terça-feira, 28 de abril de 2009

Invisível para quem?

“Deixa Rolar”, é o que diz a economia clássica e o ideal neoliberal. Para essa gente – entre os quais hoje encontramos geralmente políticos, banqueiros, especuladores, empresários e boa parcela da classe média que mora em condomínios fechados e serve sopa para os mendigos aos fins de semana – a economia se auto-regula e tende sempre a nivelar a balança dos preços, da produção, dos salários, da vida. Foi nesse sentido que evoluiu a economia mundial até o ponto em que o Estado passou a ser um entrave real à produção e ao comercio, como já se previa, e os países se articulassem num maravilhoso shopping mundial que poderíamos chamar de “globalização”.
Engraçado notar-se que para chegarmos até aqui o caminho fora árduo, de crise em crise, desemprego em desemprego, inflação em inflação. E nesses casos o Estado sempre reaparecia como alternativa à tormenta, o que sucedeu-se, por exemplo, com a crise de 1929, quando a famosa política do “New Deal” nos Estados Unidos fortalecia o Estado e canalizava os investimentos, no Brasil nosso implacável presidente Getúlio Vargas comprava e queimava sacas de café excedentes para manter satisfatórios os preços do produto no mercado mundial. A mão invisível que nos carregava em uma bandeja de repente sumia dos discursos liberais, quando na verdade essa mão estava era no bolso dos empresários calculando o quanto ainda tinha sobrado de recurso.
Foi através desses contraditórios curativos que atingimos essa situação econômica tão colorida dos dias de hoje, situação que, pasmem, acaba de entrar em crise, e por incrível que pareça está clamando novamente pela intervenção estatal, com pacotões aos bancos e tudo o que eles tiverem direito. O processo que nos trouxe até esse panorama esta sabiamente desconstruído no texto “Perdedores Globais”, de Robert Kurz, onde o autor nos apresenta a evolução do capital produtivo desembocando numa economia mundialmente integrada, e atenta para um crise teórica e a necessidade de revisão de certos conceitos.
O que Kurz nos conta é como transferiu-se o modelo de produção de uma fábrica do século XVIII - quando o Estado ainda tinha papel crucial na economia nacional - para um nível mundial onde também existem graus hierárquicos do tipo patrões/empregados, dominadores/dominados. Basta notarmos a divisão que se estabeleceu hoje entre as economias do países industrializados e dos emergentes, os primeiros detendo a produção e o capital, e os segundos tendo que transformarem-se em fontes de mão-de-obra barata e baixos impostos. Isso se deu pela desarticulação das forças estatais proporcionada pela globalização – encabeçada obviamente pela filosofia neoliberal e sua mão invisível –, através da qual países do terceiro mundo não podiam competir com o capital internacional altamente industrializado, que forçava incisivamente sua entrada nesses territórios. E ai de quem se recusar a seguir o modelo, ou através da política ou pela recusa pura e simples, afinal já se consolida uma situação de dependência econômica como diz Kurz: “Quando a política deseja impor limites à ação desenfreada do mercado, as empresas globalizadas logo ameaçam com um “Êxodo do Egito””.
O resultado desse processo foi a exacerbação das divergências sociais em níveis mundiais: não só podemos ver hoje os contrastes sociais nas ruas, como, por exemplo, a restrita parcela abastada da população brasileira dentro de seus carros importados ao lado de meninos de rua vendendo chicletes; mas também notamos que no âmbito internacional encontram-se os ricos países desenvolvidos e industrializados contrastando com os pobres países fornecedores de salários baixos e isenções fiscais.
Assim se dá a contradição teórica que se pode extrair do texto: nesse panorama de um mercado global onde as disparidades se agravam em vários níveis e países inteiros se vêm forçados a abrirem as pernas para o mercado, quem paga pelas crises? A mídia diz que a crise atual, a exemplo, fora desencadeada por consumo desenfreado, mas quem nos manda consumir afinal? E a solução, está sempre em reestruturar o modelo usando os mesmos processos, como o ressurgimento redentor do estado injetando dinheiro naquilo que sabemos que vai gerar outra nova crise no futuro? A mão invisível só é invisível para quem paga o preço desse modelo retrógrado.

Otávio Silvares

Nenhum comentário:

Postar um comentário