domingo, 15 de novembro de 2009

Enciclopédia pública

“A democracia guarda, nos seus fundamentos, o princípio de que o poder emana do povo e em seu nome é exercido. Disso resulta que, sem o livre fluxo de informações e opiniões, o regime democrático não funciona, a roda não gira. A delegação do poder e o exercício do poder delegado dependem do compartilhamento dos temas de interesse público entre os cidadãos. Quanto mais inclusiva, mais a democracia se empenha em expandir o universo dos que têm acesso à informação e garante transparência na gestão da coisa pública. Quanto mais vigorosa, mais ela faz circular as idéias.”

Uma importante distinção entre a enciclopédia nos moldes de D’Alembert e Diderot, e Internet, tida como sua representante, sendo fonte de informações no mundo contemporâneo, esta no caráter político de seus formatos. Enquanto que a enciclopédia distribui o conhecimento, a internet o faz mediante uma interação complexa entre cidadãos globais, que restitui muito do que se propõe como a esfera pública da sociedade.

Em Três Modelos Normativos de Democracia, Jürgen Habermas apresenta uma discussão acerca dos ideais republicano e liberal de democracia, baseado em uma crítica à ressignificação que fazem da esfera pública. A partir da apresentação dos desequilíbrios de cada um dos modelos, Habermas propõe uma matriz democrática deliberativa, que proporciona um compromisso entre o público e o privado. Para tal propósito torna-se necessário uma nova forma de atuação da coletividade sobre as deliberações, e que deve se apoiar na desformalização do poder, a partir da teoria do discurso. Com isso, seria possível recuperar a esfera pública e suas atividades, remetendo aos “deveres do cidadão” designados pela democracia clássica.

Habermas enfatiza a necessidade de uma ação comunicativa para delinear essa interação e revitalização da atividade pública. Com isso, parece ser possível uma autodeterminação política dos cidadãos que passariam a se posicionar deliberativamente nas diversas questões de interesse comum. Essa interação permitiria uma conscientização que, no plano social, levaria a determinações acerca da vontade coletiva dos cidadãos.

Ou seja, Habermas assume como central a questão da comunicação e do discurso coletivo para o bom funcionamento de um modelo democrático e para tanto enfatiza a necessidade de se trazer de volta à tona a opinião pública, a vontade coletiva e a reformulação de uma cidadania ativa e engajada.

“Seria preciso revitalizar a esfera da opinião pública até o ponto em que uma cidadania regenerada pudesse (re)apropriar-se, na forma da autogestão descentralizada, do poder burocraticamente autonomizado do Estado.”

A importância da internet hoje em dia tem pode ser relacionada em alguns pontos com a teoria defendida por Habermas.

A Internet se torna um espaço público para cada cidadão, no qual todos podem ser receptores e produtores de mensagens e informações. Ou seja, a Internet é, ao mesmo tempo, onipresente e pessoal. É um espaço que diferente de outros, como propagadores de informação, como a televisão, o rádio, a biblioteca ou a enciclopédia, permite que a cidadania encontre novas formas para interagir, revitalizando a coletividade e a troca de juízos, proposta por Hannah Arent. Faculdade essa que, segunda a filósofa, é condicionada à esfera pública, que ela define a partir das concepções da antiguidade grega: público é onde há coletividade, pluralidade e presença de diferentes opiniões.

A definição do espaço público feita por Habermas deixa ainda mais clara a importância da interação, bem como as semelhanças com o ambiente virtual:

"Em sociedades complexas, a esfera pública forma uma estrutura intermediária
que faz a mediação entre o sistema político, de um lado, e os setores privados do
mundo cotidiano e sistemas de ação especializados em termos de funções, de
outro lado. Ela representa uma rede supercomplexa que se ramifica espacialmente
em um sem número de arenas internacionais, nacionais, regionais, comunais e
subculturais, que se sobrepõem umas às outras; essa rede articula-se objetivamente
de acordo com pontos de vista funcionais, temas, círculos políticos etc., assumindo
a forma de esferas públicas mais ou menos especializadas, mas ainda acessíveis
a um público de leigos (por exemplo, em esferas públicas literárias, eclesiásticas,
artísticas, feministas ou, mesmo, esferas públicas «alternativas» da política de
saúde, da ciência e de outras áreas); além disso, ela é diferenciada por níveis, de
acordo com a densidade da comunicação, da complexidade organizacional e do
alcance, formando três tipos de esferas públicas: esfera pública «episódica» (bares,
cafés, encontros na rua), esfera pública de «presença organizada» (encontros de
pais, público que frequenta o teatro, concertos de rock, reuniões de partidos ou
congressos de igrejas) e a esfera pública «abstrata», produzida pelos meios (leitores,
ouvintes e espectadores singulares e dispersos globalmente). Apesar dessas
diferenciações, as esferas públicas parciais, construídas por meio da linguagem
comum ordinária, são porosas, o que permite uma ligação entre elas"

Com isso, se propagam cidadanias, e redes de trocas de informação e debate.

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