quarta-feira, 17 de junho de 2009

Mais uma crise

Valéria Vieira
Milhões de desempregados, queda nas bolsas de valores, fechamentos de fábricas, falência de grandes empresas, estatização de bancos. Vivemos mais uma crise financeira. Políticos e economistas se desdobram para achar medidas que solucionem o problema, mas, até agora...

Em 1929, ano da grande depressão nos Estados Unidos, John Maynard Keynes, incumbido de analisar o que estava acontecendo com o capitalismo, encontrou a resposta para tal a crise. Sua análise começou a partir do processo de produção e concluiu que o grande problema estava na distribuição da renda e poupança.

Segundo o economista, o que para a empresa é custo de produção, para um individuo ou para outra empresa significa renda. Neste sentido, para que a empresa venda tudo o que produziu, é necessário que a população gaste todas as suas rendas na aquisição de bens e serviços. Neste caso, os lucros permanecerão elevados. Keynes denominou esse processo de fluxo circular: o dinheiro flui das empresas para o público sob a forma de salários, remunerações, rendas, juros e lucros; em seguida, esse dinheiro retorna para as empresas quando o público adquire os bens e serviços oferecidos por elas.

No entanto, o fluxo circular apresenta três “vazamentos”: a poupança, a importação de bens e serviços de empresas estrangeiras e os impostos. Keynes aponta que esses “desvios” poderiam ser compensados com as importações sendo contrabalanceadas pelas exportações; o governo utilizando os impostos para financiar a aquisição de bens e serviços; e os empresários poderiam financiar os investimentos em bens de capital contraindo empréstimos nos bancos onde estivessem depositadas as poupanças.

Contudo, quanto mais investimentos em bens de capital, maiores são a produtividade da economia e a renda. Logo, haverá mais poupança, e a absorção dessa nova poupança irá requerer novos investimentos. Isto significa que os investimentos teriam que crescer em ritmo mais acelerado que as rendas, para que pudessem absorver continuamente a poupança. O problema da crise estava aí: com o crescimento econômico, agrava-se a dificuldade de encontrar oportunidades de investimento. Assim, os investimentos em bens de capital caem abaixo da poupança e, como as empresas não conseguem vender tudo o que produzem, diminuem a produção, com aumento do número de desempregados e declínio da renda. Em consequência do declínio da renda, os gastos em bens e serviços serão ainda menores. E o círculo vicioso reproduz-se.

A solução proposta por Keynes foi a intervenção do Estado para regular a renda/poupança com investimentos de utilidade pública, mas que não ampliassem a capacidade produtiva da economia e que não reduzissem as oportunidades de investimento para o futuro. Os investimentos propostos eram a construção de escolas, hospitais, parques e outras obras do gênero. Keynes constatou que, como o poder estava nas mãos dos ricos, os investimentos do governo acabariam nas grandes corporações, mesmo que isso trouxesse poucos benefícios diretos para a sociedade. A Segunda Guerra Mundial provou a teoria keynesiana. Com a corrida armamentista dos governos, o desemprego cedeu lugar a uma escassez de mão-de-obra e a crise foi solucionada nos EUA.

No entanto, ao contrário da crise de 1929, que afetou diretamente o mundo industrializado (EUA e Europa), enquanto o Terceiro Mundo apresentava efeitos colaterais, com a mundialização do mercado, a crise atual se alastrou também para os países subdesenvolvidos (que ficam ainda mais empobrecidos e sofrem as piores consequencias). Já em 1984, no livro que “Que crise é essa?”, o desemprego era visto como uma das heranças mais graves de uma crise. “Nos países desenvolvidos ainda é possível pensar-se em regeneração do capital, surgimento de novas oportunidades de emprego nas áreas conexas às novas tecnologias... Já nos países subdesenvolvidos, a crise se dá de forma exatamente inversa: a automação substitui trabalho humano que não encontra recolocação, os produtos de exportação perdem competitividade e mercados internacionais, os trabalhadores que emigraram para o exterior e que enviavam divisas para seus países de origem vêem-se forçados a retornar, agravando ainda mais a situação de desemprego”. Não é preciso nem falar dos milhares de dekasseguis que retornaram ao Brasil após a crise atingir o Japão.

Mas, apesar de suas graves consequências para os mais pobres (e para o capitalismo, é claro), Keynes não deu tanta importância para o fato de que uma crise financeira é fundamental para concentrar capital. Só nos Estados Unidos, quase 65 mil pedidos de proteção à lei de falências foram feitos no ano passado – uma alta de cerca de 50% na comparação com o ano anterior. Ou seja, aqueles que não podem “aguentar” a tormenta fecham as portas ou são comprados por outras empresas, que monopolizam cada vez mais o mercado.

É neste contexto que a teoria Keynesiana volta aos holofotes da economia: o Estado americano intervindo junto a bancos, empresas. A General Motors, um dos pilares da indústria americana e a maior montadora de automóveis do país, decretou sua concordata no dia 1º de junho deste ano, a segunda maior quebra da história do país após a crise financeira, atrás apenas do banco Lehman Brothers. Mas, para surpresa dos defensores ferrenhos do mercado livre, o governo americano se tornou sócio majoritário da empresa, ficando com 60% da companhia. A sombra do socialismo de volta? Claro que não. A intervenção visa salvar, não só bancos e empresas, mas o próprio capitalismo.

O Estado neoliberal mostra-se, mais uma vez, ineficiente (excessão, é claro, para as multinacionais e empresas que faturam bilhões por ano e monopolizam o mercado) e a teoria Keynesiana não é capaz de, sozinha, salvar esta nova crise. A solução da crise atual não está apenas na área da economia. Com a globalização, ela afeta todo mundo de forma drástica e as medidas não devem ser tomadas a partir de territórios isolados, mas em conjunto. O que adianta a boa economia do meu país se o mundo deixa de importar meus produtos? Serei, apenas, a próxima vítima. Enquanto as grandes empresas não se dispuserem a sacrificar um pouco de seu lucro para salvar o sistema econômico, crises e mais crises com efeitos cada vez piores surgiram na história da humanidade. O capitalismo precisa ser analisado novamente no contexto atual, sem esquecer a teoria de Keynes e, é claro, o profético Marx.

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