sábado, 14 de novembro de 2009

Perdidos, mas bem informados

Larissa Werren

Levante a mão quem nunca se pegou navegando na internet por um certo tempo e depois se perguntou, "Como vim parar neste site?!" .Tudo começa na página inicial do navegador, provavelmente um site de notícias. Lá, algum destaque chamou a sua atenção, motivou um clique. No final da página, na lista de "notícias relacionadas", existia alguma chamada interessante ou sensacionalista que pareceu merecer alguns minutos do seu tempo. Na lateral direita, surge a sempre atraente lista de notícias mais lidas e, se são sucesso de cliques, não custa dar uma olhadinha. No meio do próximo texto, um nome sublinhado indica um link para informações mais detalhadas sobre determinado personagem da matéria principal, aquela que você leu lá atrás, na home do seu navegador. Distraidamente, você escolhe ver o que se esconde neste link, embora nem se lembre mais de ter lido aquele primeiro texto. Neste processo todo, que deve ter durado uns quinze minutos, você se vê perdido nos labirintos do ciberespaço.

Quantos links há em um portal? Em um site? Em uma única página? Quantas vezes cada um deles foi atualizado? A amplitude da internet, o porte monumental de bits e informações que ela suporta é a materialização de um sonho antigo, que data da Revolução Francesa e do Iluminismo. Os primeiros passos foram dados pelos idealizadores do projeto da Enciclopédia. Tudo começou em 1750, quando d' Alembert e Diderot deram início a um plano ambicioso: dar conta de todo o conhecimento da humanidade. No início, seriam oito volumes, 1625 cópias distribuídas nas mãos de poucos privilegiados, a elite do saber.

Não tardou para que alguns problemas sérios dificultassem a realização da obra. Em "Informação e Sentido", Paulo Serra enumera os primeiros impasses enfrentados pelos enciclopedistas. O primeiro deles era o próprio tempo. A criação intelectual não é estática. Nem mesmo as ciências naturais estão imunes alterações resultantes do passar do tempo. A primeira versão de enciclopédia levou 22 anos para ser concluída. Neste intervalo de tempo, boa parte dos dados catalogados por seus organizadores já não seria a mesma. Atualizações permanentes estavam fora de cogitação. O segundo problema apontado por Serra é a forma de organização dos conteúdos da enciclopédia e a interligação de todos eles. O último se refere ao critério de avaliação do que é, de fato, memorável e digno de registro.

Hoje, as barreiras físicas da Enciclopédia foram ultrapassadas, mais que isso, superadas. O projeto atingiu um patamar antes inimaginável. Surge a internet. Não há mais conflito entre a realização de um feito e sua divulgação. Até mesmo o computador deixou de ser necessário, basta um celular para acessar a rede e postar a informação, em apenas um toque. Nada é pedido em troca, é a tal "democracia da informação". Qualquer um pode deixar sua marca na rede e expandir esta mídia que cresce segundo após segundo.

A internet, a primeira vista, resolve todas as lacunas deixadas por seu projeto antecessor. Em contrapartida, vêm à tona outras questões que não podem ser ignoradas. Se o tempo e o espaço não são mais problema, a capacidade infinita de armazenamento leva à eternização do descartável. O conto "Funes, o Memorioso", de Jorge Luis Borges, é a metáfora da situação atual da internet. No conto, o personagem Ireneo Funes tem uma memória capaz de registrar o mundo nos seus mínimos detalhes. Uma quantidade de informações quase insuportável de armazenar. Não pode pensar, porque o pensamento implica em generalizações e reduções.

É neste ponto que reside a diferença crucial entre o conceito de enciclopédia e o do hipertexto. Enquanto o primeiro pressupõe a centralização do conhecimento e pretende englobar os diferentes ramos do saber por meio de uma organização lógica e sistemática em cadeia, o segundo não adota critério, por ser uma obra coletiva em processo de construção constante. Os dados sem acumulam sem classificação ou ordem de importância.

A internet não é o território do conhecimento, mas sim da informação. Neste detalhe talvez esteja a chave para entender a fonte de alimentação que faz seu conteúdo se multiplicar a tamanha velocidade. Enquanto a enciclopédia organizava, a internet pulveriza e abre espaço para diferentes ramificações, caminhos por onde nos perdemos diariamente.

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