terça-feira, 23 de junho de 2009

O que é que Keynes tem?

Rachel Sterman

As propostas de Keynes na conferência de Bretton Woods foram elaboradas no sentido de reordenar a dinâmica econômica internacional. O economista fez a constatação de que uma economia deixada à própria sorte tenderia ao subemprego, à depressão, à revolta. Desse modo, propunha, grosso modo, intervenção estatal nas economias capitalistas. Aliado a isso, e partindo da concepção de que a reconstrução só seria possível se pautada por uma política econômica cujo objetivo estivera centrado em manter a economia funcionando num nível em que toda a capacidade produtiva fosse empregada, Keynes aponta para a necessidade de que cada país fosse livre para aplicar políticas isoladas que defendessem o nível de emprego mais alto possível dentro das suas fronteiras, e que, visando sempre o crescimento, o sistema monetário internacional, não se estruturasse de maneira a obrigar o país à recessão econômica para o equilíbrio do câmbio.
O desafio, portanto, consistiria em estruturar um sistema monetário internacional de cambio fixo que não criasse –como ocorria no padrão ouro- o chamado ajuste assimétrico da balança de pagamentos, que impede o crescimento das economias nacionais, na medida em que um país que está importando mais porque está crescendo mais, através do pleno emprego, passa a ter déficit nas contas externas (porque a demanda por exportação não alcança a de importação) e a fuga de ouro do país demanda a elevação dos juros de maneira que, com a inflação interna e o déficit comercial o país se encontra impossibilitado de manter o crescimento. Precisa diminuir suas demandas por importações ou endividar-se. Keynes aponta, dessa maneira, que este ajuste assimétrico que termina por premiar os países superavitários – exportam mais que importam - que seguram o crescimento e vão contra o pleno emprego e a prosperidade é um ajuste deflacionário, recessivo, cujo custo é muito maior ao de um ajuste inflacionário e expansionista estruturado na reciprocidade do processo de ajustamento da balança de pagamentos. Em outras palavras, o sistema seria sempre deflacionário se não fosse priorizado o crescimento de todos os países para que pudessem absorver mais exportações.

Paul Singer, economista e professor da FEA-USP, aponta, de um jeito muito didático, a tentativa do resgate do modelo keynesiano em situações de crise econômica e questiona a eficácia desse modelo para o resgate das economias abaladas pela crise*: “A política anticíclica keynesiana consiste essencialmente em ações do setor público em substituição ao setor privado, paralisado pelo pânico. Os bancos públicos ‘salvam’ tanto bancos privados em crise, oferecendo-lhes o crédito que eles se negam mutuamente como empresas não financeiras em crise. Além disso, as instituições governamentais podem ampliar a oferta de serviços públicos – educação, saúde, pesquisa, saneamento, segurança, justiça etc. – pois diferentemente das firmas privadas, não visam lucro e não correm o risco de quebrar.

Os governos são responsáveis pela construção, conservação e restauração da infra-estrutura urbana, de transporte, energia etc.. e as promovem até o limite de seus recursos orçamentários, quase sempre aquém das necessidades. O combate a crises oferece oportunidades para expandir serviços e infra-estrutura vitais para a qualidade de vida dos mais carentes. Além disso, governos democráticos distribuem renda diretamente aos mais pobres, sob a forma de Bolsas Família, cestas básicas, merenda escolar, habitação de interesse social e reforma agrária. Na medida em que estas políticas são financiadas por impostos arrecadados dos mais ricos, a demanda efetiva de consumo sobe, contribuindo diretamente para o aumento da produção, do emprego e do investimento.

Como os ricos entesouram rendas adicionais ao passo que os pobres as gastam para satisfazer suas necessidades mais urgentes, a redistribuição de renda financiada pelos impostos pagos pelos primeiros contribui ao aumento de produção, emprego e investimento e portanto ao combate à crise. Todas estas políticas ativam a economia e ao mesmo tempo a tornam socialmente mais justa. Elas terão sucesso, no entanto, apenas se puderem superar o pânico e restaurar a confiança na sociedade civil de que a economia está reagindo e de que os primeiros a ampliarem suas atividades produtivas serão recompensados. O que na prática não deixa de acontecer.”
*o nome do artigo de Singer é "A crise de 2008 põe à prova as políticas keynesianas"

Nenhum comentário:

Postar um comentário