terça-feira, 10 de novembro de 2009

O Jornalismo deve duvidar da normalidade

Por Danielle Ferreira

Assim como as primeiras enciclopédias foram feitas mostrando uma influência do “espírito” e dos interesses que dominavam sua época, pode-se considerar que se desenvolveu desta desta forma função e a presença do Jornalismo, que não passa de um jogo de interesses entre aquele que escreve (considerando o para quem ele escreve) e aquele que recebe a informação.

“Informação” ainda um termo que não tinha esse mesmo sentido na época em que Diderot e D’Alembert começaram a construir a sua obra, de acordo com o texto “O projeto da Enciclopédia e seus registros sobre o Jornalismo”, de Antonio Hohlfeldt. No artigo, o autor analisa certos termos expostos na enciclopédia e mostra sua inexistência, em relação à maneira como os conhecemos hoje, e sua evolução até a forma como são atualmente enfrentados.

A palavra ”presse”, que pode siginificar prensa ou imprensa, era também utilizada em seu sentido de funcionalidade mecânica. Entretanto, o próprio Diderot escreveu a favor da liberdade para a presse, de impressão, dizendo - “perguntam se a liberdade de imprensa é vantajosa ou prejudicial a um Estado. A resposta não é difícil. É da maior importância conservar-se este costume em todos os Estados baseados sobre a liberdade: eu digo mais: os inconvenientes desta liberdade são tão pouco consideráveis visa-vis de suas vantagens, que ela deveria ser o direito comum do universo, e que deveria ser proposto de ser autorizado por todos os governos”.

O interesse dessa tal “liberdade” era provavelmente driblar a censura, que ainda imperavam principalmente com o fato de, com um empreendimento como a enciclopédia, a “razão” estar acima da “revelação” proposta pela religião.

A tentativa de condensar todo o conhecimento da época em apenas um conjunto de publicações tem como paralelo contemporâneo todas as possibilidades trazidas pelo mundo virtual em relação aos textos, assim como diz Olga Pombo em Enciclopédia e Hipertexto - O Projecto: “a vertigem do ciberespaço seria a forma moderna dos labirintos do saber que os medievais herdaram da civilização grega e latina”.

Entretanto, a maior diferença entre as duas plataformas de conhecimento é a sua limitação de espaço, no caso das publicações de Diderot e D’Alembert. Já no caso do espaço virtual, não há nenhum tipo de limitação. O que se torna desvantajoso na medida em que não significa um aumento do conhecimento, que não se concretiza apenas pela sua possibilidade. Assim como o personagem de Jorge Luis Borges, Ireneo Funes, não conseguiu memorizar tudo o que queria, devido mesmo à falta de tempo necessária para tanto, quanto à inutilidade de fazê-lo, aqueles que têm acesso ao hipertexto não irão, naturalmente tirar proveito de toda a informação que ele proporciona.

Na verdade ocorre o contrário:como Paulo Serra diz em “Informação e sentido”, citando Neil Postman e Jean Baudrillard, a explosão de informação origina um mundo cada vez mais improvável, em que verdades, valores e normas se multiplicam até o infinito, conduzindo a uma desorientação existencial acentuada. O autor também diz, citando Borges: “ não é menos verdade, hoje em dia, que lemos muitos livros para (os) esquecer?” Sorte daquele que consegue responder de pronto a pergunta “quais foram os cinco últimos livros que você leu?”.
“No fundo, trata-se de não perder o detalhe, de estar atento ao singular, ao irrelevante, ao insignificante”, disse Olga Pombo. “Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo abarrotado de Funes não havia senão detalhes, quase imediatos”, escreveu Borges.
Funes tinha noção dos detalhes, mas não compreendia que eles faziam parte de um todo. Hoje, o todo nos escapa ao olharmos as informações específicas e sem contexto, perdidas no seu próprio significado.

A cada momento a internet oferece novas ferramentas que se fazem notar pela sua inutilidade – a não ser para aqueles que as criaram, que de certo devem lucrar ao menos um pouco.

Ainda citando Paulo Serra, em seu texto ele menciona que a “taylorização” crescente da vida social em geral e da atividade científica torna cada vez mais difícil aos especialistas da área mapearem todo o conhecimento produzido em seu campo. Os trabalhos cada vez mais diversificados, tornam muito difícil a sua reunião.

Essa é um grande dificuldade imposta atualmente ao jornalismo. Os profissionais da área têm de encarar a dura realidade de não serem hoje os únicos provedores de informação – o ato de informar está esvaziado de sentido, uma vez que há diversas formas de estar informado, que dispensam os meios mais “ortodoxos”.

Ao menos na mediocridade reinante é fácil ficar informado.

Hoje, o bom jornaismo é aquele que foge da “agenda” imposta por interesses maiores. É aquele capaz de mostrar o contexto em que a informação está inserida. Como disseram dois professores da PUC-SP:

Há que se construir um sistema coerente de interpretaçao que fuja do comum e exercite a análise crítica de fato. Entretanto, em um contexto em que os vínculos tornam-se cada vez mais frágeis, esse objetivo é difícil de ser alcançado.

“Há que se perceber o anômalo na suposta normalidade”: infelizmente, muitos dos jornalistas não estão preparados para isso. Eu, sem pudor algum, me incluo entre eles.

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