quinta-feira, 18 de junho de 2009

Fundamentalismo às avessas

Ao ler Keynes, “Teoria econômica keynesiana e a Grande Depressão”, pude reconhecer alguns pontos comuns entre sua política e pensamento econômico e outros raros textos que tentam interpretar a crise atual de maneira aprofundada.
Entender a crise como parte do ciclo de crescimento e lucro do sistema capitalista é, talvez, optar por uma posição mais realista do que abarcar o sentido otimista próprio desta compreensão. Isso porque a contradição, que não deve ser descartada como enfatiza Robert Kurz, está presente na teoria de Keynes. Segundo ele, o capitalismo só é viável se possuir um fluxo circular e para tanto, é preciso que haja rendimento e a distribuição deste, no entanto, seria igualmente recomendável a existência de poupança como parte de renda, o que cria obstáculos na circulação. Caso não haja equilíbrio entre os dois requisitos, é hora do Estado intervir ou concentrar capital através de uma crise iminente.
Joseph Stiglitz é um dos especialistas nomeado pelo presidente da Assembleia Geral da ONU para o estudo de reformas no sistema monetário e financeiro internacional, e em uma publicação divulgada pelo site CartaMaior, expõe uma análise um tanto defensiva, por não aceitar o fim da política de mercado, contudo, bastante dedicada em identificar a ineficiência do mesmo como auto-regulador.
Embora sua conclusão não aponte nenhuma mudança significativa, Stiglitz inicia seu texto afirmando a necessidade da crise e a certeza de que esta, como outras, deixará o seu legado. O que parece remeter a Keynes é justamente a ideia de que a atual crise econômica faz parte de um ciclo e que no auge da economia neoclássica e liberal que a antecedeu, do capitalismo selvagem estadunidense, esta ruptura possibilitou novas discussões e a retomada de outras leituras. Foi necessária a intervenção do Estado e comprovada a insuficiência do “fundamentalismo do mercado”.
Empresas orgulhosamente privatizadas hoje precisam do apoio estatal, o livre comércio não se auto-regula, não se sustenta em uma situação de crise, como ditaram fielmente os liberais. Acabou o “Consenso de Washington”. Trata-se de uma hipocrisia reproduzida pelos paises ocidentais que majoritariamente comandaram a política do livre comércio. Um fundamentalismo às avessas.
Não afirmo com tanta propriedade outras políticas econômicas, mas acredito no olhar necessário sobre as transformações que as envolvem, as quebras, as dificuldades e inabilidade de um sistema visceralmente explorado e predominante nos últimos anos, declarado único após a Queda do muro de Berlim.
A discussão ou a falta dela sobre a crise me parece pertinente como pauta para além de questões econômicas, para uma compreensão maior sobre a política, o desenvolvimento, a globalização, o problema ambiental, a sociedade e suas crenças tão abaladas atualmente. Justamente porque as certezas devem ser abaladas, devem ser questionadas e nem sempre superadas por elas mesmas.
A teoria keynesiana recria este debate e novamente encontra seus adeptos e críticos. Os que a defendem buscam a solução para o sistema econômico internacional, enquanto a crítica parte da semelhança entre Keynes e os próprios neoliberais. Sua ideia de fluxo circular, processo de falência seguido de acúmulo de capitais, poupança como concentração de renda, não deixa de se aliar ao que pretende o livre comércio, segundo o cientista político José Luiz Fiori, pois são “estratégias complementares e indissociáveis”. Para ele, é mais uma posição articulada por povos de língua inglesa que monopolizam a moralidade internacional. Keynes seguido de Margareth Thatcher e Thatcher seguida de Keynes.
As relações entre Keynes e novos autores são importantes para concluir que aliada ou não ao liberalismo, sua doutrina entende a natureza cíclica da crise, sempre precedida por períodos de grande expansão econômica, como foi o caso da Grande Depressão, da década de 1970 e do momento atual. O entusiasmo de Stiglitz ou o alerta de Fiori somente ilustram a relevância da intervenção do Estado, defendida pelo britânico. Uma prova retomada de que a crise é necessária não pelo sentido positivo (sinalização de próximo crescimento), mas pelo sentido real de que a “mão invisível” não basta e sem seu fracasso não seria possível o conhecimento sobre um mundo insustentável como o do capitalismo máximo.

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