sexta-feira, 29 de maio de 2009

Já entramos no jogo perdendo

Por Filippo Cecilio


Muito se fala sobre a atual crise que assola a economia planetária sem, contudo, ser apresentada uma única saída sequer para ela. Alguns a chamam de a pior crise da história da humanidade, outros de prova cabal do fracasso do capitalismo. Mas ninguém até agora foi capaz de formular uma resposta coerente o bastante que indicasse o caminho a ser seguido para livrar a humanidade das trevas que podem ser vislumbradas no horizonte,

Essa não é a primeira crise pela qual passa o capitalismo e nem será a última. Apesar de desejar fortemente que esse sistema econômico se pulverize, acredito que ainda não será dessa vez. As condições históricas para isso não se apresentam – ao menos aos meus olhos – como maduras o suficiente para permitir a suplantação definitiva desse modelo, em face da consolidação do socialismo.

E exemplos “animadores” talvez não faltem para que se pense dessa forma. Em primeiro lugar, a própria crise em si e todos os seus desdobramentos. Empregos vêm sendo cortados aos milhões em todo globo, empresas das mais variadas atividades – inclusive bancos! – fecham as portas diariamente, os governos não sabem como socorrer suas economias.

Paralelo a isso, temos nessa última década um crescimento vertiginoso dos movimentos populares na América Latina, com a eleição de presidentes que de uma forma ou de outra, lutam por medidas progressistas e que levam em consideração as necessidades primas das populações exploradas. Esse fortalecimento da classe trabalhadora certamente trará vigorosos frutos no futuro. No caso do Brasil, a desilusão causada e ao mesmo tempo a ilusão que ainda causa nosso presidente operário mereceria um capítulo a parte, que não cabe nessa análise. Adiante.

As saídas até agora imaginadas para resolver o problema dos mercados financeiros são as mesmas já aplicadas em outras situações, e que foram exitosas, dependendo do prisma utilizado para enxergá-las. Como a opinião geral percebe que a atual crise foi gerada pela total desregulamentação dos mercados, algo semelhante àquela que atingiu o mundo em 1929, a saída mais ventilada por economistas, especialistas, jornalistas e tantos outros “istas” é a mesma de 80 anos atrás(!!), a aplicação do modelo keynesiano de intervenção estatal.

A crítica costuma dizer que a esquerda se prende a dogmas e teorias ultrapassadas para explicar as situações presentes – no que de fato tem razão. Mas a direita parece estar seguindo pelo mesmo caminho, se considerarmos a situação atual. Robert Kurz, em seu texto “Perdedores Globais”, faz uma análise na qual afirma que a ciência política está em crise. Essa crise seria decorrente do fato de que as economias nacionais foram substituídas pela globalizada, mas tanto a política quanto a ciência econômica permaneceram atreladas aos seus velhos conceitos e teorias.

Para prosseguir nesse debate precisamos primeiro entender o que é a globalização. Antes de mais nada, é preciso deixar claro que a globalização, longe de ser consensual, é um vasto e intenso campo de conflitos entre grupos sociais, Estados e interesses hegemônicos, por um lado, e grupos sociais, Estados e interesses subalternos, por ouro; e mesmo no interior desse campo hegemônico encontram-se divisões mais ou menos significativas. No entanto, por sobre todas as suas divisões internas, o campo hegemônico atua na base de um consenso entre os seus mais influentes membros. É esse consenso que não só confere à globalização suas características dominantes, como também legitima estas últimas como as únicas possíveis ou as únicas adequadas.

Assim sendo, nada mais natural que o receituário neoliberal tenha sido incorporado religiosamente pelos governos de todo o mundo. A globalização começou a surgir no início da década de 1980, quando as grandes empresas multinacionais passaram a globalizar sua produção. Entretanto, esse não era um processo tão simples, mas sim requereu alguns "ajustes" a fim de tornar possível a prática dessa nova mentalidade empresarial. A economia passou a ser dominada pelo sistema financeiro, os processos de produção se tornaram cada vez mais flexíveis e ocorrendo de forma concomitante em locais difusos pelo planeta. As economias nacionais passaram por um processo de desregulamentação e as agências financeiras multilaterais ganharam papel de grande destaque nesse novo modelo.

As principais exigências que se faziam às políticas nacionais dentro desse novo receituário eram a abertura das economias ao mercado mundial, com a adequação dos preços domésticos aos internacionais, a priorização da economia de exportação e a redução da inflação e da dívida pública, apreço pela inviolabilidade dos direitos de propriedade além da privatização de todo setor empresarial do estado, bem como a participação mínima deste último na regulação da economia.

E nesse contexto global que ganha força e preponderância a terceira forma assumida pelo capital detectada por Marx, que surge da divisão do trabalho que incide sobre ele. Falo do capital portador de juros. O dinheiro acumulado sob a forma de tesouro não pode ser considerado capital. Contudo, se torna capital potencial na medida em que se pode emprestá-lo ao capital produtor de mercadorias e ao capital comercial. Nesse momento o dinheiro assume outro valor de uso, o de produzir lucro uma vez transformado em capital.

Trata-se da forma mais reificada, fetichista, do capital. È dinheiro que gera dinheiro, ou, como disse Marx: “valor que se valoriza a si mesmo sem o processo intermediário que liga os dois extremos”. Ou seja, sem os percalços do processo produtivo. Para o proprietário desse dinheiro, o simples fato dele ser sua posse é razão de juros; em nenhum instante ele consegue conceber que esse é dedução do lucro. Para ele, nada mais natural que seu capital dinheiro lhe renda juros.

Nessa bolha infinita que chegamos à situação atual. Segundo o professor Francisco de Oliveira, essa crise é a primeira da globalização, e por isso mesmo diferente: ela pode ser gestada nas periferias do sistema, atingir o centro e daí propagar-se. “Teoricamente, ela é uma crise clássica na interpretação marxista: é de realização do valor, mas aqui está sua novidade: a produção do valor se dá na China e sua realização nos EUA. É no que pode dar a assimetria entre os 10% de crescimento da China e os modestos 3 a 4% dos EUA. Nos últimos vinte anos, o capitalismo mundial experimenta uma violentíssima expansão: 800 milhões de trabalhadores foram transformados em operários entre a Índia e a China, e em todos os países do vastíssimo arco asiático. Ficaram de fora nessa verdadeira revolução capitalista, a África, como sempre, e praticamente toda a América Latina”.

“E qual a função da teoria, do pensamento crítico internacional? O que nos falta, na verdade, é a globalização de uma nova crítica social”, diz Kurz. Encontrar uma saída para esse impasse não passa necessariamente por encontrar uma teoria completamente nova que venha iluminar as mentes cegas da humanidade. Ao contrário, o que se faz necessário é a adaptação do modelo marxista para os problemas que se colocam hoje. Não precisa ser nenhum gênio da lâmpada para perceber que as dificuldades da classe trabalhadora nos dias que correm são completamente diferentes das vividas nas fábricas inglesas do século XIX.

Ao que parece, a esquerda de uma forma geral tem esquentado seus miolos buscando encontrar alternativas para a crise. Na verdade a alternativa já existe, é o socialismo. Porém, o paradigma socialista tem dificuldade de ser aceito por não ter uma contraposição real ao sistema capitalista desde a queda do muro de Berlim. A maior experiência anticapitalista hoje no mundo são os países mulçumanos que estão longe de ter um regime socialista. Esta crise vem gerando rompantes anticapitalistas mundo afora, mas ainda não se conseguiu apropriar isso para uma saída, de movimento de massa.

O que se busca são formas de inserir esse debate na sociedade, levar essa consciência para além dos intelectuais e dos jovens engajados. Fazer chegar a quem de fato necessita. O jogo que precisa ser virado, no qual todos começamos perdendo, é superar essa letargia quase bovina que toma conta da população, que não parece ter a menor disposição – ao menos agora - para tomar seu próprio destino nas mão e escrever sua própria história.

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