sexta-feira, 19 de junho de 2009

O perdedor é o Estado

O avanço da comunicação que eliminou fronteiras físicas e possibilitou a globalização, trouxe não apenas a internacionalização crescente da economia, mas provocou, indiretamente, uma reestruturação das fronteiras geográficas que conhecemos, transformando o conceito de "país" e "Estado". Em "Perdedores Globais", Robert Kurz ao apontar a superação do que conhecemos por teoria política, mostra que a idéia de "economia nacional" não condiz mais com a estrutura de mercado que temos atualmente, uma vez que o "interno" cada vez mais dá lugar ao "global", através de um sistema em que multinacionais operam com um capital internacional cada vez menos controlado pelo Estado, limitado às suas próprias fronteiras de jurisdição.

Porém, mais do que apontar a superação de um conceito, o autor acaba apontando uma mudança de funções entre os membros dessa lógica. Com a globalização, a disposição geográfica dos países dá lugar a uma divisão simbólica que extrapola os limites físicos, e em que os países agora são as empresas. No lugar da Alemanha, por exemplo, temos a Volkswagen, a Adidas, multinacionais que possuem uma lógica interna própria, uma economia dissociada de seu Estado, uma vez que estão espalhadas ao redor do mundo, e protegem seus funcionários como um país protege a seus cidadãos - o que não significa necessariamente que isso seja feito com competência.

Dentro desta nova linha, as empresas compartilham um território único que corresponderia às cidades de um país. Dessa forma, é possível que se escolha os locais de mão-de-obra mais barata sem se preocupar com o poder de compra nacional, uma vez que não interessa a essas empresas que os funcionários de sua fábrica na China, por exemplo, tenham poder aquisitivo, se o produto final é vendido para outros locais. Assim, a possibilidade de crescimento dos países em desenvolvimento é praticamente eliminada, e congelam-se suas posições desfavoráveis no mercado internacional. Ainda assim, os países que já se encontram em patamar privilegiado também acabam prejudicados a longo prazo, ao assistirem suas próprias fábricas sendo transferidas para locais como a Índia ou Cingapura. Resumindo, a oferta de emprego diminui nos países mais desenvolvidos, ao passo que o salário diminui cada vez mais nas regiões com boa oferta de trabalho. Nas palavras de Hurz, "num futuro próximo, em cada continente, em cada país, em cada cidade, existirá uma quantidade proporcional de pobreza e favelas contrastando com pequenas e obscenas ilhas de riqueza e produtividade."

E enquanto o capital dessas empresas foge ao controle do estado, provocando a queda das receitas públicas, os cidadãos desprotegidos ficam à merce de suas empresas, quando fazem parte de uma, ao mesmo tempo que a grande maioria fica à deriva em meio a essa economia. Assim, é mais vantajoso para um funcionário de multinacional trabalhar não em seu próprio país, mas onde seu salário seja maior. Dessa forma, ocorre um êxodo dos funcionários mais beneficiados para as sedes de suas empresas, sejam elas na Suíça ou no Brasil, enquanto as próprias multinacionais compensam as deficiências do Estado, resultado dessa diminuição da receita pública, oferecendo salários maiores e benefícios como plano de saúde aos seus executivos.

Mas o que acontece com a parcela excluída desses grupos empresariais, ou nas palavras de Robert Kurz, estes "homens 'cuspidos' do mercado"? Enquanto de um lado as multinacionais cuidam de seu próprio pessoal, determinando a distribuição desequilibrada de salários e aumentando uma receita que não será destinada a país nenhum se não elas mesmas, mais uma vez instituições como ONGs vêm para realizar a outra parte do trabalho que o Estado não consegue mais cumprir. Assim, são privatizadas todas as funções que essa instituição pública deixou de exercer por falta de controle de sua economia, e a população mundial torna-se dependente de empresas bem ou mal-intencionadas, ao passo que as parcelas excluídas reagem de forma cada vez mais violenta a esse novo sistema, gerando o que o autor chama de "guerra civil mundial".

Em um modelo de economia em que fronteiras geográficas tornam-se apenas restrições burocráticas, o Estado se transforma, mais do que seus cidadão excluídos, no grande perdedor. E se essa mesma globalização que acabou com sua função já cria simbolicamente uma nova estrutura territorial "pós-nacional", resta saber, reiterando a pergunta de Kurz, se seremos capazes de consolidar essa teoria na prática e exercer um controle da economia que vá além do mercado e do estado.

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