sábado, 2 de maio de 2009

Ah, essa mania de ser do contra....

Longe dessa unanimidade que eleva o texto de Roberto Kurz ao suprassumo da sapiência econômica atual, vejo o texto “Perdedores Globais” como um conjunto de informações didáticas muito valiosas para o entendimento da globalização, mas ao mesmo tempo inconclusivo no que tange a soluções ou alternativas para a crise atual. A bem da verdade, ter estas respostas significaria a perda de um belo ensaísta para o mundo corporativo ou para a burocracia estatal.

Mais do que a discussão sobre os efeitos maléficos da globalização, ou da perversidade congênita da burguesia (Quando alguém passa a ser parte dessa burguesia? Quando contrata a TV a cabo ou quando seu filho pode pagar uma mensalidade na PUC?), o que o texto coloca com muita propriedade é o eterno debate sobre o raio de ação do Estado, nesse momento de transição das economias nacionais para um organismo vivo de comércio internacional e de especulação planetária.

Apesar da questionável afirmação de que o espaço histórico das nações, em termos econômicos, pertence ao passado, é um fato claro de que as economias nacionais não mais dominam completamente a vida econômica de todos os cidadãos. Mas a ação governamental ainda é responsável pelos maiores impactos na vida da população comum (a que não deve ser chamada de burguesia, pelo menos), em todo o mundo.

O fato da Economia Mundial não constar nos currículos universitários no momento em que o texto foi escrito não significa que o tema não seja objeto de estudo. Estuda-se sim, e nas empresas que possuem interesses no mundo globalizado existem departamentos ou funções específicas dedicados a este tipo de análise de conjuntura. De novo estamos nos dirigindo à discussão entre o interesse público e o particular. E reparem que digo “particular”, e não privado. Com isso quero mostrar que pelo menos no Estado Brasileiro, as pessoas investidas em funções originalmente destinadas ao “bem comum”, tratam de assuntos particulares, ainda que sob a égide da defesa dos interesses privados, que seriam os legítimos interesses das empresas e dos “empreendedores” nacionais. Esse é o verdadeiro sentido da “cordialidade” brasileira.

O que aconteceu no mundo a partir dos anos 80, com a ascenção de Reagan e Thatcher nas duas economias mais influentes da língua inglesa, não foi a destruição dos estados de bem estar social (ou da corrente social democrata) alcançado nas décadas de 50 e 60. O que aconteceu foi um desvio perigoso e errôneo do conceito de atuação do Estado na sociedade. Afinal, a globalização já existia na época da Cia. Das Índias Ocidentais. O que mudou foi a velocidade das transformações, e a incapacidade dos povos de perceber seus efeitos perversos, uma vez que se viam necessitados de investimentos geradores de empregos, renda (ainda que numa Mais Valia indecente) e impostos (os governantes precisam disso para seus interesses particulares, lembram?).

Não é preciso grande conhecimento econômico para perceber que este desenvolvimento seria inevitável. A lógica dos mercados “se ajustando e se autoregulando” já permitia prever isso. Os países se abriram aos capitais internacionais, e os exemplos de sucesso nos países de primeiro mundo serviam de exemplo para as nações subdesenvolvidas. A crença dos governos liberais centrais era de que os países do terceiro mundo seriam seus celeiros de comida e de mão de obra barata. E estes países, por sua vez, olhavam o investimento externo como benéficos para suas economias. É quase uma hipocrisia bradar hoje contra a globalização, quando os responsáveis por esta permissividade foram eleitos pela população, ou se perenizavam no poder com apoio de boa parte dessas populações. E quando falo de permissividade estamos falando da capacidade que foi ofertada às corporações de instituírem a citada “divisão do trabalho”, onde a população dos países mais pobres serve como mão de obra barata, ou cobaias para os empreendimentos privados.

A grande questão, portanto, está em fixar o papel do Estado nacional nas economias. O que aconteceu nesta última crise foi a bancarrota de um modelo que cresceu á sombra do Estado, ou em alguns casos, impulsionado por este Estado. Mas é possível entender esta posição, ainda que hoje se perceba seu engano básico. A contraposição absoluta a este modelo eram as economias fechadas (União Soviética, China), que faziam água a olhos vistos e acabaram falindo em seus projetos originais, deslocando-se de um pragmatismo ideológico para um determinismo capitalista.

No texto, entretanto duas contradições apontadas chamam a atenção. A primeira é a repetição da máxima de que a racionalização das condições de produção leva ao desemprego. A segunda é a afirmação de que a renda cai neste modelo globalizado. Se não houvesse estes investimentos, a renda seria nenhuma! E não vai ser barrando o avanço tecnológico que iremos garantir mais emprego para nossos trabalhadores. É preciso investimento internacional sim. É preciso melhorar as condições de produção para que isso se reverta em benefícios não só para as empresas, mas para os consumidores e trabalhadores. O problema é que é preciso regular como isso acontece, ter uma educação que prepare a população para novas atividades, e usar a arma fiscal a favor dos governados e não dos governantes & amigos. E isso é o papel do Estado, negligenciado pelas corporações porque isso era conveniente, e pelos governos locais, porque estavam cuidando do interesse particular de seus mandatários ou porque acreditavam que isso os levaria ao progresso e ao desenvolvimento (vai, vamos dar uma chance de alguns terem errado de boa fé).

Não há como barrar a história. Os rios correm para o mar, e do lugar mais alto para o lugar mais baixo. O que a crise atual está nos dizendo é que é preciso repensar o papel do Estado. Isso não quer dizer que o Estado deva ser o capitalista maior, ou que voltaremos a sonhar com o internacionalismo proletário. Isto também não significa que devemos lutar para estatizar as atividades antes privatizadas. Isso seria um erro tão grande quanto o de permanecer no “laissez faire” preconizado tantos séculos atrás. Reparem que os Estados centrais, mesmo falhando na regulação dos sistemas financeiros, por exemplo, tiveram ações firmes de protecionismo, buscando o “bem comum” de suas populações, ainda que invadissem os mercados estrangeiros, muitas vezes quebrando as indústrias locais.

Na minha modesta opinião, o Estado deve: atuar na promoção incansável da Educação de seu povo; na salvação da saúde pública; na melhoria dos transportes e dos fluxos de informação para as camadas mais pobres da população; no estabelecimento de uma legislação trabalhista que privilegie o trabalhador (mas que não sufoque as empresas a ponte delas não conseguirem contratar); e na edição de uma regulação que não feche os olhos ao progresso, mas que coloque o bem comum à frente dos interesses financeiros das corporações.

Até que venha a União Planetária ( e ela virá, se não acabarmos com a vida na Terra antes), onde os interesses econômicos da guerra não se sobreporão aos interesses dos habitantes deste mundo, meu ideal utópico já existe, embora ainda seja minoria. Basta ver os países nórdicos, onde as pessoas têm educação, saúde e uma vida digna após o período produtivo de suas vidas. E não me venham dizer que nesses países a taxa de suicídio é maior. Prefiro pessoas escolhendo morrer por sua vontade própria do que uma realidade onde as pessoas nascem destinadas morrer em confronto com “foras da lei” ou com a própria polícia.

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