quarta-feira, 3 de junho de 2009

Crise expõe regra da mais-valia globalizada



Por João Villaverde

O conceito de mais-valia, desenvolvido e denominado por Karl Marx, é fundamental na economia política, tendo sido aprofundado pelos pensadores marxistas do século XX.

Entender a mais-valia é crucial para entender a situação dos trabalhadores (o proletariado, no linguajar marxista) hoje.

Grosso modo, a mais-valia consiste no valor do trabalho não pago ao trabalhador, isto é, na exploração exercida pelos capitalistas sobre seus assalariados. Sendo a força de trabalho uma mercadoria cujo valor é determinado pelos meios de vida necessários à subsistência do trabalhador (alimentos, roupas, moradia, transporte, etc.), se este trabalhar além de um determinado número de horas, estará produzindo não apenas o valor correspondente ao de sua força de trabalho (que lhe é pago pelo capitalista na forma de salário), mas também um valor a mais, um valor excedente sem contrapartida, denominado por Marx de mais-valia.

É desta fonte (o trabalho não pago) que são tirados os possíveis lucros dos capitalistas (industriais, comerciantes, agricultores, banqueiros, etc.), além da renda da terra, dos juros, etc. Ou seja, a mais-valia ajuda a formar o lucro oriundo de trabalho "produtivo" do capitalista, enquanto outra parte de seus proventos são referentes ao rentismo do capital.

De maneira genérica, podemos separar os capitalistas em três: aqueles que tiram seu lucro da mais-valia do trabalhador (normalmente o pequeno e médio empresário); aqueles que tiram seus lucros da ciranda financeira do capital (os rentistas); e aqueles que lucram dos dois (normalmente associado a grandes empresas de indústria, serviços e agricultura). Evidentemente que as coisas são mais complexas que isso, mas a simplificação serve ao entendimento.

Enquanto a taxa de lucro - a relação entre a mais-valia e o capital total (constante + variável) necessário para produzi-la - define a rentabilidade do capital, a taxa de mais-valia - a relação entre a mais-valia e o capital variável (salários) - define o grau de exploração sobre o trabalhador. Mantendo-se inalterados os salários (reais), a taxa de intensidade do trabalho aumenta (aumentando a mais-valia absoluta) ou com o aumento da produtividade nos setores que produzem os artigos de consumo habitual dos trabalhadores (aumentando a mais-valia relativa).

Compreender como funciona o processo de obtenção e ampliação do lucro do capitalista sobre os trabalhadores ajuda a entender como, em momentos de crise, são estes (os trabalhadores) os primeiros a sofrerem.

Com o corte de crédito e na demanda do consumo, é preciso ajustar o nível de produção de mercadorias e oferta de serviços. Produzir a mesma quantidade dos tempos pré-crise incorrerá em prejuízo, uma vez que a demanda é menor e o preço final diminuirá. Assim, diminuindo a produção, pode-se cobrar preços semelhantes ou mais elevados pelo mesmo produto. Diminuir a produção significa corte de pessoal e ampliação da taxa de mais-valia.

Como isso ocorre?

Com menos trabalhadores disponíveis - após as demissões de "ajuste" - os trabalhadores restantes ficam encarregados de suprir a demanda que, ainda que depreciada, é maior do que o número de funcionários ociosos para produção. Dessa forma, aumenta-se a mais-valia sem aumento do capital variável (os salários) correspondente. Com isso, o lucro permanece constante.

A atual crise econômica mundial demonstra esse jogo muito claramente. Não que o processo exista apenas em tempos de crise, mas são nos momentos de estresse que tudo fica mais claro. Antes, quando as "coisas vão bem", dificilmente se enxerga tudo isso.

Pois bem. Tão logo explodiu a crise - num primeiro momento, nos mercados financeiros - as empresas que aumentavam seus lucros crescentemente (alcançando taxas recordes ano após ano) são as primeiras a demitir pessoal e cortar investimentos. Não há compromisso com o trabalho, com a sociedade (os consumidores) e a nação de um modo geral. O compromisso do capitalista é um só: seu lucro.

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