terça-feira, 23 de junho de 2009

A Economia movida a desejos

Por Bruno de Pierro

O leitor que tem às mãos o texto A Teoria do Prazer e do Sofrimento, de William Stanley Jevons, tem grandes chances de duvidar de sua relevância para um pensamento acerca da economia política. Segundo capítulo de A Teoria da Economia Política, escrito em 1871 e que contribuiu para a defesa da economia como uma ciência, pretende, no entanto, restabelecer o diálogo, muitas vezes ignorado por economistas, entre os desejos e sensações humanos e os elementos fundamentais da ciência econômica. Se até praticamente os últimos parágrafos pipocam dúvidas com relação à argumentação e à forma como o autor fala sobre prazer e sofrimento – numa mistura de métodos mateméticos com reflexões psicologizantes -, chega-se ao final do curto texto sabendo-se, ao menos, quais foram as intenções de Jevons.

Sem muitas dificuldades, compreende-se o esforço de Jevrons. Sua preocupação é com o que ele julga ser o grande “problema da Economia”, a ser a maximização do prazer. Estabelece-se, assim, uma relação complexa cujo sub-sistema nuclear, se assim poderiamos dizer, coloca em interação a economia, enquanto campo científico que reinvindica autonomia, e teorias próprias do comportamento humano. Jevrons procura, inclusive, falar numa “capacidade de antecipação” dos sujeitos, a fim de justificar a idéia de acumulação e estocagem de bens a serem consumidos num futuro. Mas deve-se tomar cuidado para não se pensar que o economista tenta, amparado por conceitos psicológicos, naturalizar o capitalismo, por exemplo. Ele não discute exatamente os meios de produção, a divisão do trabalho ou o conceito de lucro; dedica-se a uma abordagem da economia valendo-se da discussão que gira em torno do consumo.

“O prazer e o sofrimento são indiscutivelmente o objeto último do cálculo da Economia. Satisfazer ao máximo às nossas necessidades com o mínimo de esforço é o problema da Economia”, afirma Jevrons. Dentro desse contexto, desenvolve-se, a partir do capítulo seguinte, uma análise do conceito de utilidade, palavra esta que caracterizaria tudo o que é capaz de gerar prazer ou evitar sofrimento. É interessante a proposta que Jevrons faz de conferir à economia a resposabilidade de examinar as necessidades e desejos do homem. De acordo com esta idéia, reinvindica-se uma “teoria do consumo da riqueza”, o que contraria muitos pensadores. Ora, se o prazer humano é intrínsceco à economia, por conta dos fatores referentes às necessidades, aos esforços e à satisfação do ser humano, uma indagação, que não vem de Jevrons, surge em meio a tantas frases que tentam explicar como que a necessidade de consumo é inerente à vontade de prazer.

Se a economia quer buscar meios de viabilizar a satisfação de nossas necessidades sem que, para isso, soframos com o excesso de trabalho, então não se pode, aí, incluir, dentro desta vasta gama de necessidades, que inclui fome, vestimentas etc., o lucro? Jevrons afirma que “o grau mais alto na escala das necessidades, o do prazer proveniente das belezas da natureza e da arte, é geralmente restrito a homens que estão isentos de todas as privações mais baixas”. Apesar da afirmação manter certa lógica, não há como passar-se batido por ela sem perceber alguma coisa estranha. Segundo o autor, as privações mais baixas são aquelas relativas às necessidades básicas, ou seja, fome, sede, necessidade de proteção contra o frio etc. Quando “supera-se” tal estágio, outras necessidades ganham importância e são incluídas no sistema econômico e aproveitadas como mercadorias. Assim, explicaria-se o fato de a arte ser uma necessidade de consumo.

Essa idéia explicaria, ainda de acordo com o autor, a teoria do valor; “sem o valor relativo inerente aos objetos para cuja obtenção dirigimos nossa energia, não haveria fundamento para a Economia Política como ciência”. O problema de se ter como parâmetro apenas o consumo, de fato tira um peso das costas da “ciência econômica”, ou seja, sua necessidade de explicar os motivos do lucro. Por exemplo, quando Jevrons diz que “quando o alimento é razoavelmente adundante, seu grau final de utilidade cai a um nível muito baixo, e as necessidades de natureza mais complexa e menos saciável se tornam comparativamente proeminentes”, parece que há um desejo, ou ao menos uma intenção, de se justificar o surgimento de novas mercadorias no sistema, “culpando-se” a condição humana de “desejar” sempre. Caberia, dessa forma, ao sistema mercadológico apenas “administrar” tais desejos? Perceba que se sente a falta de uma explicação que, somada à contribuição do autor (isto não se pode negar), ilumine uma outra relação – a do consumo com a “apropriação” dos desejos pela economia.

É evidente que este artigo não cedeu espaço para uma explicação mais pormenorizada sobre alguns conceitos trabalhados por Jevrons, tais como a “lei da variedade” e a “utilidade marginal”, esta que pode ser entendida, basicamente, como o valor, para o consumidor, representado por uma “unidade adicional” de alguma mercadoria. São idéias que merecem atenção de nossa parte, certamente. E nós, aproveitando a “evolução” de pensamentos sobre economia, à luz de Marx, temos de dar atenção aos escritos de Jevrons sem, contudo, perder de vista “outros” desejos do ser humano, obscuros, contraditórios e perversos.

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