quinta-feira, 12 de novembro de 2009

De Cabral a Shakira – da Enciclopédia ao Google

Por André Cintra de Souza Pereira

Faça um exercício interessante: procure “Pedro Álvares Cabral” no Google. Será possível encontrar diversos artigos sobre Cabral, sendo relacionados todos ao descobrimento do Brasil e seus desdobramentos. Agora, faça diferente. Procure “Shakira”, também no Google. Se a quantidade de resultados encontrados para Cabral foi grande, a da cantora latina foi muito maior. Mais precisamente, há 629 mil resultados para Cabral contra 30 milhões para Shakira. Não pense, porém, que Shakira – que rebola como ninguém - é 47 vezes mais importante para a humanidade do que Cabral – o coitado que só descobriu nosso país.


Daí se vê claramente um dos critérios mais evidentes e absolutos na internet. Nela, a relevância não se dá pela importância ou pela qualidade. Pelo contrário: se dá pela popularidade. Então para alguém ser notável na internet não precisa descobrir um país. É preciso ter fama. Basta fazer algo de que muitas pessoas gostem e, principalmente, gostem de falar que gostam.


Isto não mostra, porém, que esta época tenha algo de anormal. Em outras épocas, não existia o Google. Mas creio que se nos anos 60 ele existisse, haveria mais verbetes dos Beatles do que de Jesus. Se no século XVIII houvesse Google, Napoleão seria mais popular que Deus. E assim por diante. E isto também não mostra que a nossa sociedade anda esquecendo de figuras e fatos importantes. Pois basta fazer o contrário – passar da internet para o papel.

Em uma enciclopédia comum, procure “Pedro Álvares Cabral”. Certamente haverá um verbete bastante farto e ilustrado, mostrando por que Cabral existiu e por que ele foi importante. Então procure Shakira, a cantora colombiana. Lamento desapontar, mas ela não terá um verbeto específico. Muito pelo contrário. O que mais se aproximará de Shakira será Colômbia!


Este fenômeno de relevâncias se explica com tranqüilidade. Quando d’Alembert e Diderot concluíram o projeto de enciclopédia, ele foi tratado como um grande fenômeno intelectual, um dos grandes símbolos do Iluminismo. Ele era algo como um passo além do dicionário. Porque além de explicar o que as coisas significavam, procuravam dar um aprofundamento maior. Não era somente a explicação de uma palavra, mas a explicação de quase todas as coisas. Como diz Robert Darnton: o elemento radical da Enciclopédia não residia em uma visão profética(...) mas em sua tentativa de mapear o mundo do conhecimento segundo novas fronteiras, determinadas única e exclusivamente, pela razão.


Quando em 1996, Larry Page e Sergey Brin, da Universidade de Stanford, projetaram o Google em um projeto de doutorado, as aspirações eram totalmente diversas. Até porque, a enciclopédia já existia nessa época. Eles queriam um site de busca rápido, avançado e com grande quantidade de links. Por isso, já em sua essência, nota-se que o Google se desenvolve sem seguir um critério específico ou centralizado. Pelo contrário. Ele se desenvolve por pessoas de todo o mundo que criam sites e páginas de acordo com o interesse próprio.


Então já podemos ver grandes diferenças entre as duas “entidades”. Enquanto a Enciclopédia foi um êxito intelectual, o Google é um êxito muito mais tecnológico. E se a enciclopédia pretendia a unir conhecimento, o Google procura unir informação e, por meio dela, as pessoas.


Perceba que no Google não há informação que seja plenamente confiável. E isto não chega a ser um grande problema, porque não há quem esconda isso. Nele, os amadores e profissionais são postos lado a lado – ou melhor, um acima do outro. É por isso que nele há uma grande quantidade de falsa informação que se transforma rapidamente em notícia. Daí se nota que, no meio de tantas informações, há uma elevada perda de sentido.


Se compararmos novamente o Google com a enciclopédia, haverá outra diferença avassaladora. Na Enciclopédia, havia 71.818 verbetes. Ora, como sabemos, este seria um número irrisório para o Google. Ele tem mais verbetes sobre a enciclopédia (20500000) do que a enciclopédia sobre o mundo inteiro. Porém, pela própria natureza dos dois elementos, não é possível afirmar que quem se informa pelo Google está mais capacitado do que quem lida com a enciclopédia.


A imensa quantidade de hipertextos do Google e da internet é capaz de acelerar a informação a velocidades nunca antes vistas. Porém, a grande qualidade do Google e da internet podem ser seus grandes defeitos. O usuário acaba tendo que lidar com tanta informação, tantos enfoques diferentes e contextos não explicitados, que acaba... desinformado.


Enquanto isso, enquanto alguém lê a enciclopédia, vê vagarosamente não tantas informações sobre as coisas e termina por... aprender!

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