sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Todo o poder aos receptores!


Por oito votos a um, o STF derrubou no dia 16 de junho a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. A decisão trouxe mais calor a uma discussão que já fervia desde a consolidação da internet como fonte de informação. De um lado, a defesa do jornalismo responsável, feito profissionais e difundido por veículos tidos como ‘de confiança’; do outro, a poderosa ascensão dos blogs e microblogs - páginas de conteúdo livre, cujos autores podem ser de leigos a especialistas. A raiz do debate, assim como a base da argumentação dos ministros favoráveis a essa decisão, tem alicerce na liberdade de expressão e informação, garantida pela Constituição Federal. No mesmo embate entram as críticas negativas e elogios feitos às enciclopédias online livres e colaborativas.Tudo isto porque a internet revolucionou os métodos de busca por conteúdo e abalou as estruturas da Teoria da Comunicação aplicada à veiculação de informações.

Já estiveram muito bem definidos os papéis de emissor e receptor dentro desse sistema. Jornais impressos, revistas, programas de rádio, telejornais, enciclopédias, dicionários, livros didáticos, entre outros, sempre cumpriram a função de informar leitores, ouvintes e telespectadores que limitavam-se à condição de meros receptores.

Os blogs surgiram nos anos noventa como uma espécie de relato de links interessantes. A febre pegou de vez em 2001 e, aos poucos, os receptores perceberam nessa ferramenta a possibilidade de expressar opiniões, informar o que os jornais não informam, iniciar debates, divulgar trabalhos sociais, criar conteúdos, enfim, experimentaram de um poder antes restrito aos emissores. Não deixaram de receber informações das fontes habituais, mas ganharam voz para confrontar, reforçar, distorcer, divulgar...

Outra séria ameaça ao domínio dos emissores nasceu com o advento das enciclopédias online colaborativas. A liberdade proposta pela Wikipédia, por exemplo, causa arrepios nos dependentes de fontes ‘oficiais’: “qualquer pessoa com o acesso à Internet pode modificar qualquer artigo, e cada leitor é potencial colaborador do projeto”. Ou seja, aqui cai por terra distinção habitual entre emissores e receptores. Tem-se a possibilidade de escolher que papel assumir.

A inevitável pulverização de fontes decorrente deste processo contempla a liberdade de expressão ao mesmo tempo em que expõe três questões cruciais, daquelas capazes de alimentar debates infinitos no âmbito jornalístico. A primeira trata da possibilidade de dar voz aos pequenos e minimizar o monopólio da grande mídia sobre a veiculação de informações; a segunda é sobre a credibilidade de fontes alternativas; e a terceira questiona se há real ganho intelectual com a ampliação do acesso a informações.

Particularmente, desconfio quando dizem que vivemos um momento de democracia digital. Poderíamos chegar lá, não duvido do potencial da internet. Mas, em uma era de domínio dos sites de busca, onde “jogar no Google” virou sinônimo de “pesquisar na web”, nem todas as fontes ganham o destaque necessário para que se considere uma real tendência à pluralização de vozes. Sites com maior audiência são priorizados. Critérios pouco conhecidos pelo grande público são adotados na hierarquização dos resultados em sites de pesquisa.

O culto às chamadas fontes oficiais coloca em questão a credibilidade de páginas menos visitadas, menos conhecidas. É certo que depositar total confiança no conteúdo da web expõe o internauta à possibilidade de crer em informações incorretas. Mas esta não é uma particularidade da internet, qualquer veículo pode oferecer tal risco, se não for adotada uma postura devidamente crítica diante do que é informado.

O problema da web é que ela atende com eficiência a uma demanda crescente por informações de rápido consumo. A necessidade de atualizações rápidas culmina na produção de conteúdos razos, porém com profundidade suficiente para satisfazer leitores apressados. Dessa relação de cumplicidade entre emissores cobrados por alta produção e receptores ávidos por novidades quentes, nascem fontes metralhadoras de conteúdo. Um turbilhão de informações é diariamente despejado sobre um público que ainda não encontrou uma forma de assimilar tal quantidade.

Escrito por Paulo Serra, o artigo “Informação e Sentido” aponta para essa questão e mostra que o internauta sente dificuldade em selecionar e incorporar o que de fato é relevante, o que, paradoxalmente, gera uma legião de alienados pelo excesso de informação, cegos pelo excesso de luz.

Considerando-se a grandeza e bipolaridade do potencial da internet, faz-se necessária uma reeducação dos receptores. A busca pelo uso benéfico da rede não pode se encerrar na crença de que o excesso de luz cega e, portanto, não há o que fazer. O ser humano é capaz de enxergar até no escuro, se necessário. É preciso um esforço coletivo para adaptar os olhos à dinâmica virtual.

Nenhum comentário:

Postar um comentário