terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Rede ou teia de aranha?

Filippo Cecilio

Para aqueles que sempre defenderam a democratização das comunicações, a internet poderia representar a consolidação de todas as utopias. Um espaço ilimitado para produção e divulgação de conteúdo, com acesso garantido a qualquer pessoa que tenha condições tecnológicas para tanto. Contudo, a constituição da esfera pública perpassa diversas outras questões e interesses (econômicos, políticos, ideológicos) que não permitiram que a internet se consolidasse como esse espaço emancipador da informação.

O surgimento da rede que interliga os computadores de todo mundo serviu para botar por terra o poder antes concentrado nas mãos dos donos das empresas jornalísticas. Com o fim da esfera pública e a valorização cada vez mais aguda do individualismo, o homem contemporâneo perdeu a real noção de seu papel enquanto agente transformador de sua realidade. Essa solidão que sentimos mesmo no meio de uma multidão é reforçada diuturnamente pelo fascínio hipnótico e veloz exercido pelos meios de comunicação. Essa concepção estetizada da vida ganha força no imaginário coletivo criado dentro do que Guy Debord definiu como "Sociedade do espetáculo". Trata-se da já conhecida sociedade de consumo apoiada no alcance dos meios de comunicação. O espetáculo acaba por assumir a forma de ser da sociedade do consumo.

Trata-se da aparência que confere algum sentido a essa sociedade esfacelada. É o mais alto grau de evolução do fetichismo da mercadoria - que faz a ligação direta entre felicidade e capacidade de consumo. Debord diz que os meios de comunicação são a "manifestação superficial mais esmagadora" dessa sociedade do espetáculo, que torna os indivíduos infelizes e solitários no meio da massa de consumidores. A relação entre os homens e os avanços da tecnologia vem se modificando a uma velocidade infinitamente maior do que nossa capacidade de compreensão. Justamente por isso os meios de comunicação vêm sofrendo tanto para se adequar às novas demandas e encontrar seu lugar nessa convergência sem fios de mídias. O principal seria encontrar um sentido nisso tudo, mas a postura de se deixar levar pela maré que os veículos adotaram está distante disso.

Essa quantidade de informação recebida mais atrapalha do que de fato contribui para a formação de um senso crítico nos cidadãos. Não há tempo para reflexão, ponderação. Mal se acaba de digerir um fato, já vêm mais outros tantos, simultaneamente, para serem codificados e armazenados em nossos cérebros. Cria-se assim uma amnésia. Se o que interessa é a novidade - produzida em ritmo cada vez mais frenético - o receptor abandona qualquer crítica para sempre estar pronto para a próxima notícia. E essa falta de tempo para entender os fatos apresentados estimula a repetição de clichês, preconceitos e concepções já formadas.

Jeremy Rifkin, no livro “A era do acesso”, afirma que o capitalismo está se reinventando na forma de redes e começando a deixar os mercados para trás. "No processo, novas formas de poder institucional estão se desenvolvendo, e se tornando melhores e potencialmente mais perigosas que qualquer coisa que a sociedade tenha experimentado durante o longo reinado da era do mercado". A teoria dele afirma que o ato de alienação da propriedade - ou seja, a troca negociada entre vendedor e comprador -, cerne do que constitui um sistema de mercado, está se tornando menos freqüente nesse mundo virtual de nossos dias. Aproveitar o acesso de curto prazo é mais importante que comprar a ter posse de longo prazo. Transformar um relacionamento entre partes em commodity para acessar e partilhar propriedades tangíveis e intangíveis é a essência da abordagem baseada em rede à vida comercial. Esse avanço dos meios de comunicação e tecnológicos não é algo deslocado da realidade. O pensamento neoliberal vem à cena para consolidar a agenda conservadora, retraindo a ação do Estado em favor das grandes corporações e do fluxo livre de capitais, abalando os sindicatos, disseminando o desemprego, rebaixando a massa salarial e concentrando a renda. Não foi pequena a epidemia mundial das privatizações, das reengenharias, das flexibilizações e das megafusões entre grandes empresas.

Passa a prevalecer a auto-regulação do mercado, sem intervenção estatal, o que fortalece o livre jogo das forças do mercado e das finanças internacionais e enfraquece quaisquer mecanismos de proteção à economia nacional ou às garantias dos trabalhadores. Concomitante ao advento do neoliberalismo veio a Revolução Microeletrônica - extrema magnitude e aceleração - que reconfigura um universo de possibilidades e expectativas e leva à imprevisibilidade, presentificando o horizonte de perspectivas.

Os argumentos que vêm em favor desse rearranjo enfatizam o que é caracterizado como sendo seus aspectos positivos: a difusão de idéias e informações, a atualização e transferência das tecnologias, o rebaixamento dos custos das mercadorias e a ampliação das opções para os consumidores. O tecnicismo exacerbado aboliu a crítica. Porém, a crítica repensa, faz um juízo dos avanços e, sem ela, novos avanços não aconteceriam. Quando, nesse efeito loop, a crítica é minada, a identidade daquela comunidade se perde. O imediatismo e as inovações tecnológicas colocados numa velocidade atroz tornam a crítica cada vez mais escassa e menos profunda, restando aos indivíduos às perspectivas limitadas, à técnica e à liberdade de escolha de consumo.

Essa nova sociedade, ao mesmo tempo em que emancipa, aprisiona. A alteração no padrão de comportamento imposto pela mecanização muda os valores da sociedade, e como é tudo tão veloz e todos estão ocupados, praticamente ninguém conhece ninguém e a forma prática de identificar e conhecer os outros é a mais rápida e direta: pela maneira como se vestem, pelos objetos simbólicos que exibem, pelo modo e pelo tom com que falam, pelo seu jeito de se comportar.

Ao se analisar a atual crise econômica deflagrada pelo mercado imobiliário, percebe se o efeito looping - período em que a crítica, elemento essencial para o avanço, é deixada de lado e o que se nota são medidas tomadas em cima de erros (sem a menor reflexão), que por sua vez resultam em novos erros e medidas. Na fase de progresso econômico e tecnológico, até o rebente da crise, o sistema neoliberal era maravilhoso, auto-regulatório, passível de absorver as mais gritantes contradições.

Os bancos, depois de muito jogar com "dinheiro a receber" (hipotecas), percebem que os compradores a crédito não têm como pagar suas dívidas e vêm todo o capital especulativo se dissolver, se deparando apenas com os "papéis podres" (hipotecas impagáveis) e com retração de liquidez. O frenesi do mercado especulativo incitou a reflexão em torno da economia neoliberal, rompendo com o looping e dando margem a novas perspectivas táticas. Temos, portanto, as maiores e melhores razões para refletir criticamente sobre os descaminhos da técnica.

Aliado a isso, o obscurecimento das referências de tempo e espaço em conseqüência da globalização tende a minar as culturas regionais. Todos os produtos e mercadorias transitam pelo globo, de um lado a outro, chegando às mais diversas culturas. Poderia ser interessante, não fosse o fato de que a indústria cultural se limita a disseminar o pensamento imperialista ocidental, com seus valores e práticas que não permitem desvios de interpretação e conduta. Assim, com a disseminação hegemônica do "american way of life", sobra pouco espaço para as culturas regionais e suas particularidades.

O advento da tecnologia como nova teoria do conhecimento científico atende às necessidades do homem em controlar seu mundo, prever fatos e acabar de vez com seus medos. Esse mesmo mundo que antes mantinha uma relação de troca passa a ser o mundo ameaçador por ser desconhecido em seu todo, daí então, dá-se a necessidade de dominá-lo e o usá-lo em próprio favor. O uso da tecnologia para obtenção de recursos naturais, bens de consumo e lucro, tem seu preço. A função humana nas indústrias se reduziu, limitando-se a pouco (nada) mais do que produção, manutenção e programação das máquinas, resultando em desemprego (demissões em massa).

As ocupações restantes exigem muito dos funcionários, que têm de se especializar cada vez mais. A tecnologia é usada como estrutura de funcionamento, nos termos relacionados aos meios de produção. Nesses casos não há uma referência feita ao produto final, mas sim as estrutura e ao sistema pelo qual o produto passa antes de ser finalizado. Com essa lógica de eficácia, surge uma sociedade voltada apenas ao que é funcional e que órbita ao sistema de consumo, eliminando as utopias e ideologias por não desempenharem papéis no novo sistema funcional e consumista.

No caso dos países ditos de Terceiro Mundo, a justificativa dada pelos funcionalistas (profetas da tecnologia) para suas problemáticas, limita-se não apenas ao atraso tecnológico, mas dá-se por uma razão mais crítica: as culturas desses países de Terceiro Mundo caracterizam-se como não-funcionais. São povos que não possuem estruturas suficientes (pensamento funcionalista) para se adequar as novas tecnologias.

A transição de subdesenvolvimento para desenvolvimento significaria não somente a implantação da estrutura funcional da tecnologia através de um processo de industrialização, como também a destruição de uma cultura que nem pode resistir nem pode subsistir lado a lado com o estilo de vida funcional. Vemos, portanto, a estreita relação entre globalização, tecnologia, cultura hegemônica e a desumanização das relações entre os homens como conseqüência.

Cada vez mais as pessoas se isolam umas das outras seja por competitividade ou pelo medo - estimulado - da violência. A internet, portanto, neste início de século XXI, seria a consolidação do ideal iluminista de Diderot e D'Alambert, que imaginavam a escrita como instrumento para o registro de toda a produção cultural humana. A quimera iluminista de armazenar o conhecimento humano acumulado em um livro, assim como os meios de comunicação que prevaleceram até o surgimento da revolução tecnológica, encontra enfim seus limites.

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