domingo, 29 de novembro de 2009

O esforço para esquecer

(André Avelar - 06000487)

Ao longo dos anos, seres humanos utilizavam as mais variadas técnicas para “lembrar”. Pois hoje, sobretudo com o advento da Internet, o desafio é justamente o contrário: a tarefa agora é “esquecer”. Esse debate, retirado das profundezas das redes sociais, encontra a validade empírica sempre quando necessária uma busca sobre qualquer que seja o assunto. Diante da enxurrada de endereços eletrônicos com informações nem sempre confiáveis, nem sempre plausíveis, nem sempre verdadeiras mesmo, o leitor se vê perdido em uma infinidade nada democrática ou emancipatória, como defendem teorizadores que beberam da mesma fonte dos iluministas.

Desde a Enciclopédia Francesa ou Encyclopédie, de Jean le Rond d´Alembert e Denis Diderot, os Homens tentam reunir o passado, sabendo que estão fazendo recortes na História e, assim, constituindo talvez, a forma oficial de uma espécie do “tudo que deveria ter sido e não foi”. A produção da memória, separadas em ordem alfabética e por tópicos, tinha também um quê de desorganização na mesma proporção da atual explosão da informação, igualmente excessiva e fidedignamente improvável. Bem por isso, o fracasso do projeto do primeiro, neste momento, em relação ao segundo.

A Enciclopédia existiu sem saber que era a própria morte anunciada. Não por falta de vontade ou critério, mas pelas limitações impostas pela época de forma que pouco tempo se passava e ela já estava desatualizada e resumida. Além disso, a legitimidade da escolha de um argumento baseado no lembrar de seus criadores e, ainda, a relevância ou não dos temas sugeridos, como aponta Paulo Serra, em Informação e Sentido – Notas para uma abordagem problemática do conceito de informação. Para o autor, problemas como esses se repetem aos ciclos e a verdade estará entregue à mão de quem a assina. Em suas próprias palavras, “o projecto dos Enciclopedistas desemboca, assim, numa contradição (aparentemente) insuperável: de um lado, uma informação que merecia ser memorizada, mas que, dada a sua exponencialidade e sua hiper-complexidade, se torna impossível memorizar”.

Nas ruas, esse fim das enciclopédias como um todo aconteceu em meados da década de 90. Quem não se lembra daqueles bravos, porém inconvenientes vendedores da Barsa que batiam de porta em porta, sempre no horário do jantar, da final de campeonato, ou mesmo, no último capítulo da novela? Era difícil se desvencilhar deles até que, mais precisamente em 2001, surgiu o que em pouquíssimo tempo se tornou o maior site de buscas: o Google, sinônimo até de pesquisa, sendo capaz, inclusive, de aceitar uma péssima conjugação verbal, por exemplo.

Esse talvez tente reunir toda a memória da publicada na Terra, mas não raro cai em descrédito por mau uso da informação, se deixando levar por um consumo imediato e esforço para o esquecimento instantâneo do outro. Ali está um produto que não se sabe a origem, os interesses por trás e, nem mesmo, a tradição. Esse excesso de memória se assemelha à ficção de Jorge Luís Borges, em “Funes, o memorioso”. Nele estão todos os registros, notas, sentimentos, sensações que apesar de belo, fica impossível de distinguir o memorável do desprezível. Bem comparando, o material útil do lixo eletrônico. Em outras palavras, não existe o filtro.

E é exatamente nesse filtro que os grandes portais de comunicação estão justamente empenhados. Arquivos de jornais seculares começam a ser disponibilizados na íntegra na tela do computador, livres para a consulta de seus assinantes – pois sim, o conhecimento tem um valor e ele é pago em espécie. Ainda que uma versão do fato, ou melhor, uma visão do fato acontecido, pelo menos se pode confiar que ali está em jogo toda uma história, que por incansáveis vezes passou pelo crivo da sociedade e, mais do que isso, resistiu ao tempo. Nada nada um peso que os demais links apresentados pelo buscador não têm. De novo, um esforço para esquecer.

Mas nem assim é justo culpar a acessibilidade aos computadores, a inclusão digital ou as redes sociais pelas milhares e milhares de páginas com registros por vezes distantes do que se está procurando. Aí reside justamente a Internet. O infinito armazenamento, sem limites físicos, está intrínseco ao seu uso, seja ele relevante ou não. Mesmo nos pormenores de cada busca, há algum tipo de informação. O cuidado deve estar em saber lidar com essa informação.

Como nas conhecidas palavras de Jean Baudrillard, “estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido”. Uma possível solução para esse impasse, também presente no trabalho de Serra, é a linguagem do hipertexto, a frequente atualização e, sobretudo, o conhecimento do usuário de separar o que aleatoriamente aparece para ele. Um otimismo que ainda não leva em conta as técnicas utilizadas e a máquina plenamente falível que é a memória.

Quem melhor tenta explicar essa contradição em termos é Olga Pombo, em Enciclopédia e Hipertexto – O Projecto. Ela deixa claro que esse não é um processo que se aprende ou ensina, mas explica que a relação entre “as diferentes formas de organização da totalidade do patrimônio cognitivo de uma época (enciclopédia) e as técnicas de reenvio virtual entre todos os conceitos ou todos os endereços conservados nos servidores de todo o mundo (hipertexto) é mais fundamental do que aparece de forma imediata”.

O hipertexto, segundo a autora, é uma aposta do saber em permanente crescimento, daquilo que em outros tempos foi o saber adquirido até certo ponto. Não está em jogo uma unidade fechada, mas algo sempre inacabado, em constante construção apenas pela contribuição. “Não perder o detalhe, de estar atento ao singular, ao irrelevante, ao insignificante” não apenas por mero estilo – separação nítida no jornalismo diário e na sua forma mais literária –, mas ter consciência daquele material que está se utilizando e ter o devido cuidado na hora de distribuir, além do conseqüente esforço para o esquecimento dos demais tópicos não-utlizados.

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