domingo, 22 de novembro de 2009

Memória, Razão e Imaginação

por Victor Luiz Moraes Esteves

É engraçado como as coisas acontecidas no passado se repetem no presente, ou já adiantavam como seriam as coisas no futuro. Me chamou a atenção o fato de que Borges situou o seu memorioso Funes no final do século 19, e a sua singularidade de não esquecer nada e ao mesmo tempo não dar sentido a tudo que sabia, ser hoje uma clara alusão ao poder mnemônico da rede mundial de computadores. Assim como o projeto enciclopédico, detalhado até o nível da chatice explícita pelo Prof Dr Antonio Hohfeldt, também se referir a um grande projeto da humanidade, mas que só agora, com a Internet, corre o risco de alcançar o seu objetivo. Como o objetivo era falar um pouco sobre a ligação entre os 4 textos, vou adotar um modelo de tópicos, que eu espero que facilite a leitura e, principalmente, a minha organização das idéias.
1. A vertigem do ciberespaço é a versão moderna dos labirintos do saber acumulado dos gregos e romanos
Se o esclarecimento é a saída do homem da sua menoridade, a internet permite hoje que muito mais pessoas consigam acessar a informações antes restritas e socialmente discriminadas. É claro que a lógica capitalista já se instalou na rede, e só os ingênuos imaginam que a informação está simplesmente democratizada. Mas é fato que as fontes de consulta cresceram exponencialmente, e isto ajuda a pesquisa e o desenvolvimento humano.
2. O HIPERTEXTO prolonga e se articula com o projeto enciclopedista
O maior mérito da rede mundial de computadores, a meu ver, está na “cotidianização” da busca de informações e do conhecimento. Acessível a quase 40% da população brasileira, e em crescente expansão, a internet difere do projeto enciclopedista por não ser elitista na sua confecção, mas é a única maneira de pessoas que não teriam acesso aos livros e bibliotecas conseguirem expandir seus limites e fazerem suas próprias pesquisas. Quem não viveu não sabe, mas a compra de uma enciclopédia era um fato importante, e pelo preço, restrito às classes sociais mais abastadas. O fato da rede reunir, se não todo o conhecimento humano, como pregavam os enciclopedistas, mas grande parte deste conhecimento, de certa forma encadeia o projeto da enciclopédia com a internet, nesta busca aos registros – e principalmente do acesso irrestrito – do que temos publicado, pensado e guardado da humanidade.
3. Memex, o conceito criado por Vannevar Bush, em 1945, propunha um dispositivo de recolher e selecionar material, baseado na indexação associativa, e não na ordem alfabética – é o hyperlink ?
Como disse antes, é impressionante como o passado adianta o futuro, em alguns momentos. Mesmo a mudança da forma de indexação algumas enciclopédias, que passaram a ser “temáticas”, fugindo da tradicional ordem alfabética, não imaginaria a imensa capacidade que um hiperlink traz para a dinâmica de leitura e pesquisa. Pelo menos este Bush tinha uma visão mais interessante da pesquisa do que seu triste xará do século 21. Os textos e trabalhos escritos hoje já fazem uso dos hyperlinks, com figuras e símbolos remetendo a outros textos ou à partes do mesmo texto. Mais um conceito que virou parte do cotidiano de alunos e funcionários.
4. As diferenças entre a enciclopédia e o hipertexto : Seletividade, Credibilidade, Método de filtragem, indexação e pesquisa
Prato cheio para os pessimistas de plantão, a credibilidade do que se apura na rede é sempre criticada, de tal maneira que a internet acaba sendo vista como mais um “ópio para o povo”, mais reguladora do que emancipadora. É claro que existe muita “bobajada” no ambiente WEB. Mas esta mesmas bobagens já existiam no formato impresso, e as pessoas pagavam por isso. O fato de aumentar a capacidade de selecionar, de possuir métodos de filtragem e pesquisa mais eficientes e acessíveis, confere a quem a usa uma arma poderosa na busca do conhecimento. O que precisa mudar é o interior de cada um, é a capacidade de distinguir e dar sentido ao que se encontra. E isso vale para quem vai a uma biblioteca ou para quem acessa a Wikipédia.
5. Os ganhos na passagem da enciclopédia para o hipertexto
Olhando os principais problemas apontados no projeto da enciclopédia (Atualização, Organização e Relevância), podemos entender os ganhos no modelo da rede mundial. A atualização deixou de ser um problema, pois o “grande arquivo da rede” muda em tempo real. A organização é polifórmica, ou seja, existem vários tipos de organização possível e ferramentas para usarmos estas maneiras diferentes de indexação e pesquisa. Por fim a questão da relevância é quase um assunto de foro íntimo. É o leitor, ou cibernauta, quem decide como apurar a sua percepção do que importa ou não. Pessoas que não sabem fazer esta separação de importância dos assuntos na internet são as mesmas que não saberiam fazê-la no mundo impresso.
6. Relação entre informação e sentido : O mito de que informação é sentido
É verdade que temos hoje uma perda do sentido das coisas, e que mais informação pode trazer a desinformação. Mas o mundo precisa andar para frente e não cabem aqui saudosismos pelo “bom tempo em que as pessoas liam livros inteiro e extraíam o máximo destas leituras”. O número de pessoas que vão continuar lendo os livros e se aprofundando será muito maior do que antes, como resultado não só da evolução econômica e cultural do mundo, mas também do crescimento demográfico e da própria existência de novos meios de se conhecer o que está sendo lançado em “produtos” culturais. Entre estes meios, a própria Internet. É fato que o excesso de luz pode cegar. Mas sem luz não há meio de se enxergar. É mais fácil colocar um óculos escuros para aprender a diferenciar as coisas amenizar as luzes fortes do que arrumar um sofisticadíssimo óculos infravermelho para enxergar no escuro. Mais informação, por si só, não garante nenhum desenvolvimento. Mas ao invés de maldizermos o excesso, é hora de nos preocuparmos em destacar o que é relevante, e de ensinar a quem não tem colírio a usar óculos escuros.
7. O que mata o sentido é o esquecimento e a não memorização ?
Fico pensando se no passado as pessoas realmente se lembravam de tudo que liam, como parecem nos dizer os que entendem que “o que mata o sentido é o esquecimento e a não memorização”. Talvez sim, já que a quantidade de informações era bem menor. Mas o esquecimento é um dom. As pessoas não precisam ser máquinas de memória não volátil. Com a quantidade de informações existentes no mundo, e que nos bombardeiam de todas as formas (rádio, TV, outdoors, jornais, revistas...) seriam humanamente impossível guardar tudo. Se o que guardamos é o que “devemos”guardar, é outro assunto. De novo, o que importa é como cada um está se relacionando com o conhecimento. O que mata o sentido, por exemplo, nos jornais impressos diariamente, é o fato dele trazer notícias de ontem, depois de já termos visto tudo pela televisão 24 horas antes. É o fato da grande imprensa estar se afastando dos leitores, quando criminaliza os movimentos sociais ou quando faz a cobertura de maneira partidarizada ou incompleta, gerando movimentos como o Centro de Mídia Independente.
8. Divertir e Agradar ou Instruir e Comover ?
Ambos. Espero estarmos no final da era em que os “sábios” decidem o que é melhor para cada um. A internet deve servir para agradar, para instruir, para divertir e até mesmo para comover. Sempre existirão os dois tipos de internautas, aquele que distingue (a minoria), daqueles que formam a massa que querem apenas saltitar entre uma veleidade e outra, inconsequentemente.
A internet é memória porque personifica o barateamento absurdo do armazenamento de informações. A internet é razão, porque sua criação, manutenção e desenvolvimento é fruto típico da capacidade racional humana. E a internet é imaginação, porque seu destino e fim é impossível de ser determinado neste momento em que estamos no limiar de uma nova revolução da humanidade, que encerra a revolução industrial e adentra na era da informação.
Não cabe a nós, nem a ninguém patrulhar o uso da internet. Não existe o risco de entregarmos a alma ao diabo pelo “consumo” da internet. Quem o faria, na verdade já o fez.

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