sexta-feira, 19 de junho de 2009

Diversidade Contra a Crise


O texto Perdedores Globais do livro Os Últimos Combates de Robert Kurz apresenta uma visão crítica do que o autor coloca como a face mais preocupante e extrema da globalização. Ele ressalta que desde o início do século XX a exportação de mercadorias foi acrescida da exportação do capital, modificando para sempre a economia mundial e transformando a antiga “economia política” em “política econômica”.

Para explicar melhor esse ponto de vista Kurz cita como exemplo as empresas de automóveis. Quando a Ford e a Volkswagen por exemplo passaram não só a exportar seus produtos, mas também a investir e construir fábricas nos países a que as mercadorias se destinavam, tornaram-se multinacionais. Esse processo provocou uma gradativa emancipação do sistema de crédito em relação ao controle dos bancos nacionais. Segundo a empresa de consultoria McKinsey, em 1997 (ano em que o texto foi escrito) 5% do capital alemão estava globalizado, número que deveria atingir em breve os 25 ou 30%.


Pode-se perceber então a formação de uma nova divisão de trabalho dentro das próprias multinacionais. Não se trata mais de exportação ou importação e sim de “produzir onde os salários são baixos, pesquisar onde as leis são generosas e auferir lucros onde os impostos são menores”, segundo a revista alemã Wirtschaftswoche.

Mas este oportunismo econômico, como não poderia deixar de ser, tem conseqüências para as quais Robert Kurz nos alerta. Enquanto a economia privada avança todos os limites, o Estado permanece restrito às fronteiras territoriais. As empresas estatais, consideradas pouco lucrativas para os padrões internacionais, passam a ser desativadas ou privatizadas (compradas por multinacionais). Assim, o lucro que deveria estar voltado para o desenvolvimento interno, torna-se capital estrangeiro globalizado e o país que perdeu sua estatais tenta atrair de volta o capital (agora estrangeiro) com a redução de impostos e outras regalias.

O resultado é a difusão de uma mentalidade voltada para a integração ao mercado mundial em contraste com um número cada vez menor de pessoas que conseguem fazer parte economicamente desse mesmo mercado. A liberalização excessiva que vivenciamos ao longo das últimas décadas, acrescida da globalização, cria fluxos de capital que “desviam” os investimentos - assim como a força de trabalho e por consequência o poder de consumo - que deveriam ser destinados ao desenvolvimento de um determinado país para o que o autor chama de “obscenas ilhas de riqueza e produtividade”.

Outra característica deste sistema é seu caráter insustentável. O capital globalizado depende acima de tudo de uma infra estrutura funcional que deve ser providenciada pelos estados. Mas estes, com a desintegração da economia nacional, encontram-se com sua receitas públicas reduzidas, tornando-se portanto incapazes de prover a economia de tal base funcional.

Outro aspecto que aponta para a crise do modelo criticado por Kurz são os crescentes gastos com segurança. Os números indicam uma quantidade cada vez maior de excluídos - que o autor chama de homens “cuspidos” do mercado - que são levados a reações desesperadas, tanto no âmbito econômico como no político e no religioso. A globalização de uma “economia da minoria” tem como conseqüência a “guerra civil mundial”, que já pode ser observada hoje em casos como a guerra do narcotráfico no Brasil, as Farc na Colômbia, os conflitos étnicos nos países africanos e religiosos no oriente médio, isso só para citar alguns exemplos em evidência.

Para concluir seu texto Kurz sai em busca de uma solução para o paradigma assustador que constatou ao longo dos últimos parágrafos. Mas o autor comete um pequeno equívoco que apenas doze anos depois (o texto é de 1997), com a atual crise do sistema financeiro, é possível de apontar. Ele coloca que um retorno ao mundo das economias nacionais é improvável. Mas foi exatamente um movimento de renacionalização da economia a primeira reação das nações a uma crise gerada justamente pelo seu total abandono.

Entretanto, quando o autor coloca o terceiro setor como absolutamente insuficiente na solução do problema sua posição é bastante pertinente. Seu ponto de vista está hoje confirmado se notarmos que as maiores organizações sociais, pelo menos no caso do Brasil, estão vinculadas às multinacionais como por exemplo a fundação Itaú Social. Essa realidade torna a ação destas iniciativas no mínimo suspeita e incapaz de criticar o sistema econômico do qual dependem e estão inseridas, ocupando-se apenas em atenuar suas conseqüências negativas.

Discordo por fim do autor quando ele coloca que “o que nos falta, na verdade, é a globalização de uma nova crítica social”, quando o problema na verdade é o conceito de globalização sendo aplicado ao extremo em todas as instâncias. Não creio que o que nos falte seja a globalização de uma crítica social, mas sim a diversidade de críticas sociais, modelos políticos e econômicos próprios de cada lugar. Assim, se por algum motivo um desses modelos mostrar-se ineficiente haverá todos os outros como alternativa. Se não fosse a globalização a crise que estamos vivendo hoje não seria mundial.



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