quarta-feira, 24 de junho de 2009

A crise americana, Obama e os bancos

Por João Villaverde

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, propôs hoje a reforma do sistema financeiro americano. É o primeiro conjunto de reformas feitas no setor em mais de dez anos e cumpre a promessa de Obama de aumentar o rigor da fiscalização do governo sobre o sistema financeiro.

As reformas que Obama anunciou já foram consideradas pelo The Wall Street Journal como "a mais abrangente reorganização dos mecanismos de supervisão do mercado financeiro desde os anos 30". Embora o jornal seja francamente conservador, a análise faz sentido.

A última vez que um governo americano mexeu pesado nas regras do sistema financeiro foi em 1999, quando os democratas sob o governo de Bill Clinton revogaram uma lei dos tempos de Franklin Roosevelt (o Glass-Steagal Act). Essa lei fazia parte dos planos de Roosevelt de "chegar junto" nos banqueiros: delimitava que bancos comerciais eram uma coisa e bancos de investimentos outra. Ambos teriam regras e seriam fiscalizados pelo governo, mas, evidentemente, suas normas básicas seriam distintas, porque as operações são distintas.

A partir dos anos 80, no entanto, as coisas começaram a mudar. Aos poucos, as regras foram se tornando brandas e a fiscalização frouxa. O governo de Ronald Reagan iniciou a política que seria colocada em prática no resto do mundo e viraria mantra: o Estado deveria ser mínimo. Diante do poder supremo dado aos mercados - e dentre eles, o financeiro ganhando proeminência sobre todos os outros setores - ao governo cabia interferir menos possível. Cortaram pessoal, diminuíram as regras e os bancos de investimentos foram surfando a onda do neoliberalismo.

Faltava, ainda, o Glass-Steagal Act. Após pesada artilharia contra a regulação "dos anos 30" (repetido de maneira pejorativa, associada ao passado), os democratas (quem diria!) revogaram a lei, permitindo assim, que os bancos comerciais operassem nos mercados de investimentos. Com isso, o pouco de fiscalização que ainda existia foi pro beleléu. Os bancos podiam fazer toda a sorte de apostas porque tinham a legislação dos bancos de investimentos como guarda-chuva. E, se por um acaso, os investidores de suas ações reclamassem dos segredos, eram igualmente fácil: bastava adulterar balanços.

E toda essa festa ganhava nota AAA das agências de classificação de risco. A coisa toda começou a explodir a partir de julho/agosto de 2007, ficando pesado em março de 2008 e finalmente criando uma crise econômica mundial a partir de setembro do ano passado.

Há muito a ser feito nos Estados Unidos. O déficit público é enorme, os chineses dominam boa parte da dívida externa americana, os consumidores e empresas estão endividados (dívida privada) e o crédito, que começa a ressurgir, não anima ninguém. Há toda uma mudança de sistema, de cultura, de costumes e de ideologia a ser feita.

Será feita? Provavelmente não.

Mas, ao menos no sistema financeiro, muita coisa está acontecendo. E é justamente nesta arena que se inserem as mudanças anunciadas hoje por Barack Obama. Sua reforma vai atingir praticamente todo o sistema bancário, desde a forma de concessão de créditos imobiliários até a maneira de negociar instrumentos financeiros exóticos. No centro deste conjunto de medidas está a alteração da área de atuação do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), tornando-o mais poderoso.

O Fed passará a supervisionar as maiores empresas do setor financeiro, dando ao governo o poder de fechar ou desmembrar companhias importantes para o sistema e de criar um novo órgão regulador para os produtos financeiros voltados para pessoas físicas.

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