domingo, 15 de novembro de 2009

Orson Welles e o Power Ranger Vermelho

Por Thiago Comparini 06000471

Proponho um teste. Acesse a Wikipédia e procure por Power Rangers. Um grande artigo estará disponível com detalhes de cada personagem, suas armas, seus poderes mágicos, um guia de episódios e etc. No texto haverá o nome dos atores que participaram de cada temporada da série, o que eles fazem nos dias de hoje e se bobear deve ter uma página com uma pequena biografia de cada um deles.
Vamos pesquisar agora o filme Cidadão Kane. Os dados apresentados são: uma breve sinopse, uma lista com o elenco e os principais prêmios recebidos por Orson Welles. Os links presentes na página nos jogam para endereços com referências de alguns atores, e para um site com “filmes relacionados com jornalismo”. Informações que encheriam uma página de Word, úteis para um primeiro contato com esta obra de arte. Entretanto, os contrastes com os artigos para especialistas em Power Rangers é evidente.
Tirando os nerds, pré-adolescentes fãs da série, alguns estudiosos da linguagem e historiadores do cotidiano, que valorizam cada detalhe informacional do programa nipo-americano, quem pode tirar proveito desses dados? Qual é o sentido dessa informação? (Um pequeno adendo: não prego aqui pura e simplesmente um uso utilitarista da informação, mesmo porque, para deixar bem claro, usei para contrapor os Power Rangers, a Arte. Arte que, graças aos deuses, é a atividade mais supérflua e inútil, no sentido prático dessas palavras.)
Isso tudo é uma pequena ilustração do que nossa chamada “sociedade da informação” pode gerar. É claro que não podemos ignorar os poderes das novas tecnologias e nossa inédita capacidade de produzir conteúdo. Mas não podemos encarar esse salto quantitativo sem pensar na qualidade dessa informação. Pensando própria Wikipédia; ela representa o sonho concretizado dos primeiros enciclopedistas do iluminismo, (nem estou aqui falando do Google). Através dela, temos acesso a um conteúdo potencialmente infinito, plenamente atualizável, sem contar a possibilidade, na teoria, das massas modificarem verbetes e, até mesmo, escrevê-los! Mais uma vez caímos em contradição, tirando os erros factuais de muitos dos verbetes, explicados pela ignorância dos autores, há erros piores. Como eu uma cyber “guerra-fria” as mais diversas tribos enaltecem e aumentem os textos de seu interesse (Corinthians, Power Rangers, Chávez, Britney Spears e anorexia) e corrompem as informações de seus rivais (Palmeiras, Pokémon, Uribe, Jennifer Lopez e obesidade). Uma batalha ideológica travada no mais rastaquera dos campos.
Mais uma vez, vale a pergunta qual é o sentido de tudo isso?
Em minha opinião, o texto de Paulo Serra mostra isso de maneira clara. Talvez não haja um...
Como diz Baudrillard, “estamos em um universo em que existe cada vez mais informação e menos sentido”. Precisamos, portanto combater o mito iluminista de que a informação (por ela mesma) é necessariamente emancipadora.
E é neste ponto que os argumentos apresentados em Funes, o memorioso, de Jorge Luís Borges, ganham força. A personagem do conto com um poder sobre-humano de armazenar em sua memória tudo que viveu, acaba por estar impedido de esquecer, de pensar e de qualificar suas impressões e experiências. Funes é como o turista, que pela primeira vez em terra estrangeira, munido com uma câmera registra tudo que vê. A lente substitui o olhar. Toda a paisagem e cada detalhe merecem uma foto. Tantas fotografias vão parar em um arquivo de computador que será mostrado aos seus amigos que, sem paciência, não aguentarão os 100 primeiros slides. Obviamente a preocupação em gerar conteúdo supera a vivência e assim, o valor deste material (tirando alguma ocasião espetacular) acaba logo que um novo passeio se inicia, todavia, o back-up estará sempre em mãos e, no caso de Funes, é como o acontecimento banal igualado ao mais fantástico dos fatos, tudo devidamente lembrado.
Como ocorre na cabeça Funes de maneira mágica e acidental, o turista propositalmente acredita que a melhor maneira de eternizar a viagem (momento) é eternizar tudo. E as fotos acabam com a mesma importância da cor do uniforme do Power Ranger.

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