sábado, 14 de novembro de 2009

A busca por informação

Uma obra para reunir os conhecimentos dispersos pela superfície da terra e transmiti-los para os homens vivos e aos que virão. Esse foi o ideal dos iluministas Diderot e D’Alembret, concretizado no século XVIII, com a enciclopédia. No entanto, os tempos mudaram e a enciclopédia, em sua forma original, ficou antiquada.

No texto Informação e Sentido, Paulo Serra discute a enciclopédia e aponta alguns problemas inerentes a ela, que Diderot e D’Alembert já haviam, percebido: a alteração constante dos conhecimentos nas ciências e nas artes, que exige atualizações permanentes; o tipo de organização a ser utilizada; e que tipo de informação (conhecimento) merece ser reunida. Chegou-se a um consenso. A enciclopédia foi organizada em 71.818 verbetes em uma “árvore do saber”, que distribui o conhecimento em três grandes partes: Memória, Razão e Imaginação. O memorável, resultante das ciências, das artes e dos ofícios, que visa à instrução geral e permanente da espécie humana, foi a informação selecionada para ser transmitida.

Já Antonio Hohlfeldt, em O projeto da Enciclopédia e seus registros sobre o Jornalismo, afirma que a maior novidade da enciclopédia de D’Alembert e Diderot, é a referência cruzada. Isto é, um verbete poderia remeter, em seu interior, a outro verbete, o que trazia a vantagem de fazer uma consulta multiplicada quase ao infinito da obra, uma palavra remetia a outra, sucessivamente. “Observe-se que, de certo modo, tal prática antecipava em séculos o que é hoje possível se fazer com a rede internacional de computadores quando, percorrendo-se um texto, algumas palavras podem ser destacadas de maneira que um simples clique de mouse permite que o leitor pule diretamente para aquela outra referência, e assim por diante, num progresso quase infinito de busca e cruzamento/aproximação de informações aparentemente díspares ao primeiro olhar”, afirma Hohlfeldt.

Entretanto, o grande problema continuava sendo as atualizações, pois elas aumentavam os limites da enciclopédia, contrariando um dos objetivos essenciais, que é o de resumir o conhecimento relevante e atualizado das diversas áreas. Seria como reunir, durante cinco anos, todo o conhecimento e, ao final de todo um trabalho, ele estaria defasado já na sua publicação. Nas décadas de 40 a 60, assistiu-se a uma generalizada desilusão a própria idéia de enciclopédia, ela já não é capaz de suprir tanto conhecimento em pouco tempo e páginas.

Viu-se outra alternativa. Com a revolução tecnológica que se deu a partir da segunda metade do século XX, a internet aparece em cena para salvar o antigo projeto dos enciclopedistas iluministas. Serra afirma que a internet, ao constituir-se como uma “memória artificial” virtualmente infinita, resolve os problemas que se colocavam ao projeto enciclopédico, ou seja, resolve a questão da atualização, pois ela elimina o tempo entre a publicação (e, em muitos casos, antes mesmo da publicação) e a consulta pela informação. Olga Pombo, em Enciclopédia e Hipertexto – O Projeto, também discute o tema. A autora define o hipertexto como o limite ideal da enciclopédia. “O hipertexto, enquanto dimensão chave da internet, isto é, dispositivo que permite conectar em redes as informações disponíveis em todos os servidores do mundo, se ofereceria como a potenciação última da idéia de enciclopédia”.

Entretanto, Pombo, alerta para outro problema. Enquanto a enciclopédia tem como contraponto a exigência de seletividade, a procura do que vale ou não a pena ser contido nas suas páginas, no hipertexto não há qualquer sistema de seletividade. “Esta condição não seletiva da internet arrasta consigo problemas de credibilidade, legitimação, erro, engano, contra-informação (individual e institucional). É certo que, no hipertexto, há mecanismos de filtragem, de organização, de indexação. Num centro sentido, os motores de busca oferecem esboços de seleção. Trata-se, porém, de uma seletividade a posteriori que só funciona na medida em que o leitor é detentor de competências críticas de discriminação do que é importante, de dispositivos subjetivos de determinação das boas e das más informações. E, sem essas competências, sem essa arte de filtrar que ninguém sabe como se adquire e como se ensina, são inevitáveis a banalização e a indiferenciação”.

O conto Funes, O Memorioso, de Jorge Luis Borges, ilustra a problemática da internet. Ireneo Funes possui a maior memória do mundo. Consegue guardar qualquer informação. Entretanto, não consegue selecionar o que é importante de ser lembrado e o que é insignificante. O mesmo acontece com a internet. Ela armazena todo tipo de informação, mas não é capaz de selecionar o que é relevante. Poderíamos dizer também que o mesmo acontece conosco. Muitas informações estão disponíveis a um click, mas não sabemos selecionar o que é importante e o que é insignificante. Serra, citando Baudrillard, “estamos num universo em que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido” em que “a inflação da informação corresponde uma “deflação do sentido”.

O Google e a Wikipédia são as sensações do momento. Qualquer palavra digitada trará em milésimos de segundos o conhecimento, seja ele útil ou insignificante. O Google nos traz milhares de sites com o conteúdo que buscamos. No entanto, precisamos decidir quais deles acessar. A Wikipédia, que é uma enciclopédia online, escrita e atualizada por todos (um problema por trazer informações que não são confiáveis), traz todo o conhecimento do objeto procurado em uma página, com a opção dos verbetes, que nos levam a outras informações relevantes ou não sobre palavras contidas no texto. Mas nenhum dos dois seleciona o que é relevante.

Não podemos confiar e nem confiamos em tudo o que está na internet. Em bilhões de opções no World Wide Web (WWW), conhecemos poucos sites confiáveis. Quando lemos alguma informação ou acessamos algum site, se temos um conhecimento prévio do assunto, saberemos se podemos confiar ou não. Mas, e se não tivermos o mínimo conhecimento? Tentaremos a sorte? A internet exige que o internauta possua conhecimento o suficiente para procurar o que interessa. Aqueles que não possuem, a internet é simplesmente um meio de diversão, distração e esquecimento (Orkut, MSN, sites de fofocas). Apesar de a informação estar disponível para todos, exceto quando se é cobrado alguma taxa pelo uso (“acesso para assinantes”), a informação passa a ser para poucos, para aqueles que possuem instrução.

No último dia 10 de novembro, a Folha de São Paulo noticiou que a enciclopédia de Mário de Andrade dedicada ao Brasil foi concluída. “A obra seria similar à "Encyclopédie" francesa, do século 18, e à alemã "Brockhaus", cuja primeira edição é do início do século 19. Mas, após a morte do escritor, em 1945, colaboradores só persistiram por mais cinco anos, sem ultrapassar os verbetes da letra "A". A principal mudança em relação ao projeto original foi no modelo e na abordagem. Abandonou-se a divisão da obra de A a Z e adotou-se a divisão por temas: geografia, população, economia, política, história, artes, sociedade, esportes, mídia e cultura popular. A "Enciclopédia do Brasil" compreende cinco volumes com mais de 1.200 páginas no total, além do conteúdo multimídia, que tem três CDs (com um Atlas do Brasil e do mundo, 300 perfis biográficos e o conteúdo digital da obra) e um DVD (documentário de 50 minutos sobre reservas naturais do país). Também foi criado um site, no qual a enciclopédia será atualizada regularmente”, diz a matéria.

Problemas resolvidos? Aos menos, parece. Uma enciclopédia na versão impressa, para os amantes de um bom livro (que não confiam em uma máquina), e virtual, para os que querem informações fáceis e rápidas (não precisamos nos deslocar até uma biblioteca e procurar pelo livro exato, basta um click). Todavia, voltamos à mesma questão. Aqueles que souberem da existência da Enciclopédia do Brasil poderão usufruir da obra. Quantos aos outros, cabe acessar o Orkut, o MSN ou aquilo que aparecer nas primeiras páginas do Google.

Valéria Vieira

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