domingo, 22 de novembro de 2009

A Geração Z e novas formas de ver o mundo

Uma análise dos textos:
Informação e Sentido (Paulo Serra), Enciclopédia e Hipertexto (Olga Pombo)
A partir da leitura de outros dois:
O projeto da enciclopédia e seus registros sobre o Jornalismo (Antonio Hohlfeldt) e Funes o memorioso (J. L. Borges)

Por Laura Barile

Nada mais banal que constatar que, durante os últimos três séculos, as formas de representação e sistematização do pensamento humano sofreram mudanças radicais. Do projeto enciclopedista de 1750, à busca avançada na internet dos dias atuais, houve evidente transformação. Mas nada se compara à evolução e transformação radical que a difusão de informações vem sofrendo do início da internet para cá, e mais marcadamente na última década.

Em “Informação e Sentido”, Paulo Serra problematiza importantes questões acerca das transformações, na sociedade da informação, que o processo de “catalogação” dos feitos da humanidade sofreu desde o início do projeto Enciclopedista. E seria uma referência teórica importantíssima não fosse ter sido escrito no início de 1999, antes mesmo da consolidação do Google como ferramenta de busca. De toda forma, uma reflexão tão completa como essa serve para nos atentarmos às mudanças significativas que o pensamento sobre as novas tecnologias deve, também, sofrer daqui para frente.

Um dos principais pontos de que trata o texto é a concepção para os Enciclopedistas, “do conhecimento do sujeito que tende a enfatizar o papel da memória (da memória da informação, e da informação da memória) na construção (e determinação) do sentido.” O autor aproxima tal aspiração de tudo catalogar às ferramentas da sociedade da informação, à capacidade atribuída às Redes como “máquinas da memória”, com perfeição de registrar, conservar e transmitir todas as memórias – e portanto, garantindo a atribuição de sentido a elas (e ao mundo) –, e apresenta sua impossibilidade, enquanto heterotopia.

O velho argumento de que a abundância de informação levaria à cegueira pelo excesso de luz é amplificado aqui por megafones. Nos anos 2009, no entanto, esse argumento chega a parecer quase infundado. Inicialmente, pelas ferramentas que a própria computação desenvolveu para a seleção de informação – como, por exemplo, a busca centralizada no Google (com seus mecanismos de filtro), ou a criação da Wikipedia. E, em segundo lugar, por uma nova sensibilidade quanto às informações que tem surgido na geração nascida dos anos 90 para cá (chamada Geração Z), que permite uma assimilação e uma visão de mundo totalmente diferenciada da que se experimentava até então.

Em seu texto “Enciclopédia e Hipertexto. O Projeto”, de 2006, Olga Pombo apresenta uma reflexão mais afeita a essa nova configuração que as tecnologias proporcionaram no meio informacional. Aqui, os objetivos de Diderot apontados por Serra (“reunir os conhecimentos dispersos pela superfície da terra, expor o seu sistema geral aos homens com quem vivemos, e transmiti-lo aos homens que virão depois de nós”, etc.) ganham sua real amplificação ao serem identificados na potencialidade dos novos meios (e não rechaçados de início pela incapacidade do expectador de selecionar a informação).

Olga Pombo aponta como objetivos “Procurar perceber até que ponto o enciclopedismo encontra a sua quase realização, o seu quase cumprimento, no universo recriado das novas máquinas informáticas e da sua ambição totalizadora” e “Procurar também compreender em que mediad o hipertexto abre novas possibilidades ao projecto (sic) enciclopedista”. A partir desses questionamentos, a autora conclui que “ao contrário do que seria de supor, não assistimos a um abandono da idéia de totalidade do saber. O que há é a idéia de que essa totalidade não é de natureza aditiva mas resulta da complexidade de articulações.”

Se Paulo Serra apresenta a incapacidade de nos valermos de uma “memória artificial” virtualmente infinita – e que nos levaria, portanto, ao esquecimento, uma vez que nossa memória transformar-se-ia (tal qual na metáfora de Borges) num “despejadouro de lixo”; por outro lado os dispositivos cada vez menores, móveis, com cada vez mais capacidade de armazenamento, tornam possível essa sistematização, em rede, como parte mesmo de nossa memória (e no tempo em que dela necessitarmos). As ferramentas começam a surgir, assim como uma geração afeita a essa forma dinâmica de ver e assimilar o mundo.

Se o processo enciclopédico representava a institucionalização da informação, apresentada a partir de uma visão única e elitizada, a descentralização de um projeto como o da Wikipedia apresenta a possibilidade contrária. Muito criticada quando de seu surgimento, a Wikipedia, por ser alimentada pelos próprios usuários era vista como um projeto fadado ao insucesso. Mas se é verdade que qualquer um (inclusive os detentores da verdade institucionalizada) pode editar seus verbetes, é igualmente verdade que qualquer um, dotado de senso crítico quanto ao assunto, pode corrigi-lo.

A própria argumentação de Olga Pombo quanto à extensão das definições no ambiente hipermidiático esbarra nesse auto-gerenciamento das informações enciclopédicas na internet. Quando diz “essa condição ilimitada do hipertexto tem como efeito a desorientação, a sobrecarga, a banalização e a indiferenciação dos conteúdos veiculados” a autora colabora com argumento da incapacidade de seleção da internet – e não seria essa capacidade ilimitada, inclusive, muito mais confiável que uma enciclopédia de fonte única? Não seria esse o objetivo da germinal referência cruzada dos enciclopedistas?

Segundo a autora “O hipertexto é assim uma tecnologia geral dos saberes que opera por diferenciação sucessiva, que disponibiliza a mole de informação nele contida segundo um regime espacial de escolhas múltiplas, explorando reservas potenciais nunca plenamente actualizáveis (sic) e jogando com volumes instáveis de massas flutuantes de totalidades abertas” – não seria essa a forma como a própria mente humana trabalha? O processo enciclopédico, assim, apresenta uma tentativa de sistematização quando há muito mais a se ver e catalogar. Um potencial explorado muito mais fortemente pela internet em seus processos ilimitados. E bem recebido por essa nova e inquieta geração Z.

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