sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A quantas anda a sua memória?

Por Bruna Trocoli Rodrigues

TV, internet, rádio, jornal, revista, celular. Vivemos expostos aos mais diferentes meios de comunicação e, com isso, a todo tipo de informação. A era da enciclopédia ficou para trás – e já faz muito tempo. O projeto de reunir os principais conteúdos numa espécie de “árvore do saber”, um típico produto do século XVII, não faz mais sentido no mundo de hoje. Os limites materiais da enciclopédia, principalmente no que diz respeito à quantidade e tamanho dos volumes, e a dificuldade em atualizar os conteúdos de cada edição abriram espaço para um novo tipo de transmissão de informação. Com a expansão do conhecimento, eis que surge o hipertexto. Menos pretensiosa do que a enciclopédia, já que esta última tinha por objetivo conservar o “memorável”, a informação on-line poderia resolver uma série de conflitos do enciclopedismo.
Talvez a internet e sua forma de organização tenham sido geradas justamente do enciclopedismo. Se o conhecimento precisou ocupar mais espaço (seja material ou virtual), o hipertexto poderia ser uma solução para o problema. Se de um lado temos mais espaço para expor as mais diferentes informações, esbarramos com outro obstáculo: a falta de seletividade. Olga Palombo, no texto “Enciclopédia e Hipertexto. O Projeto”, afirma que o hipertexto é um sistema “acéfalo”, ou seja, a desmaterialização do texto acaba com a percepção global da informação. É raro encontrar um leitor com nível crítico para selecionar tantas informações e enxergá-las num conjunto. Absorvemos tudo na tentativa de incorporar algum tipo de conhecimento. Se a informação é útil? Nem sempre. Aliás, quase nunca contextualizamos o que aprendemos.
Até a década de 1960, a enciclopédia era a nossa fonte de informação. Tinha-se a intenção de saber todos os conhecimentos possíveis, como se o acréscimo de informação estivesse ligado à qualidade. Hoje a Wikipédia cumpre o papel da enciclopédia, mas com características um pouco diferentes. Somos mais rápidos, praticamente instantâneos e, no entanto, tamanha velocidade não contribuí para um refinamento no conhecimento. Sob um olhar otimista, temos até a possibilidade de selecionar o que nos interessa na tentativa de cruzar essas informações com o nosso contexto e interesse. Infelizmente isso quase nunca acontece. Nossa memória foi bombardeada por informações (ou possibilidade de se chegar até uma informação que desejamos), mas o que construímos é uma memória artificial.
Depois que a internet passou a ser acessada com mais facilidade (até mesmo de telefones móveis), fica a pergunta: o que deve ser divulgado pelos meios de comunicação? Qual informação merece ser transmitida? E quais dados devem ser deixados de lado? Infelizmente o hipertexto não possibilita tal reflexão. Os meios de comunicação divulgam qualquer tipo de informações. Sem critério algum. A Wikipédia tem verbetes para os mais variados assuntos. Assim como o personagem Funes, do conto “Funes, o memorioso”, do escritor Jorge Luis Borges, devem acreditar que a memória das pessoas virou depósito de lixo.
De que adianta saber o que significa conceitos teóricos ou eventos históricos que a Wikipédia pode fornecer se eles estão fragmentados? O hipertexto é contraditório. Mesmo sendo um tipo de enciclopédia “real”, como Paulo Serra expõe no texto “Informação e Sentido”, o hipertexto acaba caindo em armadilhas. A facilidade no acesso não implica a qualidade da informação.
O que acontece na prática? Bem, as informações mais atraentes e consideradas “interessantes” são as mais acessadas e procuradas. Resultado: a nossa memória é artificial e um depósito de lixo. Não somos capazes de distinguir o memorável do desprezível. O que retemos, ficará armazenado. Se será utilizado, aí é outro assunto. Mas existe uma espécie de alívio quando digitamos algum verbete que não sabemos e a internet nos providencia uma resposta rápida. É um alívio perigoso. A falsa sensação de saber e de lembrar pode nos levar a armazenar dados inúteis.
Como anda a sua memória? O que você retém? O que não faz questão de memorizar? Quais os critérios que utilizar para distinguir uma informação memorável de uma desprezível? São perguntas que poucas pessoas pararam para pensar. Mas talvez essa seja a hora de encarar isso. A memória também é responsável pela nossa subjetividade e identidade individual. Nosso cérebro é uma máquina que registra tudo o que vê.
O hipertexto pode ter trazido para as pessoas aquilo que chamamos de memória de curto prazo, isto é, a informação é retida por alguns dias ou até mesmo por algumas horas. Não que com a enciclopédia o mesmo processo não acontecesse. O fato de reunir todo conhecimento num livro e dividir em verbetes em ordem alfabética, como explica Antonio Hohlfeldt, no texto “O projeto da Enciclopédia e seus registros sobre o Jornalismo”, gerava inúmeras possibilidades ao leitor. Se ele as utilizava de forma coerente, não sabemos. Provavelmente as pessoas encontravam dificuldades em reter o conhecimento disponível.
Não estamos livres de sermos condenados a ter uma memória “depósito de lixo”. A tendência vem desde os tempos do projeto enciclopédico. Mas uma vez que a reflexão em torno do memorável e desprezível é feita, mais fácil fica para nos alertarmos quanto a essa dificuldade. Daqui para frente, antes de ler ou buscar qualquer informação, pergunte-se: ela tem credibilidade? Vou conseguir entendê-la para, então, armazená-la? Se a resposta for sim, siga em frente. Caso contrário, dê mais um “enter” e continue a procurar.

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