sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A revolução da enciclopédia do século XXI

Por João Villaverde

A internet constitui a grande revolução da comunicação e, principalmente, da democratização da informação. Esta afirmação, no entanto, é incompleta. Mas vamos por partes. O cerco fechado em imprensa, rádio e televisão, formam um jogo de poder importante, que permaneceu praticamente sem abalos por praticamente todo o século XX. A imprensa, herdeira do século XIX, passou a ocupar o centro da formação de pensamento da elite. Seu poder é tácito, legando para o rádio e, em maior escala, a televisão, a missão de exercer a hegemonia no campo das ideias.

Esse tabuleiro permaneceu intacto até os anos 80 do século passado.

A partir dali e, principalmente, da década de 1990, o surgimento da internet serviu para abrir o poder de chancela antes concentrado nas mãos dos donos das empresas jornalísticas. Com a criação e difusão dos blogs, entre 1996 e 1997, quebrou-se um baluearte do século XX. Agora, era possível divulgar, opinar e comunicar de uma maneira nunca antes esquematizada. Por meio dos blogs, como este O mundo de Prometeu, passou a ser possível -- a qualquer um com acesso à um computador com internet -- criar um blog e difundir informação e opinião. A caixa de comentários permite o diálogo com os leitores, que interagem diretamente com o produtor de conteúdo. O que antes precisava da chancela da mídia para ser publicado -- "é ou não é notícia?" e "como daremos esta informação?" -- passou a ganhar liberdade de difusão e discussão. Não à toa, os editores-chefe, antes figuras máximas no jogo de poder por serem aqueles em que os donos do capital confiam a direção jornalística, foram perdendo importância.

Essa revolução, no entanto, ainda depende, em boa parte, da constituição de renda mínima. Para poder participar do novo jogo, a pessoa (consumidor tornado internauta) precisa ter acesso à um computador e este, precisa ter internet. Muito foi feito nos últimos anos, mas ainda há enorme campo para democratização do acesso.

A internet, portanto, neste início de século XXI é a perenização do sonho iluminista de pensadores como Diderot e D'Alambert que viam a escrita como canal para o registro de toda a produção cultural humana. Assim, a opinião de todos -- a blogosfera e a internet, de um modo mais geral -- contribui para evolução do homen, preparando-o para novos conhecimentos. Iluminismo, mas, antes de mais nada, princípios básicos da filosofia grega clássica, quer dizer, o conhecimento se materializa através do choque de ideias e teorias, da comunicação entre homens pensantes.

O sonho de armazenar o conhecimento humano acumulado em um livro, o projeto da enciclopédia iluminista, assim como a mídia tradicional, encontram seu ponto de chegada. O conhecimento não é mais estanque, aquilo que está publicado e não se discute. Hoje, o produtor de conhecimento tem suas teorias e interpretações debatidas. Vitória do entusiasmo pensante em tempos pós-modernos. (Que no entanto, inibem o debate e incentivam o escapismo besta. Mas isso é outra história).

Assim, o que Olga Pombo visualiza em seu "Enciclopédia e Hipertexto" é justamente isso, quer dizer, a enciclopédia do século XXI não é mais um produto de elite -- sem sentido pejorativo ideológico, mas segundo entende Antônio Gramsci, quer dizer, aqueles com "acesso privilegiado à informação e cultura" -- que pode, eventualmente, alcançar diferentes classes. A nova enciclopédia, conforme caminhamos para maior democratização do acesso à internet, é plural. Fosse Zygmunt Bauman, diria se tratar da "enciclopédia líquida".

Em seus "Informação e Sentido" e "O projeto da enciclopédia e seus registros sobre o jornalismo", Paulo Serra e Antônio Hohlfeldt, respectivamente, recontam a constituição da enciclopédia -- aqui, não apenas como o "grande projeto iluminista" mas também como a figura de linguagem por excelência para "armazenamento cultural total" -- como uma solidificação da memória. Trata-se, para os autores, como um grande arquivo que deixa registrado a evolução e desenvolvimento ideológico dos homens. (É o que o rapaz de 13 anos entende por Google).

A grande sacada, ainda por ser encontrada -- sem pressa, diga-se -- está em encontrar uma base de sustentáculo para toda essa informação que se encontra dispersa. Está aí, afora qualquer profissionalismo que ainda se defende, a principal característica inerente ao que entendemos por mídia tradicional: a capacidade de organizar. Ter discernimento para dizer que algo é mais importante que outra coisa e não deixar disperso para convenções individuais. Essa capacidade do indíviduo decidir o que é melhor apra si, é claro, pode ser considerado um grande avanço sobre o passado recente, pré-anos 90, em que ele nada podia fazer, a não ser assistir bestializado à informação que lhe era transmitida ou simplesmente alienar-se. Certamente que é um avanço. Mas é preciso concatenar diferentes termos, propostas e opiniões.

De outra forma, ficaremos não muito diferentes de Funes, personagem de Jorge Luís Borges em "O memorioso". Sabemos muito, lembramos muito, temos acesso à muito. Mas não conseguimos transmitir esse conhecimento por falta de diálogo e, na ponta, de inteligência.

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