sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Aparentes Paradoxos

Victor Ribeiro (05008271)
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"Com efeito, a finalidade de uma Enciclopédia é reunir os conhecimentos dispersos pela superfície da terra, expor o seu sistema geral aos homens com quem vivemos, e transmiti-lo aos homens que virão depois de nós; a fim de que os trabalhos dos séculos passados não tenham sido trabalhos inúteis para os séculos que se sucederão; que os nossos descendentes, tornando-se mais instruídos, se tornem ao mesmo tempo mais virtuosos e mais felizes, e que nós não morramos sem termos desmerecido do gênero humano."
Denis Diderot

Se o filósofo francês Denis Diderot estivesse vivo, com certeza estaria realizado. A citação acima, utilizada por Paulo Serra em "Informação e Sentido", atualmente, não poderia mais ser vista como um desafio, mas uma realidade. O advento do hipertexto possibilitou a eterna “memorização” dos acontecimentos, mas também trouxe à tona uma nova discussão: o excesso de informação produz um efeito regulador ou emancipador no homem pós-moderno?

É muito fácil notar as mudanças geradas em nossa sociedade diante das constantes evoluções tecnológicas. Talvez as maiores conseqüências de tantos avanços sejam o encurtamento das distâncias, do tempo e a aceleração de todas atividades de um mundo globalizado.

Simultaneidade. Fluxos velozes. Aceleração. Volatilidade. Efemeridade. Dinamismo. Essas e outras características que, de certa forma, caracterizam a atual sociedade, podem ser claramente vistas nas páginas da Internet. O hipertexto, afirma Olga Pombo, se constitui como um “espaço múltiplo, da deriva, da não-linearidade, da conectividade, intertextualidade, transtextualidade, da indeterminação dos limites ou da infinita abertura do texto”.

Enquanto dimensão chave da Internet - isto é, dispositivo que permite conectar em redes as informações disponíveis em todos os servidores do mundo -, o hipertexto se ofereceria como a potenciação última da idéia de enciclopédia, com as vantagens de ser facilmente atualizada, possuir conteúdo mais extenso, centralizado e acessível.

Por outro lado, Pombo chama a atenção para alguns problemas ocasionados pelo excesso de liberdade nas páginas da web, como a questão da seletividade. “Esta condição não seletiva da internet arrasta consigo problemas de credibilidade, legitimação, erro, engano, contra-informação (individual e institucional). É certo que, no hipertexto, há mecanismos de filtragem, de organização, de indexação. Num centro sentido, os motores de busca oferecem esboços de seleção. Trata-se, porém, de uma seletividade a posteriori que só funciona na medida em que o leitor é detentor de competências críticas de discriminação do que é importante, de dispositivos subjetivos de determinação das boas e das más informações. E, sem essas competências, sem essa arte de filtrar que ninguém sabe como se adquire e como se ensina, são inevitáveis a banalização e a indiferenciação”.

Se o processo enciclopédico de Isidoro de Sevilha ou Diderot representava a institucionalização dos dados organizados a partir de uma única visão e, de certa forma, inquestionável , o hipertexto funciona de forma inversa. Em páginas como Wikipédia, cujo slogan é “a enciclopédia livre”, qualquer um pode alterar o conteúdo dos verbetes. Se por um lado isso democratiza a informação, por outro gera a dúvida do que é ou não confiável.

No jornalismo, o assunto também é polêmico. Com a velocidade cada vez maior do fluxo de informações, a tendência é que a falta de tempo para pesquisas continue aumentando e o leitor, cada vez mais, passe a conhecer o desenrolar dos acontecimentos junto com o próprio jornalista. É muito comum que websites, na pressa de informar, publiquem notícias incompletas, que vão se atualizando a cada minuto. É uma lógica paradoxal: como a novidade pode ser o maior problema de quem se compromete a trazê-la a cada minuto?

O resultado mais provável é a manutenção do senso comum. A falta de notícias gera notícia. Qualquer coisa se torna notícia. Herbert Gans, sociólogo americano, afirmou em seu livro “Democracy and the News” “O caráter de novidade procura conferir ineditismo a situações corriqueiras, o que, no limite, acaba por constituir uma fraude, quando poderia expressar-se efetivamente através de um enfoque crítico dessas mesmas situações”.

E é exatamente o enfoque crítico que se tornou alvo de discussão para Paulo Serra. Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, o excesso de conhecimento e informação pode gerar “perda de sentido”. É mais ou menos como o antigo argumento de que luz em excesso, ao invés de iluminar, pode cegar.

Neil Postman e Jean Baudrillard afirmam que, atualmente, estamos expostos a tantas informações e de maneira tão próxima e imediata que o conhecimento e a capacidade de análise de cada um estão dando lugar a uma “memória artificial”. A partir deste processo, teríamos cada vez mais dificuldades para selecionar, compreender e criticar as informações que buscamos. Nos manteríamos sempre no senso comum e nossa memória seria “depósito de lixo”.

No conto “Funes, o memorioso”, do escritor argentino Jorge Luís Borges, é possível perceber perfeitamente os efeitos que este conflito entre ter a informação e compreendê-la pode ocasionar. O autor apresenta a história de Ireneo Funes, dono da maior memória do mundo, que consegue guardar qualquer informação. Entretanto, não sabe selecionar, hierarquizar ou definir o que é importante para ser lembrado e o que não.
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“A memória é tão essencial à construção (e definição) da subjetividade, de identidade individual, como à interpretação, à atribuição de sentido”.
Henri Bérgson

A internet tem essa capacidade bipolar de emancipar e regular. De oferecer todas as ferramentas para um possível crescimento intelectual e ao mesmo tempo diminuir o poder de seleção e interpretação de cada um. Porém, me parece um absurdo culpar um mero instrumento de comunicação e pesquisa pela falta de interesse das pessoas. Se trata muito mais de um problema educacional do que tecnológico. Se possuímos a capacidade de discutirmos este assunto, temos também a possibilidade de encontramos soluções para aparentes paradoxos.

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