Mas calma lá. Não foi essa mesa Anna Wintour que fez do consumismo doentio a peça-chave, quer dizer, o único modo de vida aceitável para qualquer “it-girl” (que vem até com adjetivo de bolsa agora)? Não foi ela que fez as mulheres do mundo inteiro olharam para Carrie Bradshaw (personagem de Sarah Jessica Parker no seriado Sex and The City) e verem na sua coleção de centenas de sapato um objetivo de vida? E agora vem falar que esse comportamento de repente ficou “over”, “so last season”.
Mas coitadinha, ela é só mais um jogador, nesse tabuleiro imenso. O momento é de crise, os EUA têm uma primeira-dama que não faz a linha perua, tempos de baixar a bola. A bolha de ilusões dos especuladores da Bolsa de NY foi para o saco. E, com isso, sofreram todos os mercados que vinham brincando e tirando proveito da lógica da especulação. A moda, sobretudo a feita nos EUA e na Europa, obviamente, se encaixa nesse cenário.
Aí esse discurso de “mulher consciente” até que faz sentido. Mas e na prática, será que funciona? O melhor exemplo é o que Teri chama de
“valores substantivos”. Anna, prefere a expressão “valores intrínsecos”, mas no fim ambos se referem a mesma coisa. No caso da moda, isso quer dizer roupas feitas para durar muitas estações, com tecidos de boa qualidade, design interessante e por aí vai.
Mas aí você pára e pensa: se isso for para valer, toda a indústria da moda que há anos se baseou no conceito de renovação (ainda que superficial) constante, estaria comprometida a uma severa re-estruturação, para não dizer, transformação. Afinal, se comprarmos roupas que durem uma vida toda, por que as marcas iriam apresentar novas coleções a cada seis meses? Isso sem contar as coleções de meia-estação, hein. As revistas iam preencher suas páginas de anunciantes ou as matérias estilo catálogo com o que? Uma simples camisa branca? Um cardigan de cashmere? Se a mulher mantiver suas roupas “ativas” por mais tempo, então quer dizer que as tendências ou estilos em voga também vão permanecer os mesmos por mais tempo? E como seriam as semanas de moda, então? E se as pessoas fossem guardar as roupas por mais tempo, sem precisar comprar (dinheiro em circulação) novas, como que as marcas iriam se sustentar? Alguém lembra de Keynes? Dos vazamentos (poupança) do que foi chamado de fluxo circular da economia?
Afinal, para Keynes, a chave para o reativar a economia não é fazer as pessoas terem recursos para consumir? Tanto é que já estão pipocando pelos EUA ações incentivando o consumo de artigos de moda e luxo por preços bem mais baixos e ainda com discurso quase emotivo alegando que a roda precisa continuar girando, afinal os estilistas e todos os membros dessa indústria precisam comer.
Sem contar que essa história de valor intrínseco é um tanto mais complexa que apenas bens duráveis. Imagine que a Parada, por exemplo, resolveu fazer uma regatinha de renda renascença. Agora imagine que para isso ela usou os serviços das rendeiras de Pernambuco que são as melhores nessa técnica. Ai a Prada vai lá e coloca essa regata a venda em sua loja, com as devidas etiquetas e embalagens. Só que as bordadeiras, vendem a mesma peça numa feira de artesanato em Recife. E é exatamente a mesma peça, feita pelas mesmas mãos, no mesmo tecido, tudo igualzinho. Mas qual deles é vendido por maior valor?
Se essa história de “valor intrínseco” for mesmo verdade, a resposta seria que as duas teriam o mesmo preço. Mas na realidade não é bem assim que funciona. O produto da Prada é bem mais valioso, graças ao que se chama de “valor agregado” da grife. Mas veja bem, um valor simbólico, que não está no produto, muito menos na força de trabalho empregada nele. Tem também um valor instrumental, ou seja, um valor de uso, porque usar uma peça da Prada representa o status da riqueza, que não está necessariamente na roupa, mas que pode ser apreendido por meio dela.
Alguém lembrou de Marx? Dos conceitos de composição orgânica do capital, mais-valia e taxa de lucro? mais valia e da taxa de lucro?
Fica claro aí que é impossível falar de valor intrínseco nessas condições. Quando o valor principal vem da “alma” da grife, e não o que Marx chamou de valor orgânico do capital. Dentro desse quadro a única possibilidade seria fazer comparações entre os produtos das grandes grifes e, somente entre eles, identificar aqueles que realmente têm design especial, matérias-primas de qualidade e caráter artesanal no que diz respeito à manufatura. Ou seja, a lógica de Wintour poderia operar apenas dentro da panelinha já estabelecida do luxo e seus arredores.
Por Luigi Torre
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