quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A era da (des) informação

Por Fernanda Catania

Lembro-me como se fosse hoje dos dias que antecipavam a volta às aulas no Ensino Fundamental. Era sempre igual: depois de voltar da viagem de férias, eu ia com a minha mãe comprar o material escolar. Entre os livros de ciências, os esquadros, e o estojo de canetas coloridas perfumadas, estavam a maldita enciclopédia e o dicionário de português. Itens indispensáveis na hora de escrever uma palavra difícil no trabalho de gramática, ou falar com profundidade sobre algum tema.

Hoje, as coisas mudaram. A minha priminha de 15 anos quase nunca usou o dicionário e mal sabe manusear aquele “livro grande e cheio de folhas” (sim, a enciclopédia). Claro, pois hoje só é preciso ter acesso a internet (e isso pode ser tanto no computador, como no celular). Chega a ser ultrapassado falar em era da informação e da internet atualmente. Afinal, estamos na era do Google: a nova memória do homem. Ou seria a memória do novo homem?

Mas a idéia de construir uma memória do conhecimento humano não é novidade. Isso aconteceu pela primeira vez durante o Iluminismo, no século XVII, quando Diderot e D’Alembert criaram a Enciclopédia. A obra pretendia ser um dicionário constituído pelos conhecimentos essenciais das ciências, artes e dos ofícios, de maneira racional.

As informações que iam para a enciclopédia eram passadas por um processo de seleção, para filtrar somente o que era relevante. Mas, durante o desenvolvimento do projeto, os iluministas foram encontrando problemas, como a necessidade de atualização constante das informações. Porém, para isso, a enciclopédia precisaria ser maior, ilimitada em seu tamanho e conteúdo.

Pouco depois, tais obstáculos foram de encontro à evolução tecnológica. Na teoria, o projeto da Internet e do hipertexto parecia fantástico. Ora, se antes era prático folhar páginas com diversas informações dos mais variados temas, imagina quão mais fácil e rápido era saber sobre o que quiser em apenas um clique com o mouse no computador?

Nas enciclopédias, o ponto máximo era poder acompanhar o raciocínio teórico com gravuras, desenhos, mapas e tabelas espalhados pelas páginas. Segundo Olga Pombo, em Enciclopédia e Hipertexto, “o hipertexto opera uma exploração inaudita da fronteira entre imagem e palavra. Verdadeira máquina de fazer ver, ele deslineariza a escrita e gramaticaliza a imagem”. E mais! Por meio da internet é possível ainda saber como está o trânsito, ter acesso a mapas de qualquer lugar do mundo, tradução de idiomas e etc. E, ao invés de voltar da página 300 para a 23, para encontrar informações anteriores, com a internet é possível voltar simplesmente apertando o botão mágico back. Então, chega-se à questão: por que ainda existe a enciclopédia física (em forma de livro)?

Simples responder. A falta de delimitação na internet acaba falhando no sistema de seletividade de conteúdo. Com o volume excessivo de informações emitidas, bem como a rapidez com que chegam aos receptores, não é possível absorver tantas informações. A cultura da escrita está perdendo seu lugar para a cultura da imagem, velocidade e voraciade (não só na internet, como em todos os meios de comunicação).

Assim, a tendência é que cada vez menos as pessoas consigam reagir ao excesso, caindo no vazio. Como disse Olga Pombo: “o hipertexto é um sistema acéfalo”. Ou seja, o conteúdo da internet vai de encontro à desorientação, banalização e indiferenciação dos conteúdos veiculados. Segundo Paulo Serra, em Informação e Sentido, “o acréscimo de informação não só acarreta um acréscimo de conhecimento como conduz, mesmo, ao seu decréscimo”. O autor complementa com frase de Baudrillard: “estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido, em que à inflação da informação corresponde uma deflação do sentido”.

É impressionante como o texto de Jorge Luis Borges, Funes, o Memorioso, de 1944, se torna tão atual em meio a esta discussão. O conto narra a história de Funes, um homem que tinha uma memória excepcional, mas não conseguia articulá-la devido a falta de inteligência. Um acidente mudou o rumo da vida de Funes. A capacidade de lembrar-se de tudo, ou a incapacidade de esquecer, tornou-se seu problema. Nada escapava de sua memória, o personagem não conseguia distinguir o tempo em que vivia as experiências – era como se vivesse em um instante permanente. “Havia aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim. Suspeito que não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. "

É possível fazer uma comparação entre a memória de Funes e a da internet: milhares de informações, mas sem filtro, organização, relação e lógica. “Minha memória, senhor, é como um despejadouro de lixos”, diz o personagem. Na era do Google, vale tudo.

De certo existem pessoas que não sabem discernir entre o que é real e o que não é. Há quem reclame que, com tanta tecnologia, ainda não desenvolveram uma forma de selecionar a informação que interessa. Mas como saber o que é certo? Quem é a pessoa certa para decidir e julgar? Não vejo a internet e o hipertexto como bode expiratório. Acredito que somente quando todos tiverem acesso à educação e, consequentemente, à análise crítica, todos os tipos de informação poderão ser analisados de maneira benéfica.

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