segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Excesso de luz

Por Mônica Ramos

“A minha memória, senhor, é como um despejadouro de lixo”. A frase é do personagem-título da ficção “Funes, o misterioso”, de Jose Luís Borges. No enredo, Funes é impossibilitado de esquecer, de modo que, em sua cabeça, passado, presente e futuro se confundem. Assim, todas as lembranças se acumulam e se equivalem, tornando impossível distinguir o memorável do desprezível.

No artigo “Informação e sentido”, Paulo Serra aponta que a Internet apresenta hoje os mesmos problemas causados pela hiper-memória do personagem de Borges. Assim como na ficção, o excesso de informação que circula na rede de computadores cria ao usuário o problema de selecionar o que é relevante e o que não é.

Ao longo do texto o autor desconstrói a ideia de que mais informação leva a um acréscimo de conhecimento, como propõem os teorizadores da Sociedade da Informação. Serra compactua da noção defendida por Jean Baudrillard e Neil Postman, de que, ao contrário, o excesso de informação leva a um decréscimo de esclarecimento. Postman, principalmente, é mais específico ao criticar a explosão dos mais variados conteúdos na era informática como responsável pela deflação de entendimento a respeito dos fatos. “Estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido”, analisa.

Serra nos mostra que a Sociedade da Informação resgata a concepção de transmissão de conhecimento do projeto iluminista de Enciclopédia, de Diderot e D’Amblert, levado às últimas consequências com a internet. Por um lado, os meios de comunicação cumprem com um dos objetivos centrais da Enciclopédia – fazer chegar o conhecimento ao maior número possível de indivíduos – mas, por outro, levam um tipo de informação atraente e interessante, que se destina a ser consumida imediatamente e esquecida.

O autor fala do jornal como um meio de saciar a curiosidade evanescente dos leitores, que alimenta o desejo das pessoas em ver tudo, mesmo que tal lhe cause desprazer ou horror, “(...) um pretender ver por ver e não por compreender, um saltar de novidade em novidade, na procura de uma distração permanente, um querer saber não para o saber mas para o ter sabido”.

A reflexão não poderia ser mais atual em tempos em que o Twitter se consolida como um importante meio de comunicação, aliando a instantaneidade permitida pela internet com o interesse dos usuários por notícias “quentes”. A definição de Serra, aliás, não poderia ser mais apropriada ao microblog: o que se apreende, afinal, do turbilhão de textos de 140 caracteres, sobre os mais variados assuntos, a que temos acesso diariamente?

É claro que a função do Twitter não é mesmo a de ser, em si, uma fonte de conhecimento. O propósito, em geral, é disseminar informações sobre eventos e acontecimentos o mais rápido possível. No entanto, é aí que se apresenta o problema da “seleção” apontado por Serra: dados relevantes e irrelevantes se misturam num ritmo frenético, fazendo com que o consumo de informações seja “naturalizado” (ou mesmo banalizado), reduzindo, assim, a reflexão e a crítica diante delas. É a tal da cegueira pelo excesso de luz.

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