terça-feira, 10 de novembro de 2009

Googlar

Na última semana, meu irmão de 16 anos estava em semana de provas no colégio e, durante seus estudos para as disciplinas História e Geografia, notava seu constante olhar para a tela do computador.
Antiquado como poucos, perguntei a razão de tantas espiadelas no PC: um papo no MSN, fotos de uma gata no Orkut ou um tweet inadiável? Na verdade ele buscava no Google as informações que a preguiça impedia de xeretar no seu livro.
Meia hora depois ele me questionou sobre os conflitos do último século nos Balcãs. Realmente minha memória não estava em um de seus dias mais felizes e dei três sugestões para que sua dúvida fosse solucionada: a Enciclopédia Larousse, o livro didático que estava em sua mesa ou o livro O Mundo Contemporâneo (Demétrio Magnoli), obra bastante significativa para mim quando cursava o Ensino Médio.
Para meu espanto, sua primeira atitude foi voltar-se àquele que tudo sabe – sim, o Google – e fazer a pesquisa sobre o tema em questão e posteriormente buscou um resumo do livro do verborrágico geógrafo. A Wikipédia – sempre ela – foi acessada, mas as contextualizações históricas pareceram não agradar e, afinal, a consulta às publicações foi feita.
É impressionante a falta de familiaridade dos jovens – muitas vezes me incluo neste contexto – com o papel. Parece ser mais fácil googlar (pois é, logo logo vira verbo) do que fuçar um emaranhado de folhas. Por isso mesmo que tantos especialistas insistem que livros e jornais físicos cairão em desuso e tudo constará na grande rede.
Tais constatações implicam na problemática do conceito de informação e todos os desdobramentos dos registros que d Alembert e Diderot quiseram condensar em seu projeto da metade do século XVIII, a Enciclopédia.
As publicações e suas edições subseqüentes são tidas como a obra suprema do Iluminismo, já que expunha os verbetes básicos dos mais variados temas em escala global e universal, inclusive da área de comunicação.
Paulo Serra, autor do texto Informação e Sentido, explicita a tentativa de destruir um passado e colocar no papel a informação apropriada. Ou seja, excluem-se minúcias da cultura oral e apontam-se os acontecimentos essenciais “das ciências, das artes e dos ofícios”, possibilitando o acesso ao conhecimento do passado e deixando todos mais felizes.
A importância de condensar assuntos e acontecimentos em um documento universal é ímpar, mas fazê-lo de maneira imparcial e sem influência de fatores externos é um pressuposto claro para legitimar a obra e para que não haja grandes questionamentos. Caso contrário, teremos uma segunda versão da Bíblia, em que as verdades de um determinado grupo de pessoas são estabelecidas.
O conteúdo das enciclopédias deve, cada vez mais, apresentar estratégias de sedução para divertir e agradar seus leitores e não mais informar, afinal é muito mais fácil atrair as massas com aspectos interativos. Obtêm-se assim o objetivo de fazer a informação chegar a um maior número de pessoas, porém a qualidade é questionável. Há então a impossibilidade de uma memória e de um sentido.
Os séculos passaram e a realidade das enciclopédias mesclou-se com a emergência da internet, que parece abrigar o volume perfeito da obra. Há um arquivo geral com uma memória artificial e supera os problemas de atualização, é muito mais abrangente e “organiza” tudo graças a sua estrutura hipertextual. Olga Pombo diz em seu texto Enciclopédia e Hipertexto. O Projeto que hipertexto “é o limite ideal da enciclopédia, isto é, a de que a relação entre as diferentes formas de organização da totalidade do patrimônio cognitivo de uma época (enciclopédia) e as técnicas de reenvio virtual entre todos os conceitos ou todos os endereços conservados nos servidores de todo o mundo (hipertexto) é mais fundamental do que aparece de forma imediata”. O hipertexto desafia o ideal textual e renova as medidas antiquadas. A descontinuidade e seus milhões de links são suas marcas principais.
Daí caímos na questão do excesso informacional, na desorientação. Já a enciclopédia preza pela seleção (tida como uma arte) e não possui tantos problemas de credibilidade, exceto pelo fato de que os verbetes são orientados por linhas editoriais específicas, fenômeno usual nos veículos de comunicação.
É fato que o número elevado de informações disponíveis na net confunde muitas cabeças e também o memorioso Funes. O conto Funes, o memorioso trata de um rapaz que passa a ter uma memória incrível, mas infelizmente ele não consegue selecionar as informações relevantes e o rapaz lembra-se de cada instante de sua vida. Seria fantástico recordar momentos da infância em que aprendemos a andar, falar, sorrir... Mas deve ser desagradável não conseguir pular as lembranças mais escatológicas e afins.
Não é possível cravar qual a melhor forma de pesquisa, mas a tendência é que as mídias digitais predominem, mesmo com a baixa credibilidade das grandes mídias. O acesso ao computador e à internet é cada vez maior, porém não podemos esquecer que, no Brasil, ainda há um abismo educacional e social, o que faz com que as pessoas mais simples adotem – se houver acesso e estímulo - os livros e revistas como forma de pesquisa oficial (maior credibilidade). Uma contradição e tanto. O temor de antiquados como eu é que haja uma dependência demasiada da tecnologia e o romantismo do livro seja esquecido tanto pelo meu irmão quanto pelo meu filho e assim sucessivamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário