sexta-feira, 3 de abril de 2009

O Que São Crises Econômicas?

O mundo capitalista enfrenta uma enorme crise, algo já ocorrido em outros momentos. Tais situações chegaram a ser previstas como o fim deste sistema, não somente por aqueles que queriam a substituição da atual forma de vida baseada no capital, mas também por seus ardorosos defensores. Estes últimos elaboraram formas complexas de defesa do sistema, mecanismos de recuperação e reconstrução do capitalismo.
Talvez John Maynard Keynes tenha sido o mais eficaz analista e propositor da reestruturação do sistema. Suas propostas foram voltadas para encontrar uma saída da crise de 1929, a mais grave já enfrentada pelo sistema capitalista, tanto por sua dimensão mundial, como por sua duração.
Keynes tinha clareza da tarefa e dos riscos existentes ao afirmar que a ação deveria ser imediata, pois “no longo prazo todos estaremos mortos”, frase que ficou famosa e que marca a passagem para uma nova forma de economia política e acadêmica. O Estado torna-se o estabilizador do sistema e o regulador das atividades econômicas, além de ser o instrumento corretivo de disparidades sociais. Esta última função visava expandir o consumo (o que garantiria o funcionamento normal do mercado) e afastar a possibilidade de revoluções sociais.
As crises ameaçam a todos. A tarefa de debelá-las surge como função de salvamento coletivo. Mas o que são as crises? Na verdade, devemos tornar preciso o termo: estamos falando de crises econômicas; porém, por vivermos em uma época de domínio da economia sobre todas as outras esferas da vida humana as crises econômicas tornam-se crises gerais, que afetam todas as dimensões da existência.
As crises econômicas são crises do mercado capitalista, de suas estruturas organizacionais, como as empresas e o Estado, seu organizador e planejador geral. Tais crises provocam efeitos destrutivos sobre a vida das pessoas, desorganizando sua participação regular no mercado capitalista, sendo que tal participação é a única forma aceita de vida coletiva. A vida coletiva é a vida no mercado como agente “econômico”, como membro da produção e do mercado consumidor.
O fato de a vida coletiva ser dirigida para o mercado e mantida no mercado torna as crises econômicas um indicador de que seus efeitos serão expandidos para todas as esferas da vida humana. Constatamos assim a dependência das nossas existências para com o mercado e suas estruturas. As crises econômicas parecem ser os únicos momentos perturbadores da existência. Porém, tais crises são os momentos perturbadores do funcionamento regular do mercado capitalista, são crises do mercado capitalista e de suas estruturas essenciais (empresas e Estados).
Esta é uma confusão comum, mesmo entre os que lutam contra o sistema capitalista; sua luta parece ser compreendida unicamente como oriunda das crises econômicas e de seus efeitos sobre os seres humanos. Devo ser mais claro: as crises econômicas são períodos de crise do sistema, algo como períodos produzidos por sua própria dinâmica; as crises são periódicas e fruto da sistemática interna do capitalismo. Tais crises provocam o aprofundamento da crise humana, aceleram a dependência dos seres humanos diante do mercado, desagregam os mecanismos de inserção na estrutura de mercado, descartam pessoas da produção e do consumo.
A luta contra o capitalismo também ficou dependente do funcionamento do mercado e da luta contra os efeitos provocados por suas crises recorrentes. Porém, mesmo nos períodos “luminosos” do mercado e de suas empresas, em suas eras de crescimento, há uma crise maior e mais profunda. Esta outra crise é decorrente da própria existência do capital como forma central da vida humana. O mercado dominador das relações entre as pessoas, como forma principal da vida coletiva humana é a própria crise essencial.
A partir deste prisma não importam os momentos do capital, seja no crescimento ou na crise, estamos inexoravelmente afundados na crise coletiva humana. Este fato se tornou mais perceptível com a crise ecológica, com os graves problemas ambientais que se acumulam. Neste momento tornou-se visível que o capital e seu sistema, o capitalismo, são incompatíveis com a vida planetária. Porém, ela é anterior e surge no momento em que o capital estabelece a sua dominação. Rousseau percebeu isto ao criticar a sociedade comercial em sua obra “Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens”.
A crise humana é decorrente de termos que depender diretamente das formas de mercado para vivermos ou sobrevivermos. A crise humana se tornou permanente com o domínio do capital, das empresas, do Estado sobre a existência. Os momentos de ascensão destas formas não diminuem a crise humana, antes a acentuam por perpetuarem a dominação. Os momentos de crise são momentos onde os problemas humanos ocultados transparecem, fazendo parecer que surgiram nas crises “econômicas”, mas não, são apenas indicativos da dependência em relação ao mercado e ao capital. Resolver as crises econômicas apenas manterá a crise humana fundamental.
Marx percebeu este mecanismo e lutava contra a crise humana fundamental desde suas primeiras obras, mantendo a mesma visão em suas obras centrais, como “O Capital”, os “Grundrisse”, “Para a Crítica da Economia Política”, “Mensagem da Direção Central” de 1850, ou “Crítica ao Programa de Gotha”. Marx não defende a luta contra as crises capitalistas e seus efeitos sobre as camadas trabalhadoras, mas a eliminação do sistema capitalista. Seu esforço de compreensão do sistema não era decorrente da tentativa de achar suas falhas “econômicas”, mas de demonstrar sua incompatibilidade fundamental com a existência humana. Por isso, a demonstração de que a finalidade do capital era o movimento tautológico, de círculo vicioso, do dinheiro sobre si mesmo, ou de produção para a reprodução do capital. Este é o ponto central: as crises são momentos em que a reprodução do capital e o movimento tautológico do dinheiro encontram limites, mas Marx combate o próprio mecanismo, não apenas seus momentos de crise.
Surge uma tarefa filosófica: tornar possível a superação da crise humana. Por isso Marx se refere a ela nas “Teses sobre Feuerbach” como “realização da Filosofia”, ou critica Hegel por não conceber a superação do sistema como a tarefa da Filosofia, mas unicamente buscar eliminar os conflitos do “sistema das necessidades” (capitalismo) com o Estado racional. Marx não nutria esperanças acerca do Estado.
Eliminar a crise humana e extinguir o capitalismo é a única solução para a crise humana. Tal eliminação deve ser pensada filosoficamente, mas este é um tema para outro dia.

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