sexta-feira, 19 de junho de 2009

Quando a mão invisível some

Natália Pesciotta

Quando a mão invisível que regula o mercado desapareceu de vez no final do ano passado e deixou estatelarem-se no chão as bolsas americanas e dois dos maiores bancos, o pensamento imediato foi: e agora, o que será do capitalismo? Afinal, a estrutura principal do sistema – a regulação natural dos mercados – havia falhado. O Estado americano, defensor da não-intervenção dos governos, de repente fez da leveza chumbo. Só para salvar a seguradora AIG desembolsava 85 bilhões de dólares, sem falar nos outros bancos dos quais acumulou ações nos braços.

“Em épocas de crescimento, pregar o “laissez-faire” é rentável, porque um governo ausente permite o crescimento de bolhas especulativas. Quando essas bolhas estouram, a ideologia se torna um empecilho e entra em estado dormente, enquanto o grande governo parte em missão de salvamento.” A avaliação é da ativista canadense Naomi Klein, em artigo de setembro último, logo depois dos acontecimentos que desencadearam a “crise econômica”. Acontece que a “missão de salvamento” exercida pelos capitalistas não é vista por eles como contradição à sua doutrina, e sim como parte dela. Desde 1936. Keynes explica.

Keynes foi um economista britânico muito aclamado pelos neoliberais no século XX. O mundo capitalista, principalmente os Estados Unidos, sofria a Grande Depressão nos anos 30, logo depois da Crise de 29, na qual a bolsa de Nova York também havia despencado. Enquanto isso, a União Soviética ia de vento em popa. Foi quando Keynes mostrou que o mercado, sempre que atinge um ápice, sofre em seguida um desequilíbrio. Outros pensadores já tinham concluído isso, como Marx e Hobson. Mas, se para Marx o capitalismo não tinha “cura” e, pra Hobson, o jeito era a distribuição de renda, o britânico afirmou que a solução estava em ações do Estado. Reafirmava assim, quase em contradição, o neoliberalismo, ao mesmo tempo em que aparecia o Estado do bem estar social.

Quando a economia vai bem e as pessoas poupam dinheiro, essa renda que não está em “giro” acaba desequilibrando o “fluxo circular” rendas-despesas e os investimentos das empresas ultrapassam os lucros. Uma solução proposta por Keynes foi que o governo recolhesse, por empréstimo, os excessos das poupanças e investisse em projetos de utilidade social (lembrança ao presidente Fernando Collor, em terras tupiniquins, não é coincidência). Mas os ricos, detentores do poder, não gastariam o dinheiro em algo que baneficiasse apenas os mais pobres, como hospitais ou escolas. Então, para o bem de todos, os projetos tinham que ampliar a capacidade produtiva da economia, sem reduzir as oportunidades de investimento para o futuro. O sistema continua funcionando, a recessão e o desemprego seriam assim resolvidos. Construir uma ponte do ar para o ar estaria bom. Ou uma estrada no meio da floresta, como o governo militar fez no Brasil, entre outras “obras faraônicas”. Marshal escreve que, durante o plano de desenvolvimento do governo americano chamado “New Deal”, “a construção civil viu-se transformada de empresa privada em empreendimento público e em um grave e urgente imperativo público”.

Acontece que, assim que Keynes publicou sua principal obra, em 1936, outro fator encontrou eco perfeito no que ele havia escrito: o investimento de guerra, como aconteceu na Segunda Guerra e passou a fazer parte da política dos Estados Unidos.
Nesse último capítulo da história, porém, a guerra do Iraque chegou antes do tombo. Mal administrada, já estava fracassada quando ele veio, o que só agravou ainda mais a situação financeira do País. A origem da crise mais recente também foi diferente da descria por Keynes. Houve um desequilíbrio, isso é verdade, mas não foi um desnivelamento entre oferta e procura. A falta de lastro nos empréstimos e hipotecas das instituições financeiras que alavancou a situação. Como, do mesmo modo, a mão invisível nada pôde fazer, chega a vez do Estado dar sua mãozinha.

Pequeno adendo
"Se 85 bilhões de dólares podem ser disponibilizados para comprar a seguradora gigante AIG, por que um sistema de saúde pago por um fundo único - que protegeria os americanos das práticas predatórias das empresas de seguro-saúde - parece um sonho tão inalcansável?", perguntou Naomi Klein. Esse tipo de questionamento não faz sentido para os capitalistas. Eles não vão inverter sua lógica de pensamento. A importância das necessidades humanas são subordinadas ao funcionamento do sistema.
Mesmo assim, seria uma boa hora para os capitalistas do, ao menos por enquanto, centro do mundo, entenderem que o sistema teria mais sucesso se a mão invisível tivesse um mínimo apoio constante. A queda do Brasil, por exemplo, foi um arranhão perto do tombo americano, segundo o resultado do PIB do primeiro trimestre. Isso porque, como publicou o Financial Times, com a regulação brasileira, seria impossível existir investidores fraudulentos como Bernard Madoff. Obama acaba de lançar a "maior regulação desde os anos 30", anunciam os jornais de 18 de junho. Seria prudente que o cuidado fosse maior não só em tempos de crises.

Nenhum comentário:

Postar um comentário