domingo, 15 de novembro de 2009

Sobre desinformação e esclarecimento

Por Luiz Henrique Mendes (Matrícula 06008623)

Funes, o memorioso, conto do escritor argentino Jorge Luís Borges, funciona uma perfeita metáfora do hipertexto, do fluxo informativo disponível na rede mundial de computadores, a internet. A personagem central do conto, tal qual a internet, detém uma capacidade incomum para guardar informações, sua memória é prodigiosa

Isto porque, apesar de sua hiper-memória, Funes não era capaz de pensar, hierarquizar as informações a seu poder e interpretá-las de modo crítico, produzindo um conhecimento ativo e que lhe desse a condição de sujeito político. Em resumo, o emaranhado de informações – por vezes banais – guardadas não fazia de Funes um sujeito privilegiado. Conforme Bergson, citado no artigo Informação e Sentido, de Paulo Serra, “a memória é tão essencial à construção (e definição) da subjetividade, de identidade individual, como à interpretação, à atribuição de sentido”.

Um processo semelhante acontece com a internet. Exaltada por muitos teóricos como parte do emergir de uma era de informações, em que todos os acontecimentos da vida seriam iluminados, esclarecidos e disponibilizados, a internet funciona como a memória de Funes. Trata-se de uma coleção de informações que, no seu todo, mais confundem do que esclarecem. O excesso de informações, ao contrário do que inicialmente se possa considerar, provoca um processo de desinformação em massa, reduzindo a capacidade hierarquizar e, por certo, de pensar o mundo.

O acúmulo de informações, tanto em Funes quanto na internet, é desorientador. Paulo Serra, ao comparar a personagem de Jorge Luís Borges com o hipertexto, questiona: “ora, não será que a Internet apresenta hoje, e cada vez mais, os problemas implicados pela hiper-memória de Funes? Também na internet não há, hoje, um biblioteca, um museu, uma enciclopédia – mas uma multiplicidade, cada vez mais confusa, desorganizada e mesmo repetitiva de bibliotecas, museus e enciclopédias?”

Neste sentido, o da desinformação pelo excesso, a internet (por meio do hipertexto) trabalha no sentido da confusão conceitual e desorientação política. “O acréscimo de informação não só acarreta um acréscimo de conhecimento como conduz, mesmo, ao seu decréscimo” (SERRA).

Há, porém, uma outra condição relativa à internet. Surgida para dar suporte ao exército norte-americano nos tempos de Guerra Fria, a internet traz consigo o legado do projeto iluminista dos enciclopedistas – especialmente D’Alambert e Diderot - do século XVIII.

O projeto enciclopedista, que tinha como uma de suas características fundamental o exercício da razão em detrimento do obscurantismo da Igreja, ambicionava catalogar todo o conhecimento da humanidade numa só obra e, segundo Peter Burke, a enciclopédia “é uma reunião da informação disponível em sua época, e tem uma vívida ilustração tanto da política como da economia do conhecimento”.

De acordo com Diderot e D’Alembert, as tarefas da enciclopedista é “traçar uma espécie de mapa-mundo (não exatamente do mundo, mas do mundo da cultura) onde estivessem marcados, como se de países se tratasse, os diversos conhecimentos, a sua posição relativa, o caminho que vai de um ao outro, os obstáculos que embargam esses caminhos, os vazios, as zonas por explorar, onde fosse possível entreves as passagens secretas e as saídas” (POMBO).

Em suma, a enciclopédia, à maneira de um dicionário, compilava verbetes a respeito do conhecimento produzido em determinado tempo da história. A hipertexto (e a internet), por sua vez, trazem consigo a compilação do conhecimento. Ao contrário da enciclopédia, em que “organizadores” hierarquizavam e filtravam o conhecimento a ser disponibilizados, a internet é um território sem organizadores, de modo que a informação disponível é aleatória, o que é uma desvantagem em relação à enciclopédia, pois a internet torna-se refém de informações banais e, por vezes, estritamente relacionada à lógica das leis de mercado. Por outro lado, a internet, ao contrário da enciclopédia, por não necessitar de um suporte material, é infinita e atualizável. O acúmulo de “verbetes” pode ser feito de forma mais robusta.

Tem-se, então, que a internet tem potencialidades dúbias. Ao mesmo tempo em que desinforma pelo excesso, a internet pode funcionar como uma forma melhor de organizar o conhecimento, otimizando a função da enciclopédia. Para tal, contudo, o leitor/usuário terá de se preparar para enfrentar o emaranhado de informações, agregando habilidades para hierarquizar e utilizá-las de maneira crítica. Em suma, a internet pode atuar em prol do esclarecimento, talvez à maneira com que Diderot e D’Alambert pensaram ao criarem a “Enciclopédia ou dicionário raciocinado de ciências, de artes e de artes mecânicas, por uma sociedade de gente de letras”. Para isso, porém, deve-se evitar o constrangimento e a histeria pela memorização irrestrita, pela perpetuação do modo Funes de ser – e não pensar.

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