sábado, 20 de junho de 2009

Marx e a atual crise

Filippo Cecilio

“No capital produtor de juros, a relação capitalista atinge a forma mais reificada, mais fetichista”. (Karl Marx)

[O crédito] “...acelera o desenvolvimento material das forças produtivas e a formação do mercado mundial, e par levar até certo nível esses fatores, bases materiais da nova forma de produção, é a tarefa histórica do modo capitalista de produção. Ao mesmo tempo, o crédito acelera as erupções violentas dessa contradição, as crises, e, em conseqüência, os elementos dissolventes do antigo modo de produção”. (Idem)

Marx se debruçou de forma considerável sobre aquela que chamou de terceira forma assumida pelo capital, surgida da divisão de trabalho que incide sobre ele. Trata-se do capital portador de juros. Fazendo as devidas adequações de tempo e espaço, esse debate tem total relação com a atual crise dos mercados.

Marx explica como a divisão do trabalho permitiu que um grupo de capitalistas se centrasse na atividade de adiantar dinheiro tanto para capitalistas produtores de mercadorias quanto para os que praticavam atividades comerciais. Não é coincidência serem esses os mesmos grupos sofrendo os efeitos do desmoronamento do sistema financeiro que vigorou de meados do século passado até um ano e pouco atrás. Dos trabalhadores não comento, esses sofreram em todos os tempos.

O dinheiro acumulado sob a forma de tesouro não é capital. Entretanto, torna-se capital potencial na medida em que pode ser emprestado ao capital produtor de mercadorias e ao capital comercial. É nesse exato instante que o dinheiro assume um novo valor de uso, o de produzir lucro uma vez transformado em capital.

Quando o proprietário do capital-dinheiro (no nosso caso bancos e agências financeiras) empresta seu capital, ele não está realizando nenhuma etapa do ciclo que o capital percorre no processo de produção capitalista. Ainda assim, quando retorna às mãos de seu proprietário, vem na qualidade de capital potencial, de meio para produzir lucro, é que ele se torna uma mercadoria de gênero particular: a posse desse capital dinheiro concede ao seu proprietário , no momento do empréstimo, o direito a uma parte do lucro do capital comercial ou industrial, o que se consubstancia sob a forma de juros. Dessa forma, os juros constituem dedução do lucro, tendo origem na mais valia.

Esse conceito de mais-valia, aliás, é fundamental na economia política. Entender isso é crucial para entender a situação dos trabalhadores Trata-se do valor do trabalho não pago ao trabalhador, ou, se preferir, da exploração exercida pelos capitalistas sobre seus assalariados. É daí que os capitalistas retiram seus lucros. A mais-valia ajuda a formar o lucro vindo do “trabalho produtivo" realizado pelo capitalista, enquanto outra parte é referente ao rentismo do capital.

A maior parte das pessoas pensa que o dinheiro que depositam em contas-corrente permanece guardado nos cofres dos bancos comerciais. Nada mais errado. Para o depositante trata-se de dinheiro, para o banqueiro, uma fonte inesgotável (ao menos assim se pensava) de capital potencial.

Pensando na lógica acima explicada de emprestar capital e receber uma parte além daquilo cedido, as gigantescas corporações bancárias, que recebem depósitos fazem empréstimos muito acima do valor depositado, criando o capital fictício.

A necessidade de volumes maiores para a acumulação de capital fez com que surgissem empresas sob a forma de sociedade anônima. Depois de realizados os investimentos e a constituição efetiva da empresa, o capital aparece duplicado, como capital real (físico) e acionário (títulos de propriedade).

Mas, para completar a operação, a negociação de parte das ações dessas empresas nas bolsas de valores introduz duas conseqüências, a saber: 1) que seu preço possa ser superior ao valor nominal; 2) que as demais ações tenham seu preço regulado pelo preço obtido na bolsa. Assim o capital da empresa “aumenta”, mas se trata apenas de capital fictício, atualmente conhecido como valor acionário.

A maioria dos especuladores compra ações para obter ganhos com a variação do preço delas, e não para receber os dividendos. O principal problema, que levou a crise que passamos, é que a maior parte dos negócios com derivativos é feita entre vendedores de milho que não produzem milho e compradores de milho que não estão nem um pouco interessados em compra milho, ou soja, ou o diabo a quatro.

Todos querem apenas apostar na variação futura dos preços dessas commodities, e tanto quem está comprando como quem está vendendo não passa de um especulador, ao contrário do que dizem os defensores da especulação financeira. Entender a maneira como funciona o processo de obtenção e ampliação do lucro do capitalista sobre os trabalhadores ajuda a entender como, em momentos de crise, são estes (os trabalhadores) os primeiros a sofrerem.

Com os cortes no crédito, é preciso ajustar o nível de produção de mercadorias e oferta de serviços. Produzir a mesma quantidade de antes da crise certamente trará prejuízo, já que a demanda é menor. Mas, diminuindo a produção, é possível cobrar preços semelhantes ou até mesmo mais elevados pelo mesmo produto. Diminuir a produção significa diminuir o número de trabalhadores, mas, numa conta inversa, aumentar a mais-valia.

Com menos funcionários trabalhando, aqueles que sobraram precisam suprir a demanda que, ainda que depreciada, é maior do que o número de funcionários ociosos para produção. Aumenta-se a mais-valia sem aumento de salários. Dessa forma o lucro permanece constante.

A atual crise econômica mundial demonstra isso de maneira clara. Não estou dizendo que isso só ocorre nos momentos de crise. Eles apenas evidenciam essa lógica. Claro, quando está tudo bem – para os capitalistas – isso não vem à tona. Os capitalistas querem apenas manter e, se possível aumentar, sua taxa de lucros. E farão o que for necessário para isso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário