quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Penso, logo desisto

Você já assistiu o ultimo vídeo do momento? Já conferiu a ultima foto da ultima vedete do momento? Já baixou o ultimo disco da ultima banda do momento? Já leu a ultima postagem do ultimo “blog” do ultimo blogueiro do momento?
E nem vai conseguir, cara-pálida! Nesse mesmíssimo instante milhares de vídeos, musicas, textos, fotos (precários ou não, é irrelevante) estão sendo despejados nessa infinita rede de informações que hoje chamamos internet. E nem adianta perseguir a novidade do momento porque já não mais existe, nem a novidade e nem o momento. O que é novidade num tempo onde tudo pode ser visto? O que significa o tempo se hoje ele nos escapa a cada milésimo de segundo, de forma que sempre perdemos o surgimento do ultimo vídeo, a ultima banda, a ultima notícia?
A verdade é que a burlesca velocidade pela qual hoje viaja a informação dissolveu as fonteiras do tempo e embaçou nossa visão de mundo, uma vez que o computador, a máquina, já excede em muito o poder de acúmulo e processamento de dados que tem o cérebro humano. De certa forma nos conectamos a esse mundo virtual que a máquina nos proporciona, e que não me deixem mentir os milhares de celulares, “laptops” e “palms” - computadores de mão, canivetes virtuais – pelos quais muita gente se sentiria pelado caso os esquecessem em casa. A informação engolfou o homem, e não o contrário.
Muita gente pode crer que é divino viver em um mundo onde de tudo se tem o acesso, onde o conhecimento – seja ele velho, novo, iminente – possa ser compartilhado com um número cada vez maior de pessoas em qualquer parte do globo e a qualquer momento. Esse seria o cumprimento de um projeto antigo que ganhou força com os iluministas, o da famosa enciclopédia que reuniria todo conhecimento de um tempo. Organizada por ordem alfabética, ela funcionaria semelhante à rede virtual, onde cada explanação de cada item – organizados por ordem alfabética, conteria verbetes referentes a assuntos relacionados, seguidos de sua respectiva localização na enciclopédia. Nota-se a semelhança com o funcionamento dos “links” da rede virtual, onde cada página ou texto contém uma portinhola para outro assunto devidamente relacionado com o original (se é que se sabe onde se começou e onde se terminou).
Não é difícil imaginarmos em quanto a internet superou uma antiquada coleção de volumes de livros: as pesquisas ficaram muito mais rápidas; os assuntos sempre em constantes atualizações, é mesmo possível que se participe da produção desse conhecimento, corrigindo, postando, atualizando, entrando em contato com o autor e, da mesma forma, recebendo as opiniões dos internautas.
As vantagens da internet sobre a enciclopédia ficam perfeitamente visíveis, de modo que nem adianta mais se animar com a nova edição da Barça ou da Britânica, já que você pode consultá-las na rede com muito mais facilidade. O erro é achar que tal pesquisa seja real e integralmente instrutiva. Quem nunca teve a impressão de que entrou mudo e saiu calado de uma viagem por links e mais llinks, que nem se sabe porque foram escolhidos no meio de tantos? Quem nunca recebeu uma infinidade de e-mails com assuntos um mais inúteis que ou outros? Quem nunca, em sua pesquisa virtual, teve a impressão de que lia as mesmas linhas dos sites anteriores?
Não só o conhecimento que se encontra na internet é questionável, como a capacidade do navegador deixa paulatinamente de ser seletiva para dar lugar a um consumo desenfreado de informação, na ilusão, talvez, de se acoplar à máquina, de compartilhar de sua memória ilimitada. Essa busca pela eterna novidade, por ver tudo que pode ser visto, entender tudo que pode ser entendido, nos seria assim tão útil? Jorge Luis Borges, em seu conto “Funes, o Memorioso”, não parece crer nessa hipótese ao criar um personagem com uma memória sobrehumana, semelhante à da inteligência virtual.
Tal personagem, Ireneu Funes, é capaz de lembrar-se das mais específicas lembranças de qualquer época de sua vida, chegando a elaborá-las em uma contagem numérica que “em muito poucos dias havia ultrapassado vinte e quatro mil”. Para Funes a lembrança da fragrância de uma flor, ou de uma determinada cena visual qualquer, não seria nada além de uma cifra, como 354 ou 3.567 ou 23.678. Nosso personagem chega a se confundir sobre a fronteira entre sonho e realidade, já que memoriza da mesma forma todos os seus sonhos.
Borges nos alerta em seu conto sobe a importância do esquecimento: “Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, é abstrair”, coisa que já se torna difícil quando temos a ilusão (e a internet vem nesse ponto nos assaltar) de que vemos todas as nuances de todas as coisas em seus mais específicos pormenores. A fantasia de nos tornarmos todos Funes na vida pode assim apagar a verdadeira função da informação, deixando-nos como múmias a vagar por um mundo de flashes contínuos de estímulos, um mundo que não existe em nenhum lugar que não alheio a nós.

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