sexta-feira, 19 de junho de 2009

Os ecos do intervencionismo

Para tentar entender a histórica crise que assolava a economia norte-americana no final da década de 1920, John Keynes debruçou-se sobre o processo de produção do sistema capitalista. Chegou à conclusão de que o valor de tudo o que é produzido na economia deve retornar às empresas sob a forma da compra de bens e serviços. Para que as empresas possam vender tudo o que produzem, a população precisa gastar toda sua renda. Se a renda distribuída à sociedade, sob a forma de salários, for gasta na aquisição de produtos e serviços, o montante empreendido para produzir as mercadorias é compensado. Assim, os lucros continuarão altos e a produção seguirá seu ritmo intenso, podendo inclusive aumentar em tempos futuros. Keynes chamou esse ciclo de fluxo circular: o dinheiro que passa das empresas para os empregados como salário, rendas, juros e lucros, retorna a elas sob a forma de bens e serviços adquiridos pela população.

No entanto, este fluxo apresenta alguns vazamentos. Quando parte da renda vertida à população é depositada em poupanças bancarias, empregada na compra de produtos fabricados por empresas estrangeiras ou concentrada para o pagamento de impostos estatais, ela rompe o fluxo e deixa de voltar às empresas.

Keynes elaborou soluções para conter essas três formas de vazamento de renda. Para contrabalancear o peso dos produtos importados na economia nacional, defendeu um aumento da exportação. Desse modo, a quantidade de bens importados por um país deveria igualar-se à quantidade de bens exportados. A fim de reverter a renda gasta em impostos pela população, Keynes apontou a possibilidade de o governo empregá-la no financiamento da aquisição de bens e serviços. Por fim, para corrigir o desvio de renda representado pelas poupanças bancárias, defendeu que as empresas financiassem seus investimentos por meio da aquisição de empréstimos contraídos nos mesmos bancos que mantinham as poupanças.

No entanto, ao impulsionar o aumento da produção, tais investimentos implicavam no aumento de renda da população e, por conseguinte, na maior quantidade de dinheiro aplicado em forma de poupança. Para impedir que este ciclo vicioso se completasse, os investimentos deveriam crescer mais que o volume das rendas. Somente dessa maneira, os investimentos poderiam absorver as poupanças e as empresas conseguiriam escoar toda sua produção.

Como Marx e Hobson já afirmavam em suas análises anteriores, entretanto, Keynes constatou que uma economia capitalista não consegue oferecer oportunidades constantes de investimento. Com o declínio dos investimentos, os gastos em produtos e serviços tornam-se inferiores ao custo empregado no estágio produtivo, as empresas não vendem tudo aquilo que produzem - e, em conseqüência, limitam a produção e demitem largas fileiras de funcionários-, a renda decai e a economia entra em colapso – exatamente como ocorreu em 1929.

Para manter os níveis de investimento superiores aos da poupança, Keynes veio com uma solução intervencionista. Sempre que os investimentos não fossem capazes de absorvê-las, o governo deveria apropria-se deste excesso de dinheiro poupado e investi-lo em projetos de caráter social. Desse modo, através de investimentos que não elevassem a capacidade produtiva e, por conseguinte, não esgotassem as oportunidades de investimento futuro, o Estado estimularia o pleno emprego e recolocaria a economia no eixo.

Apesar de ter adquirido o status de ortodoxia e fornecido as bases para novas teorias econômicas, a teoria keynesiana ainda é mal vista nos círculos liberais por conta de seu caráter intervencionista. Nos Estados Unidos, em especial, onde o espectro da caça às bruxas continua pairando sobre a mentalidade política da população, qualquer medida que defenda um controle mais efetivo da economia pelo Estado gera histeria e “acusações” de comunismo. Basta lembrar que, em sua campanha para a presidência americana, John McCain classificou como socialista o pacote econômico proposto por Barack Obama. Na FOX News, principal baluarte da imprensa conservadora americana, acusações similares também são freqüentes.

Assim como na crise de 1929, a quebra da economia norte-americana é fruto da superprodução. Agora, porém, ao invés do excedente de bens materiais, lidamos com o excesso de capital financeiro. Desde a implementação da política econômica que impunha o fim da emissão de dólares lastreados em ouro, no início da década de 1970, passando pela desregulamentação dos mercados, comandada por Reagan e Tachter nos anos 1980, e o definhamento das economias nacionais deflagrado pela globalização, o capital especulativo criou abismos em relação à economia real. Basta dizer que, nos dias de hoje, o dinheiro somado pelo mercado especulativo supera o PIB mundial, ou seja, quantias ilusórias de dinheiro, fruto de pura especulação, são maiores que o montante de riqueza real produzido no mundo todo.

È improvável que medidas não intervencionistas consigam reverter este quadro. Por outro lado, também é precipitado afirmar que a pura aplicação das teorias keynesianas o faria. Keynes, na época, não convivia com a expansão do mercado financeiro, tampouco com a falta de controle do Estado sobre as economias nacionais. No entanto, os novos tempos apontam para uma renovada crença no poder do Estado como regulador dos assuntos econômicos. A afirmação, pela revista The Economist, de que o bom desempenho do Brasil durante a crise se deve a seu modelo econômico “antiquado”, no qual o Estado mantém os bancos sob razoável controle; e a declaração de Barack Obama, de que a crise global é “fruto de uma era de profunda irresponsabilidade” do sistema financeiro, apontam nesse sentido.

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