sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Um contexto para existir, uma memória para esquecer

Olga Pombo contextualiza em seu texto, “Enciclopédia e Hipertexto”, a ideia de que a Internet é a potenciação última do projeto de Enciclopédia. Sua intenção não está restrita à identidade desta relação, expande-se pelas simetrias e disparidades oriundas da comparação.
Como ela, Paulo Serra e Antonio Hohlfeldt dedicam trabalhos à compreensão de uma memória, um armazenamento de registros, produzidos de maneira organizada, e que em diferentes momentos históricos, possuem alto poder de significação, tanto para seus criadores quanto para os “seguidores”. A Enciclopédia (educação completa) surge como ideal primeiro desta memória, num contexto iluminista, de grandeza do homem e busca pelo conhecimento, totalmente oposto ao que correspondia a Idade Média, época anterior.
A partir dela e das intenções de conceitos universais permeadas por Diderot e D`Alambert, abre-se espaço para a importância da escrita como registro de toda produção cultural, científica e artística, tornando a imprensa uma forma efetiva de representação do tempo, do público e espaço. Com o passar dos anos, uma história e sociedade mais fragmentadas convivem com a “memória artificial” criada sobre novas tecnologias e meios mais dinâmicos, como a Internet.
Tanto a Enciclopédia quanto a Internet surgem como projetos aparentemente eficazes e inovadores às suas épocas, no entanto, as contradições de ambos se tornam problemáticas à medida que não são consideradas imperfeições do que parecia ser tão perfeito.
Os três autores identificam estes problemas, o que deve ser prioridade quando se discute a informação e a produção de sentidos. Serra utiliza um quarto e grande ensaísta para ilustrar o maior dos problemas provenientes do exagero de informação: o esquecimento.
“Funes, o memorioso”, de Jorge Luis Borges é citado para expressar o quanto a própria lembrança de tudo, de todas as coisas e de todo o tempo, pode levar à perda de sentido. As lembranças se acumulam, se confundem e se equivalem dentro da “memória artificial”, e a dificuldade de Funes é a mesma da geração Internet: separar o lixo das informações relevantes.
A visão iluminista dos enciclopedistas pode ter o seu auge na era do hipertexto, porém a informação que chega a todos, está pronta para ser consumida e esquecida. A linguagem é rápida e dinâmica, mas também inarticulada, sem passado ou futuro (Serra). Se a intenção de Diderot e D´Alambert era contribuir para a evolução do homem, preparar a base de novos conhecimentos, esta alcança agora seu oposto, a cegueira e o não-esclarecimento, como diria Sylvia Moretzsohn no livro “Pensando contra os fatos”.
A análise de Moretzsohn está focada no jornalismo como fruto de uma inspiração iluminista que não se completa, que de tão exagerada contribui para a desinformação. Encontrar no jornalismo soluções para tudo resulta em nada e inibe uma característica humanística da profissão de justamente se consolidar pelas contradições, pelo que se opõe, pelo que gera conflitos e conseqüentemente traz dúvidas e questões para serem estudadas.
Talvez, o que falte ao racionalismo excessivo da era da luz (iluminista) e aos jornalistas de hoje seja esta noção, noção de que o próprio trabalho necessita de uma busca recorrente pelo outro, pela observação e pela aprendizagem. A Enciclopédia e a Internet são representações tanto da intenção de esclarecimento quanto da falta dele e devem ser observadas junto a seus diferentes contextos.
Para teóricos da área, este é o momento em que a comunicação morre pelo excesso dela mesma. Lucien Sfez fala sobre uma terceira fase da evolução da comunicação e produção de sentido, metaforizada por ele como Frankenstein. A comunicação se reduz à confusão.
Os pensamentos debruçados sobre a relação mídia e público se modificam de acordo com o tipo de sociedade que se comunica. Hoje, não se trata mais de ver a crise da informação como algo totalmente associado à produtividade em série, à industrialização de tudo. Estamos na fase do consumo desmedido e por isso, a efemeridade e o fácil esquecimento (realçado por Borges) se destacam.
A sociedade do consumo é o novo objeto de estudo, seus comportamentos, sua fragilidade. As novas relações sociais, superficiais e baseadas num universo altamente tecnológico, interferem na cultura e conseqüentemente na comunicação, o que faz dela mais complexa e carente de contínuas análises. Serra complementa através da opinião de que não se trata apenas de modificações na natureza da mídia, mas também da sua submissão a diferentes dinâmicas e à lógica de mercado.
É extremamente necessário termos a percepção desta evolução, da passagem de uma intenção de “memória” entre a preocupação iluminista e a sociedade contemporânea, justamente para compreender a informação, a construção de realidades e conhecimentos inseridos em um contexto social. Os três autores que relacionam Enciclopédia e Internet partem desta contextualização para o entendimento das limitações que cada projeto ou mídia naturalmente apresentam.
O jornalismo acaba refletindo tais momentos distintos, como agora em que é cada vez mais difícil encontrar espaço e sentido para a sensibilidade, apuração e contribuição ao conhecimento que lhe deram origem. O senso crítico parece perder seu sentido, e o jornalismo idealizado para esclarecer se torna uma busca quase isolada.
No entanto, a contextualização não deve servir somente como base para as críticas, tão necessárias, mas também para o que se pode relevar sobre o acesso permitido pelas tecnologias. A Internet supera a Enciclopédia em alguns aspectos, pois de fato é mais flexível, possibilita a atualização rápida (tão almejada pelos enciclopedistas) e a intertextualidade. Diante de tais características, há uma grande chance de se encontrar o histórico paradoxo entre acesso e qualidade de informação – a confusão, porém também há espaço para uma pluralidade de ideias, publicadas na rede. É possível fazer dela um bom instrumento de mídia, pois a competência para tanto também parte de quem faz e pensa o meio de comunicação (ex: blogs, portais).
Entender a comunicação como portadora de contradições naturais, variadas por contextos sociais e pensadores distintos, é o passo mais importante para a compreensão sobre qualquer veículo, sobre qualquer produção. Se este é o momento da confusão, da angústia reprimida pelo hedonismo, da sociedade efêmera e virtual, é também o momento para se pensar ainda mais nas transformações tecnológicas que regem as relações sociais, seja por um paralelo entre projetos similares ou por um conto argentino em que o personagem sintetiza conflitos da pessoa real. É o que nos sugere as leituras de Olga Pombo, Paulo Serra e Antonio Hohlfeldt.
Por Raquel Biondi

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