vontade tenha influência; e “conhecimentos reflexos”, que são resultado da combinação e relação do espírito sobre os conhecimentos diretos. Sendo assim, o que a tecnologia da informação busca é algo como uma “memória artificial”, que garanta a abundância (e plenitude) do sentido das coisas.

Mas a grande questão é que essa “memória artificial” gera um pré-conceito sobre tudo, de forma que a memória humana não seja utilizada na interpretação dos fatos. O autor critica isso, e é incisivo ao afirmar que, mesmo que a memória humana seja finita, ela é a chave para a diversidade de sentidos. E não uma memória artificial, um banco de dados que pressupõe todas as interpretações.

Já em “Enciclopédia e hipertexto – o projeto”, Olga Pombo aborda a importância da Internet. Para a autora, o hipertexto é a última potencialização da ideia de enciclopédia. É o “saber perfeito” sonhado por Santo Isidoro quando criou a primeira grande enciclopédia cristã. Após introduzir o assunto, a autora logo lança a questão: “é inevitável perguntar: será que a nossa experiência da unidade dos conhecimentos através da Internet tem mesmo a condição de uma enciclopédia em regime de ligação virtual infinita?”. Ela afirma que o hipertexto é “o limite ideal da enciclopédia”, e que são essenciais as informações da enciclopédia no ambiente virtual, com seu “vai e vem” de conteúdos.

Ao apontar que não há muito estudo sobre essa relação, Olga comenta que a enciclopédia é o que está mais próximo ao hipertexto, e indaga sobre como ambos se relacionam. Ela é idealizadora ao tratar sobre o tema, já que sua visão é a de que o hipertexto é a máxima do conhecimento. Por outro lado, Paulo Serra parece muito catastrófico ao defender que a concentração de informações pode gerar uma falta de sentido absoluta. Talvez um meio termo seja o ideal. Utilizar a enciclopédia virtual como mais uma fonte de pesquisa, já que a própria Internet, por si só, já abre diversas portas e fontes. Por isso, segundo Olga, o hipertexto, que interliga os fatos, é dinâmico e fundamental: “sabemos que a enciclopédia se constitui na e pela pretensão à exaustividade, à cobertura do saber adquirido pela humanidade até um determinado momento. Por seu lado, o hipertexto está marcado por uma inexorável abertura à promessa de um saber em permanente crescimento”.

Outro contraponto nessa discussão é o texto “Funes, o memorioso”, de Jorge Luis Borges. Com linguagem rebuscada que faz oposição à adotada na Internet, o autor cita instrumentos de comunicação como o livro e o telégrafo. É uma ideia diferente da agilidade à qual temos acesso nos tempos atuais, com os hipertextos e bancos de dados. Apesar de a linguagem ser mais densa, há um cunho muito reflexivo, com cuidado para lidar com a própria linguagem. Hoje, apesar do grande acesso à informação, muitas vezes acaba-se esbarrando com o problema da credibilidade das fontes.

Por meio das novas tecnologias, a informação alcança o mundo inteiro, a qualquer momento. Porém, como destaca Paulo Serra, é preciso ficar atento para que o fluxo excessivo de informações não faça com que haja uma perda geral no sentido das coisas. A conexão por meio do hipertexto é um meio de contribuir para a assimilação dos fatos, mas não se pode enxergar as informações disponíveis na rede como verdades indiscutíveis. Absolutismos são becos sem saída, que impedem a reflexão, o avanço no campo do pensamento e, acima de tudo, no próprio desenvolvimento racional do ser humano.

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