sexta-feira, 19 de junho de 2009

“Perdedores Globais” – uma análise

por Alexandre Morais

Dentre tantas conseqüências negativas que a recente crise econômica mundial pôde infligir, ela trouxe algo notável para nós, que é a capacidade de refletir sobre sua irracionalidade. Kurz, em seu ensaio “Perdedores Globais” nos disse isso de forma provocativa ao definir pontos importantes para analisar parte dos parâmetros em que está situada uma grande promessa de integração mundial, mas que em pouco tempo comprovamos ser grande responsável pela crise atual: a globalização.

Inicialmente, as empresas são vistas pelo Estado como pessoas jurídicas que, como qualquer pessoa física, precisa repassar parte de seus lucros por meio de tributos para que se possa dar ao governo condições de prover estrutura para que tanto empresas como pessoas usufruam de um equilíbrio social calcado no desenvolvimento. Puxando por essa premissa, as empresas também teriam um papel social por produzir para uma população local aquilo de que esta necessita, suprindo as necessidades que uma sociedade sistematizada impõe, tornando-a auto-sustentável.

Porém, a partir do momento em que não houve limites para a acumulação de capital por parte dessas empresas e também por estas terem visto seu crescimento além de sua delimitação local, combinado com a troca de mercadorias que já ocorria entre locais distantes desde o século XVI, as indústrias passaram a atuar de maneira mais influente e sem limitações a ponto de caracterizarem um sistema que não seria coerente sem elas. O sistema que conhecemos consolidou-se no século XX, quando o dinheiro, o trabalho e os produtos passaram a ser administrados em escala global, idéias associadas ao imperialismo já não têm fundamento uma vez que essa internacionalização não age mais em prol de uma sociedade apenas, mas de uma classe internacional de pessoas que gere e se beneficia desse sistema, mas que é numericamente inferior aos bilhões sujeitos a todo tipo de efeitos que este sistema impõe. O primeiro deles é a concorrência, que sujeita os trabalhadores a ocupar espaço no mercado recebendo valor abaixo do justo, muitas vezes sendo insuficiente para promover sua emancipação social ou até para lhe dar acesso a direitos básicos como ser humano, logo, a cidadania é a primeira a ser violada.

Outro fator da globalização que causa efeitos danosos é a fluidez que estas multinacionais têm de não se fixarem em um país, podendo ter seus setores divididos em várias partes do mundo e, ao sinal de uma leve restrição ou aumento de impostos do Estado, mudar-se para outro local em que possam barganhar mão de obra barata sujeita a quaisquer condições de trabalho. Além disso, a racionalização do trabalho diminui consideravelmente o número de pessoas no mercado, deixando à margem desse modelo uma imensidão de indivíduos que por não poderem gerar renda, também não podem consumir. Aí reside uma contradição em que alude à globalização a um edema, pois a mesma tem propriedades que a prejudicam, já que seu desenvolvimento em curto prazo está atrelado ao seu declínio que ocorrerá a médio ou longo prazo. A crise então marca esse declínio, já que, em sua origem, afetou o mercado imobiliário dos Estados Unidos quando os bancos abriram crédito aos subprimes, essa parcela de baixa renda que originou uma onda de inadimplência que desregulou a economia. Seria uma crise interna se os bancos que financiaram os créditos não tivessem vendido essas dívidas para outras empresas pelo mundo que, por sua vez, não receberam o retorno de seus investimentos e entraram em processo de recessão, tendo que cortar gastos, ou seja, demitir mais gente. Dessa forma, o maior produto que essas multinacionais produziram dentro desse padrão econômico foi a pobreza e a acentuação da miséria. Essa crise é justamente um pouco do que pode ocorrer em escala maior.

O Brasil, por exemplo, está diminuindo impostos sobre os produtos para que esse desconto seja repassado ao consumidor final, acreditando que o aumento no consumo irá aquecer a circulação de capital na máquina econômica. Mas tal medida irá acarretar um recolhimento menor desses impostos, que não suprirá as demandas da sociedade na questão da infra-estrutura, em poucas palavras, menos dinheiro para a saúde, a educação, segurança entre outros, que já são insuficientes para garantir condições aceitáveis e que agora terão menos repasse de verbas do governo. Para quê? Para garantir os poucos trabalhadores empregados e manter o lucro de quem é responsável pela crise. Em contrapartida, o país é duramente implacável com o pequeno empreendedor e, sobre ele, desfere uma saraivada de impostos e não dá nenhum incentivo ao crescimento do pequeno e médio negócio, contribuindo para os autos índices de mortalidade dessas empresas, comparável apenas à mortalidade de pessoas que sofrem da segregação econômica, os perdedores globais.

Com essa produção em massa de desempregados, para quem as empresas venderão seus produtos? Como serão chamados os filhos da crise, de subprimes? É daí que parte o questionamento à atual economia, pois ela não está indo de encontro ao bem comum, sendo incoerente admitir que esta seja a única forma de gerirmos nossas vidas em uma sociedade mais competitiva para o mercado e menos seletiva ao rumo que quer tomar para si.

Portanto, quando se fala em crítica globalizada, Kurz nos propõe uma outra forma de pensar inspirados no mecanismo da globalização. Não há retorno deste panorama, pois o mundo está entrelaçado economicamente o que, por ora, é a única forma de nos redefinirmos. Contudo, os efeitos que o mercado está sofrendo fazem eco a pensadores como Marx e a importância da crítica que está sendo avivamentada, configura assim algo que é peculiar em crises, especialmente nessas proporções, de que é hora de por em cheque o sistema então vigente.

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