por Victor Esteves
Se a tarefa era escrever sobre um dos temas discutidos em sala, pode ser que eu a cumpra. Se o negócio é dar uma demonstração de “papagaiês” (idioma usado por quem gosta de repetir autores e citações), já me declaro incompetente desde já.
Com o acirramento da crise econômica mundial e a ressaca (marola ???) chegando ao Brasil, parece que existe uma febre de revisionismo acadêmico, ressuscitando autores (Marx já sabia !) e teorias (Keynes estava certo !) de recuperação da economia. Entendo que foi muito bom conhecer as três vertentes do pensamento econômico, e que discuti-las em classe foi um exercício acadêmico muito salutar. Mas fico pensando o que virá depois, e como o povo, no final das contas o verdadeiro afetado pelas decisões dos sábios economistas, se insere neste contexto.
Assim, fomos pegar três pessoas comuns, que pensam de forma diferentes e representam, figurativamente, estas três correntes de pensamento. O “seu Carlos” tem uma história bonita de lutas estudantis e de participação em todas as lutas políticas do Brasil, e a seu modo, nas lutas pela “emancipação” da humanidade. Nem preciso detalhar quais são suas convicções e a que escola ele se filia. Dona Esperança, por sua vez, gasta seu tempo lutando pelas causas ambientais e pelos movimentos de melhoria das condições de vida de minorias, ainda que freqüente a missa e tenha saudade dos “tempos de outrora”. Por sua vez, Roberto é um executivo em plena ascenção profissional, leitor de cadernos econômicos e investidor do mercado financeiro. Vamos ouvi-los :
- Então, Roberto, quer dizer que agora o executivo chefe da GM é o Obama ? Ele é comunista ?
- Não, Carlos, comunista é você. O Obama está só corrigindo um erro histórico da economia ocidental, que deixou a coisa solta, não regulou a atuação das empresas e bancos no mercado financeiro.
- Prá mim, isso é o fim do mundo, diz Dona Esperança. É só mais um sinal. Ter o governo americano como principal acionista da GM é como pedir aos países poluidores para assinarem o Tratado de Kyoto.
- Essa crise é uma coisa localizada, Esperança. Não tem nada de crise da civilização. A especulação foi excessiva e este socorro dos governos vai por tudo nos eixos novamente.
- Mas se o lucro crescente é parte do capitalismo, essa “freada de arrumação” não resolve nada, daqui a pouco estará tudo igual, outra crise virá. Afinal, estas crises são cíclicas.
- Não é nada disso. Esta é a crise final, a que antecede o fim do mundo. Foi-se o tempo em que até os capitalistas tinham princípios. No Rio, por exemplo, não entrava o crack, porque os traficantes não queriam a morte de seus clientes. Hoje o mundo está virado, as espécies estão se extinguindo, o planeta daqui a pouco não vai ter ar para respirar. Nem água. O que os Estados vão fazer sobre isso ? Porque não intervém, como fizeram com a economia ?
- O Estado não tem que fazer esse papel. O Estado pode ser usado nestes casos extremos, mas o seu papel é deixar “o mercado se autoregular”.
- Mas como assim se autoregular ? Não era isso que estava acontecendo ? Enquanto existir essa mais valia indecente, as crises se repetirão.
- Não, cada crise é um caso, não dá para generalizar nem se apoiar nos fatos passados para circunstâncias atuais, completamente diferentes.
- Diferentes em que ? É o mesmo caso de superprodução que antecedeu a crise de 29 ! A diferença é que se fazia a guerra para aquecer a economia em crise, e agora se faz a guerra preventivamente, antes da crise estourar.
-É o fim do mundo ! É o fim do mundo ! Se a Coréia soltar uma bomba nos países vizinhos o mundo vai pro saco ! O que está acontecendo é que os países centrais estão querendo tomar as riquezas dos países da periferia. Bem que a periferia podia se unir e fazer comércio entre eles, tirar os grandes da jogada, como se pode fazer agora na América Latina.
- Mas isso não existe, Esperança, a economia globalizada não permite que um paíse fique a margem do mundo. A globalização é inevitável ! O dinheiro se transfere de um país para outro num “clicar de dedos”.
- Nesse ponto você tem razão. A globalização é uma perversidade, faz as empresas transnacionais superarem os Estados nacionais. O negócio é produzir onde os salários são baixos, pesquisar onde as leis são generosas e auferir lucros onde os impostos são menores.
- Mas essa globalização também abre empregos em lugares pouco desenvolvidos, vocês não acham ?
- Que nada, isso é só uma faceta da característica moderna da luta de classes, onde as empresas multinacionais cooptam elites locais nos seus planos de acumulação de capital.
- Mas as coisas estão se encaixando, com as novas regras o mundo vai voltar a crescer e todo mundo vai ter crédito de novo, voltar a consumir...
- Mais endividamento, isso sim...O mundo vive um enorme débito coletivo, onde o dinheiro que rola não tem lastro, o PIB mundial é menor que a moeda em circulação.
- É o fim do mundo, as pessoas preocupadas em consumir, mesmo que isso traga desmatamento, poluição dos oceanos, crianças nascendo sem cérebro...
Bem, podíamos brincar de personagens por muitos parágrafos mais, mas o objetivo aqui, apesar de tentar ser divertido, era sério.
Por mais que alguns defendam o “purismo”de uma corrente ou outra, entendo que a verdadeira solução ainda está longe. Historicamente, olhar 100 ou 200 anos ainda é pouco esclarecedor, embora se defendam verdades com base na observação deste curto período desta civilização. É evidente que a crise não é só econômica, mas é evidente que a emancipação da população não se dará pela mera formulação de novas regras do mercado financeiro. Por outro lado, apelar para as explicações geniais de Karl Marx requer uma forçada interpretação de uma situação que já se diferencia bastante das condições de laboratório com que Marx trabalhou em seus estudos.
Como cidadão, preso neste curto período da existência terrena que me foi concedido, entendo que a preocupação maior deve estar nas aflições de hoje da humanidade. Não acredito em “soluções finais”. Não acredito em diagnósticos geniais nem em governos com “sinceridade de propósitos”. Não acredito em empresas boazinhas nem em demonizar a iniciativa privada.
O que entendo que urge discutir, é o que se pode fazer para diminuir a miséria, a fome, as péssimas condições de saúde em que vive a maior parte da população mundial. E meu ver, a única saída consistente para isso é a Educação. É o agir educativo, como dizia Paulo Freire, que pode levar o mundo a um novo estágio de valorização do ser humano. É a Educação que pode nos levar a uma nova fornada de políticos, que resgate a melhor opção da democracia representativa, tão vilipendiada que nos leva à descrença do sistema. É a Educação que pode nos levar a um sistema de impostos que se transformem em benefícios sociais e não às vantagens pessoais. É a Educação que pode levar o cidadão comum à transitividade crítica, a uma postura mental de mudança do status quo atual, onde a conveniência individual supera o bem comum da coletividade.
Tomara apenas que o caos econômico não eleve a desilusão a um tal ponto que a liberdade seja menosprezada em função de uma solução salvadora. Afinal, foi das crises econômicas que surgiram os mais despóticos governos do século passado. E mais uma vez, é preciso Educação para que as pessoas tenham esse tipo de consciência.
Enquanto isso, os cães ladram e a caravana passa...
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