domingo, 29 de novembro de 2009

Iluminadas sejam as verdades

Natália Pesciotta (06000516)




A jornalista Sylvia Moretzsohn termina o livro Pensando Contra os Fatos com uma imagem: uma mulher, segurando uma vela, caminha no breu. Ela é engolida pela escuridão, mas ilumina as trevas por onde passa. Para a autora, essa mulher representa o jornalismo. A metáfora da luz como informação é recorrente. Quem lê o texto Informação e Sentido, de Paulo Serra, logo resume: “o excesso de luz causa cegueira”, para referir-se à multiplicidade e quantidade de informação ao qual estamos submetidos hoje. A princípio, uma ideia trata de escuridão e outra de claridade, mas, na verdade, as duas apontam para um mesmo sentido.

A vela do jornalismo descrita por Moretzsohn nada mais é do que o próprio Iluminismo. O formato da profissão nasceu – assim como o projeto enciclopedista de d’Alambert e Diderot, analisado por Serra – com os ideais do século 18, que buscavam dar luz aos conhecimentos humanos, organizar e divulgar saberes, depois da humanidade ter vivido a escuridão na Idade Média. Uma Idade Moderna se passou e, três séculos depois, Moretzsohn reafirma essa função do jornalismo – exatamente pelo fenômeno de “excesso de luz” explicitado por Serra.

Segundo a argumentação dele, as pessoas convivem com a propagação de tanta informação veloz, sem articulação, que deixam de ser capazes de memorizá-las e, assim, assimilar os conceitos e relacionar idéias. Essa cegueira seria, e aí está a convergência das imagens, a volta à escuridão. Para diversificar um pouco a metáfora, o filósofo francês Lipovetsky escreveu que nossos tempos pós-modernos são o “looping da montanha-russa”. Depois da ascendência Iluminista, comparada à subida do carrinho nos trilhos, a humanidade teria começado a perder o controle na descida e encontrado-se em total inércia no “looping pós-moderno”. Quer dizer, toda a tecnologia criada e a evolução na comunicação teria nos levado ao descontrole, à tal cultura do esvaziamento.

Num tempo em que interação é palavra de ordem e todos têm direito à voz ao comentar notícias ou criar um blog, por exemplo, a teoria da comunicação tradicional – com emissor, receptor, meio, mensagem – entra em desuso, defendem alguns. A ruína da epistemologia, contudo, não é necessariamente negativa. Há quem indique a Internet, responsável pela pluralidade de vozes e intensidade da troca de informações, como o auge do pensamento iluminista. É o caso de Olga Pombo, de Enciclopédia e Hipertexto, o Projeto, para quem talvez a Wikipedia fosse o sonho dos criadores da Enciclopédia.

Além disso, outros acreditam que a comunicação sem a epistemologia tradicional caminhe contra a institucionalização de “fontes confiáveis”, impostas pelos contratualistas e pelo projeto enciclopedista. Uma enciclopédia ou certos veículos da imprensa como guardiões da verdade absoluta, afinal, significa a pasteurização dos vários pontos de vista e vozes existentes na sociedade. Rosseau, um contratualista, já percebia que a imprensa esvazia o espaço público desde que foi idealizada para representar as discussões da sociedade. Nesse sentido, a abertura de canais que vivemos pode ser o caminho para um espaço público mais autêntico.

Uma palavra precisa estar no dicionário para existir? Darei um exemplo prático: o sobrenome Silva é usado como indicador de intensidade (“ele é doidinho da silva”). Quando escrevi uma matéria sobre os sobrenomes no Brasil, frisei que nossa alcunha mais difundida está “até no dicionário”. Pensando sobre o assunto, não vejo com maus olhos a institucionalização da informação. É importante que existam referências e que os saberes do cotidiano sejam balizados. Já aceitamos, afinal, a democracia representativa em detrimento da participativa.

A Barça e a Larrousse devem trazer informações sobre Diderot, D’Alemberg, Paulo Serra, Enciclopédia e, nas versões mais atualizadas, até sobre Hipertexto. É importante que possamos tê-las como referência para checar informações. Mas, atualmente, há um porém: basta digitar as palavras no Google para saber o que pensam também todos os estudantes de jornalismo aqui listados, por exemplo.

É inegável que a exclusividade de meios oficiais para propagar conhecimentos aniquila a pluralidade da sociedade. Diria que a mulher com a vela, na imagem de Moretzsohn, é essencial, mas a sociedade não é mais refém de seu ponto de vista sobre o que deve ou não ser iluminado. Por todo canto, sites, blogs e redes sociais se acendem, como fósforos, para informações que julgam relevantes, e passam a guiar a mulher que segura a vela. Dessa forma, talvez, possamos nos livrar da escuridão e da cegueira.

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