sábado, 30 de maio de 2009

O cartomante

Não, esse texto não se trata de uma previsão astrológica. Nem de uma leitura de cartas de tarô. Muito menos algo relacionado à numerologia, runas ou borras de café. Karl Marx apenas analisou de forma diferenciada o que acontecia na história do capitalismo. E, como a história é cíclica...

O autor já havia analisado a mercadoria universal, a estrutura da jornada de trabalho e a circulação de mercadoria. Aqui, no Livro III (“o livro da unidade”), ele pensa a produção e a circulação juntas, o que vai gerar o próximo tema a ser abordado por ele: o processo da mais-valia.

Até então, os pensadores clássicos equacionavam o capital da seguinte maneira: capital (investimento) = capital constante (máquinas, mercadoria) + capital variável (salário) + lucro. Dessa forma, o lucro era visto como alheio à produção, ou seja, ele surgia da circulação.

Mas, para Marx, essa teoria não era capaz de explicar a realidade. Portanto, montou sua própria equação que demonstraria melhor a situação: capital (riqueza) = capital constante (trabalho morto, investimento) + capital variável (trabalho vivo, salário) + mais-valia (trabalho não pago). Esse trabalho não pago gera lucro. Se há mais capital constante (investimento para aumentar a produção), a tendência é que a taxa de lucro diminua, pois é o trabalho vivo que cria riqueza, o trabalho morto apenas a transfere.

Com isso, percebe-se a necessidade do mercado global: ele evita as quedas. É necessário que existam países que transfiram mais riqueza do que acumulem. A redução dos salários diminui os custos e o crédito torna-se uma forma eficaz de transferir a mais-valia.

Marx explica então a composição do capital orgânico, que é dividido em superior (alta tecnologia, pouca mão-de-obra), intermediário e inferior (pouca automação, muita mão-de-obra). Os extremos pensam o capital financeiro de forma parecida, pois os dois precisam de excesso de produção, logo regulá-lo não é interessante.

A concorrência no superior se dá através de empresas que compram novas tecnologias para produzir mais. Por conta disso, a taxa de lucro diminui, ou seja, ele precisa do inferior para transferir riqueza. E, ao adquirir essas máquinas, as velhas são repassadas para o médio.

Estando sempre atrás, o médio precisa vender muito mais para conseguir sobreviver. Para isso, o mercado deve ser global, com uma busca por uma superpopulação relativa de consumo (locais em que muitas pessoas têm condições de compra). Daí há criação do crédito e do mercado de ações (o tal capital financeiro).

Enquanto isso, o capital inferior tenta aumentar sua taxa de mais-valia através de maior tempo de trabalho e diminuição do salário. Isso porque a aquisição de maquinarias ultrapassadas pelo capital médio diminui a competitividade com o inferior.

Voltando ao capital superior, se ele sofre com a queda da taxa de lucro, isso é repassado para os outros. A palavra que ninguém quer ouvir aparece: crise. As temidas crises surgem para que se concentre o capital. Algumas empresas estão quebrando, mas o mercado ainda existe. Aquelas que forem mais fortes sobrevivem, pois não há mais concorrência. O que passa a tomar conta do mercado são as fusões e os monopólios.

Na tentativa de reverter o processo da crise, procura-se salvar os bancos, mas isso não é solução. Do contrário, apenas faz a manutenção dela. O capital médio ainda tem certa força, pois consegue se articular. As taxas de lucro nele e no inferior são relativamente altas (por isso as liquidações).

Marx aponta alternativas para diminuir a tendência da queda da taxa de lucro, o que pode ajudar a fazer a crise não ser tão violenta, ou ainda, auxiliam as oportunidades de acúmulo. Elas parecem ir contra o sistema capitalista, mas na verdade, podem fazê-lo funcionar.

Com o crescimento da superpopulação relativa, mais pessoas podem consumir e o fazem, aumentando ainda mais o trabalho. Ao mesmo tempo, as indústrias se diversificam cada vez mais, o que possibilita novos ramos para investimentos, gerando concorrência.

Além disso, o sistema de créditos e ações permite que qualquer investidor possa fazer parte do sistema, transformando seu dinheiro em capital, sem precisar se tornar um industrial. Isso faz com que as pessoas vejam as possibilidades de enriquecer com mais facilidade, reinvestindo sempre. Tudo isso faz a “máquina” capitalismo girar novamente.

Parece familiar? Foi possível reconhecer a situação atual de EUA, Japão, Índia, China, Brasil e Europa nessa história toda? Quem nunca ouviu falar em Marx pode imaginar que ele vive em algum lugar, escondido, apenas publicando textos novos, conforme a necessidade. Mas não. Isso já aconteceu algumas vezes ao longo do tempo. Toda crise é resultado do mesmo processo, pelos mesmos motivos. Ainda não existe uma receita para evitá-la, mas é importante conhecer análises anteriores com consciência para tentar antecipá-la e contorná-la... Na medida do possível.

Nenhum comentário:

Postar um comentário