sábado, 14 de novembro de 2009

Das enciclopédias ao Google: o paradoxo da memória artificial

Por Marília Lopes

Ganhadora de um concurso cultural da escola na quarta série, tive como prêmio a coleção da enciclopédia Larousse. Lembro até hoje de como minha avó parabenizou-me pela conquista “cuide bem dela, pois até seus filhos iram usá-la”, profetizou. Os dez volumes foram colocados em uma prateleira da estante e nos primeiros meses após a premiação eram sempre utilizados para solucionar alguma dúvida, preparar um trabalho e até estudar para provas.
Com o passar do tempo, minha curiosidade em desvendar tudo o que estava naquelas linhas foi diminuindo. Mas durante os anos que se seguiram do ensino fundamental, eventualmente, utilizava minha coleção para alguma consulta. Porém, a cada pesquisa, achava o material mais limitado e via que só aquilo não me traria conhecimento e nem serviria de ajuda para solucionar alguma dúvida, preparar um trabalho e muito menos estudar para provas. O jeito era debruçar-me sobre livros e não ter preguiça de passar horas e horas na biblioteca da escola.

Pouco a pouco, a coleção passou apenas a enfeitar a estante. E conforme fui adquirindo livros novos e aumentado a biblioteca de casa, a enciclopédia passou a “ocupar espaço demais” e teve que ser remanejada para uma área menos nobre...o fundo do guarda-roupa.
Quando já cursava o ensino médio, muito acima da idade máxima para participar daquele concurso cultural, o prêmio me surpreendeu: o primeiro colocado receberia um computador desktop. Depois de tantos anos premiando os alunos com enciclopédias, a escola enfim se rendia a mudança.
A enciclopédia já estava ultrapassada e o que antes era considerado um produto nobre e de elite, teve seu sentido esvaziado com a possibilidade de informação a apenas um clique. A nova geração de alunos não se interessa por enciclopédias e chega a primeira série já sabendo “dar um Google”. Acreditam que toda informação está a apenas um clique e “se não está no Google é porque não existe”, como ouvi de uma menina de aproximadamente 14 anos há algumas semanas.
Se uma enciclopédia, em pouco tempo de vida acadêmica, deixa de suprir as necessidades de um estudante, o site de buscas também tem seus prós e contras. Com tantas possibilidades disponíveis em apenas uma página, as pessoas se perdem em meio a elas. Com o acesso tão facilidato aos conteúdos, a grande questão que fica é o que fazer com tanta informação.

Em “Informação e sentido”, o autor Paulo Serra descreve o esvaziamento de sentido da informação, processo acelerado pelas novas tecnologias. Serra afirma que “estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido”. E que é um paradigma o fato de que a medida em que temos um acréscimo de informação temos um decréscimo do conhecimento.
O projeto de construir a memória a partir da informação, intrínseco a ideia de enciclopédia e aos sites de busca, em especial o Google, mostra-se inviável. Como bem coloca Serra, utilizando-se de Baudillard “talvez o projeto de construir uma ‘memória artificial’, corporizada nos media, seja a garantia maior de que ‘o esquecimento será perfeito’”.
Uma das questões que se coloca a construção de uma ‘memória artificial’ é a constante alteração dos conhecimentos nas ciências e nas artes, problema minimizado no mundo digital. Isto porque, nele as atualizações são initerruptas e acompanham quase que simultaneamente a velocidade do conhecimento.
Outra questão que se coloca é a ordenação desse conhecimento, problema que se aplica a enciclopédia e aos sites de buscas. Se na primeira havia uma falta física de espaço para o armanezamento de tantas informações, no segundo pode haver dificuldade em encontrar o que realmente interessa em meio a tantas opções de materiais.
Mesmo diante de um veículo que é colocado como o lugar que contém todas as informações necessárias e armaneza toda a memória da sociedade, precisamos nos questionar e não nos contentarmos em “bebermos apenas de uma fonte”, seja ela uma enciclopédia, atualmente considerada totalmente ultrapassada, ou um site de buscas, considerado o lugar onde tudo se encontra.
Não basta apenas a construção de uma memória artificial é preciso atribuir sentido ao que as informações disponíveis. Como conclui Serra, “a memória é tão essencial à construção (e definição) da subjetividade, da identidade individual,, como à interpretação, à atribuição de sentido (...) Que a fragilidade, na finitude e na imperfeição da nossa memória (‘humana, demasiado humana’) – e não na perfeição mnemônica das ‘tecnologias da informação’ – resida a possibilidade do sentido (...)”.

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